sexta-feira, 4 de março de 2011

Formação Ético-Moral

Confunde-se, a muitos níveis do conhecimento e das diversas actividades, a ética com a moral e, por vezes, estes vocábulos são utilizados indistintamente, sem se reflectir na genuinidade dos seus conceitos e na correspondente aplicação prático-teórica dos mesmos.
Na verdade, são noções diferentes que, em última análise, se podem aceitar como complementares, mas que não são iguais, porque, grosso modo, se a ética respeita a uma parte da filosofia que se preocupa com a reflexão acerca das noções e dos princípios que fundamentam a vida moral, isto é: analisa criticamente os actos que envolvem moralidade; a moral, por sua vez, constitui-se no conjunto de costumes e juízos morais de uma pessoa ou da sociedade e que tem subjacente um carácter normativo, no sentido de orientar a acção humana, no respeito pelo cumprimento dos deveres, em ordem ao bem e ao mal. As normas da moral são livres e conscientemente aceites e facilitam o relacionamento dos indivíduos nas respectivas comunidades.
Partindo desta distinção dos conceitos e simplificando a descrição dos mesmos, no sentido de uma interpretação prática, dir-se-ia que a moral age e a ética pensa. Invertendo os termos, considera-se necessário que o novo cidadão, primeiro pense e depois aja, daí a formação ético-moral aqui preconizada.
Não se pretende com esta ordem dos elementos aniquilar a força dos sentimentos se, sempre que se tiver de agir, se tenha primeiro que pensar, até porque, existem circunstâncias na vida que pela sua magnitude e profundidade, no que possa afectar a vida individual, familiar, social, ou de outra natureza do homem que, alegadamente, não haverá tempo nem vantagens para pensar, porque se é levado pela emotividade e pela emoção das situações que, entretanto, se criaram, independentemente das consequências que, posteriormente, possam resultar dos actos, quer contra uns, quer contra outros dos intervenientes.
Por outro lado, para não se ser excessivamente sentimentalista e emotivo, de facto pode-se cair num certo materialismo calculista e oportunista se, previamente, mesmo em situações de quase-limite, se analisarem desapaixonada e friamente todas as consequências possíveis de uma futura e imediata intervenção numa dada situação.
Poder-se-á tratar de um dilema que o cidadão procurará resolver, face a variáveis que lhe são intrínsecas, das quais se destacariam: os seus interesses pessoais, a familiaridade com a situação, as pessoas envolvidas e a oportunidade da solução a adoptar, todavia, quer pense primeiro e aja depois, quer faça o contrário, terá de estar preparado para assumir as responsabilidades das consequências das suas decisões, podendo sempre ser criticado na perspectiva moral ou na perspectiva ética.
Inferir-se-á que qualquer que seja a posição assumida, o indivíduo deve estar preparado para que possa enfrentar com serenidade e autoridade as reacções vindas das pessoas afectadas pela decisão. Evidentemente, não se pode exigir ao cidadão que tome posições virtuosas, perfeitas.
Deseja-se que o cidadão tenha em atenção todas as consequências possíveis e que opte por decisões que, em consciência, considere moral e eticamente justas, não podendo em caso algum ignorar que: “Cada sociedade estimula alguns comportamentos, por considerá-los adequados, e sujeita outros a sanções de diversos tipos, desde um olhar de reprovação até ao desprezo ou a indignação.” (ARANHA, 1996: 119)
A característica ético-moral do cidadão do futuro, no sentido em que seja formado para, tal como dizia Silvestre Ferreira, poder “discorrer com acerto e falar com correcção” será, naturalmente, uma constante na sua vida. Se assim proceder certamente que existirão melhores condições para dar um contributo muito significativo à sociedade porque, em tudo que se diz e se faz, deve-se exercitar um comportamento ético, ainda que, posteriormente, se tenha que corrigir para melhor, as posições antes assumidas.
O cidadão cuja estrutura assenta numa formação ético-moral, poderá ser, no futuro, o principal interveniente na construção ou, se se quiser, na reconstrução de uma sociedade onde todos os indivíduos se sintam relativamente realizados, nas diversas dimensões do ser humano.
A formação ético-moral aponta desde logo para uma atitude de prudência, quaisquer que sejam as situações a enfrentar, para o que se exige uma persistente e prolongada habituação e, simultaneamente, um rigoroso auto-controle face às inúmeras circunstâncias que, caso a caso, rodeiam, precedem ou envolvem os comportamentos e decisões que sejam necessários assumir, porque: “Assim como a razão teórica precisa do hábito da ciência para exercer bem a sua actividade na ordem do conhecimento, do mesmo modo a razão prática precisa ser determinada por um hábito para poder exercer o juízo correcto sobre o que o homem deve fazer nas situações concretas da sua existência. Tal virtude é a prudência, que ilumina a acção, regulando-a e servindo de critério da sua qualificação moral.” (NOGUEIRA, 2000: 40)
Será legítimo inferir-se a ideia segundo a qual, o cidadão que se pretende para a sociedade, congregue em si características pelas quais sejam dadas garantias de que as organizações: políticas, económicas, sociais, empresariais, religiosas e outras, venham a ser orientadas por homens e mulheres moderados, prudentes, sábios, no sentido da tolerância e da equidade.
Um perfil desta categoria, certamente que se encontra, cada vez mais em pessoas que, a partir da Família, da Escola, da Igreja e do Trabalho, adquiram hábitos e desenvolvam competências para o exercício corrente das virtudes correspondentes.
Ao adoptarem-se medidas que visem implementar valores consentâneos com aqueles requisitos, no espírito das crianças e jovens, deseja-se que daqui a duas ou três décadas a sociedade esteja bem melhor, em todos os sentidos. Com efeito, a preparação de base é um primeiro e muito importante passo na formação e consolidação de um novo cidadão.
Bem se sabe que é um processo lento, que não produz resultados visíveis e influenciadores da opinião pública, pelo menos em períodos críticos, no curto prazo, e que, eleitoralmente, pode até ser perigoso para certas correntes político-ideológicas. Acredita-se que este é o caminho mais seguro a percorrer e que, mais tarde ou mais cedo, os responsáveis encetarão sem hesitações.
Indubitavelmente prova-se à saciedade que o mundo se harmoniza menos com as armas do que com o diálogo; cada vez a razão da força é menos eficaz do que a força da razão e esta reside em personalidades equilibradas, moderadas e experientes. Contra um certo voluntarismo generoso dos jovens é necessária a temperança dos mais velhos e nesse sentido defende-se uma profícua troca de conhecimentos, atitudes e projectos entre as gerações mais novas e as que já se encaminham para o seu fim natural.
Uma estratégia desta natureza implica uma preparação sólida, na defesa dos valores essenciais à vida em sociedade, até porque o homem é cada vez mais um ser dependente, conivente com os seus semelhantes e cúmplice nas acções que desenvolve, quer por adesão quer por omissão, por isso mesmo considera-se fundamental uma sensibilização para a conduta ético-moral, que se imponha, qual imperativo categórico kantiano e constitua, nos dias de hoje, um suporte insubstituível para as boas práticas porque: “Os seres humanos sentem, regra geral, um desejo inextinguível de um apoio e de algo em que possam confiar: num mundo tecnológico tão dificilmente apreensível e complexo como o nosso e no meio dos erros e incertezas da sua própria vida privada, os indivíduos procuram definir uma posição, seguir directrizes, dispor de bitolas, de um ideal – em resumo; os seres humanos sentem necessidade de possuir algo como uma orientação ética de base.” (KÜNG, 1990: 62)
Possivelmente, esse “algo” consiste numa formação sólida para a interiorização e aplicação consequente dos valores ético-morais de que se poderiam destacar alguns com significado actual: a lealdade como condição para um relacionamento humano aberto, sincero e profícuo; a honestidade enquanto comportamento transparente para evitar o aproveitamento indevido de bens que, eventualmente, são de todos ou que a eles não se teria direito por nenhum processo legal e legítimo; a moderação como acção na resolução de diferendos, através da qual se procurará harmonizar posições a partir do que cada um pode apresentar em comum com o seu semelhante. A prudência enquanto atitude que se preocupa com as consequências dos juízos de valor, das acções e intervenções precipitadas.
 Outros valores (ou virtudes), porventura, poderiam aqui ser mencionados, mas o que verdadeiramente importa é a formação ético-moral do cidadão partindo do princípio segundo o qual: “O reconhecimento do valor da pessoa na sua dignidade constitui a base de toda a vida ética. Sem ela não há convivência humana aceitável. Isto mostra toda a seriedade da questão ética. (…) É preciso redescobrir a acção humana como acção regrada, quer dizer, dirigida segundo uma ordem de valores irredutíveis à pressão social. (…) Quando desenvolvemos o senso desses valores estamos desenvolvendo o respeito da dignidade da pessoa “ (NOGUEIRA, 2000: 35)
Se cada um se preparar para o respeito e consideração devidos ao outro e a todos, então o novo cidadão e todos os cidadãos alcançam um bem inestimável, que conduzirá ao benefício que outros valores se associam à dignidade. Sobre os Homens e Mulheres de hoje, recaem as responsabilidades de formação deste novo cidadão, porque: “A cooperação entre as mulheres e os homens – não a guerra de sexos em função de lugares ou de poderes – dará lugar a uma nova forma de contrato social, um novo contrato de género, essencial para a Democracia.” (ALIANÇA PARA A DEMOCRACIA PARITÁRIA, 2003:42)

