quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Comunidade Humana de Valores

A supremacia da comunidade humana justifica-se por inúmeras características, das quais e de entre outras se podem destacar: a sua organização societária; uma história construída, interpretada e reescrita ao longo do tempo; um código de comunicação, cada vez mais elaborado e diversificado, não só por diferentes idiomas, como também pelos tipos de linguagens: verbal e, ainda mais abrangentemente, não-verbal; um território físico-espacial bem definido; diversas alternativas de ocupação do tempo, nomeadamente pelos: trabalho físico e mental; lazer e descanso; devidamente estruturadas ao longo do tempo; um sistema sócio-axiológico, relativamente hierarquizado e variável, em função da cultura, das tradições, usos e costumes, de cada comunidade. Cada uma das características enumeradas comporta, em si mesma, outras variantes, instrumentos e recursos que conduzem à respectiva aplicação prática, na comunidade local e também no contexto nacional e, mais dilatadamente, ao nível internacional.
A organização societária envolve, pois, um sistema cada vez mais aperfeiçoado, e mesmo muito sofisticado, que vai desde a organização política e administrativa do espaço e das pessoas, ao estudo e utilização dos recursos naturais e humanos existentes. O sistema que faz da sociedade humana a mais avançada, pelo menos no actual estádio do conhecimento, envolve as diversas dimensões da pessoa humana: política, religiosa, social, económica, educacional, cultural, laboral, técnica, científica, comunicacional e axiológica, entre muitas outras possíveis e/ou existentes em comunidades diferentes.
O ser humano está dotado de imensas capacidades e faculdades extraordinárias como a imaginação, a criatividade e um pensamento sem fronteiras, todavia, muitos problemas persistem como os que decorrem dos conflitos, da miséria, da fome, da doença, do sofrimento, das desigualdades e da ausência de respostas para questões que continuam a atormentar a vida pessoal e comunitária, porque: “A vida já não transcorre num mundo fechado, cujo centro é o homem; o mundo é agora ilimitado e, ao mesmo tempo, ameaçador. Ao perder seu lugar fixo num mundo fechado, o homem já não possui uma resposta às perguntas sobre a significação de sua vida; o resultado disto está no fato de que agora ele é vítima da dúvida sobre si e sobre a finalidade de sua existência. Está ameaçado por forças poderosas: o capital e o mercado. Suas relações com os outros homens, agora que cada um é um competidor potencial, são superficiais e hostis; é livre, isto é, está sozinho, isolado, ameaçado por todas as partes.” (KALINA & KOVADLOFF, 1978: 56-57)
A superioridade da pessoa humana, e da comunidade em que ela se integra, comprova-se, justamente, pela sua imensa capacidade de criar, enfrentar e resolver situações, que vão do conflito e confronto, físico e armado, à invenção de soluções, recursos e técnicas para resolver ou, pelo menos, minimizar a dor e o sofrimento ou as consequências negativas de certos fenómenos naturais. A realidade que é descrita por muitos autores, numa perspectiva menos optimista e, por vezes, até com algum dramatismo, não poderá constituir razão suficiente e justificativa, de que tudo está irremediavelmente perdido, porque para além do mundo, do homem e das situações físicas e objectivamente concretas, existe a pessoa humana de sentimentos, de valores e de fé.
A pessoa humana, independentemente do seu estatuto sócio-económico, etnia, sexo, idade, religião, situação política ou orientação sexual, está capacitada para assumir-se como responsável pelos valores que manifesta, se realmente for coerente e honesta consigo própria, logo, ela sempre há-de ser detentora de alguns valores e princípios que a vão distinguir das restantes espécies animais e, inclusivamente, dos seus próprios semelhantes, porque cada pessoa será una, indivisível e infalsificável em relação a qualquer outra da sua espécie.
Neste contexto, pode-se considerar o valor como sendo uma referência, um ideal, um objectivo que se pretende atingir, porém, sem jamais conseguir alcançá-lo. Os valores são como bússolas que se destinam a orientar a pessoa e a comunidade em que se insere, em vista de um fim compatível com a dignidade humana, logo, os valores, devem ser ensinados, interiorizados e praticados desde a mais tenra idade e devem acompanhar a pessoa ao longo da sua vida.