Bibliografia

ALIANÇA PARA A DEMOCRACIA PARITÁRIA, (2003). Afinal o que é a Democracia Paritária? 3ª Edição, revista e actualizada, Lisboa: Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres/Presidência do Conselho de Ministros. (Colecção Informar as Mulheres)
ARANHA, Maria Lúcia Arruda, (1996). Filosofia da Educação. 2a Ed. São Paulo: Moderna.
BÁRTOLO, Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2002). “Silvestre Pinheiro Ferreira: Paladino dos Direitos Humanos no Espaço Luso-Brasileiro” Dissertação de Mestrado, Braga: Universidade do Minho, Lisboa: Biblioteca Nacional, CDU: 1Ferreira, Silvestre Pinheiro (043), 342.7 (043).
BARTOLO, Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2009). Filosofia Social e Política, Especialização: Cidadania Luso-Brasileira, Direitos Humanos e Relações Interpessoais, Tese de Doutoramento, Bahia/Brasil: FATECTA – Faculdade Teológica e Cultural da Bahia:;
KUNG, Hans, (1990). Projecto para uma Ética Mundial, Trad. Maria Luísa Cabaços Meliço, Lisboa: Instituto Piaget.
NOGUEIRA, João Carlos, (2000). “Racionalidade Prática e Teoria das Virtudes em Tomás de Aquino”, in Reflexão, Campinas: Instituto de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, (77), Maio/Agosto, p. 40.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Portugal: http://www.caminha2000.com/ (Link Cidadania)

1 comentário:

Cecília disse...

Caro amigo, pois considero que há por aí muita falta de formação em ética e moral, pois muita gente não sabe "ser", nem "estar", infelizmente!
Aguardo mais reflexões suas!