A comunidade humana está, portanto, obrigada a desenvolver todo um sistema axiológico, para que a comunhão de valores, princípios e normas seja o mais abrangente possível, e assim poder usufruir de idênticos direitos e cumprir os inerentes deveres que cabem a cada pessoa. Precisando melhor, pretende-se a igualdade entre as pessoas e a aplicação da justiça social, considerando, naturalmente, o mérito e o demérito de cada uma, por isso se deve evidenciar a igualdade face à lei, à responsabilidade e ao esforço de cada cidadão.
No limite, importa garantir a igualdade quanto à dignidade que assiste a toda a pessoa humana, porque: “(…) a igual dignidade pessoal postula, no entanto, que se chegue a condições de vida mais humanas e justas. Com efeito, as excessivas desigualdades económicas e sociais entre os membros e povos da única família humana provocam o escândalo e são obstáculo à justiça social, à equidade, à dignidade de pessoa humana e, finalmente, à paz social e internacional.” (CONCÍLIO VATICANO II, 1966: 38)
Ser parte integrante, livre e responsável de uma comunidade de valores, implica não só preparação retórica, como também uma praxis rigorosa e ainda uma grande sensibilidade para assumir o exercício do cumprimento rigoroso de normas sociais elaboradas, impostas e fiscalizadas pela própria comunidade, através dos respectivos órgãos competentes, legal e legitimamente indigitados para o efeito.
O homem, na sua dimensão social, tem de viver em permanente convivencialidade e, nestas circunstâncias, ele não é totalmente livre, ficando limitado aos deveres e direitos que lhe estão consignados e que, igualmente, são atribuídos aos seus semelhantes: “O homem sozinho no universo tem liberdade total porque pode apropriar-se daquilo que tenha vontade. Porém se forem dois homens convivendo neste mesmo universo, para que haja a paz entre eles é necessário que as condutas sejam limitadas, pois o universo continua um só e cada um deles não pode pretender a apropriação de todas as coisas, sob pena de impedir a realização do outro. A limitação das condutas humanas é realizada pela própria inteligência do homem através das normas sociais.” (MARCELINO, 1987: 73)
Construir a comunidade humana de valores, com o património axiológico individual de cada pessoa, revela-se uma missão interessante e necessária, que deverá ser assumida pelos cidadãos, enquanto tais, porém, sob a orientação e coordenação de instâncias especializadas neste domínio, com recurso a profissionais das ciências humanas, em parceria com as ciências exactas e as tecnologias: ao técnico não lhe basta saber-fazer, se não souber saber-ser e estar; ao teórico ser-lhe-ia insuficiente os saberes ser e estar se não souber fazer.
A comunidade axiológica tanto carece dos valores imateriais como dos materiais. A sociedade não vive, apenas, de sentimentos altruístas, e não resistirá indefinidamente se lhe faltarem os recursos materiais, desde logo financeiros e instrumentais. A comunidade humana de valores será constituída por uma axiologia multidiversificada, adaptada a uma sociedade cada vez mais exigente, complexa e dinâmica e, nestas circunstâncias, são fundamentais os valores espirituais, sentimentais e materiais, sem quaisquer complexos nem hipocrisias.
A comunidade humana de valores será tanto mais dinâmica, justa e desenvolvida, quanto mais os cidadãos que a integram forem bem sucedidos na vida, pela aquisição e reforço dos respectivos valores imateriais e materiais. Nesse sentido: “A propriedade privada ou um certo domínio sobre os bens externos asseguram a cada um a indispensável esfera de autonomia pessoal e familiar, e devem ser considerados como que uma extensão da liberdade humana. Finalmente, como estimulam o exercício da responsabilidade, constituem uma das condições das liberdades civis.” (CONCÍLIO VATICANO II, 1966: 101

 
Bibliografia

CONCÍLIO VATICANO II (1966). Gaudium et Spes. Constituição Pastoral o Concílio Vaticano II sobre a Igreja no Mundo de Hoje. II Edição. São Paulo: Edições Paulinas
KALINA, Eduardo e KOVADLOFF, Santiago, (1978). As Ciladas da Cidade. São Paulo: Brasiliense
MACEDO, Sílvio, (1977). Curso de Filosofia Social, 2ª Edição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora
MARCELINO, Nelson C., (Org). (1987). Introdução às Ciências Sociais. Campinas: Papirus


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Portugal: http://www.caminha2000.com/ (Link Cidadania)
 

1 comentário:

Cecília disse...

Este seu artigo fez-me reflectir os valores que hoje são defendido e os de antigamente, ambos são importantes de serem cultivados e nunca descurar de uns em favor de outros. Parabéns por mais um excelente artigo!