sábado, 2 de abril de 2011

Gratidão: Virtude que Gera Amizade e Paz

Conceptualizar a gratidão como um sentimento, uma virtude, um valor social, um traço da personalidade, uma característica da educação ou uma atitude de reconhecimento por um bem recebido, poderá ter interesse na perspectiva argumentativa, no plano teórico da construção de uma tese, no âmbito da demonstração de boas maneiras.
O essencial, porém, poderá ser abordado no plano prático, pela revelação de comportamentos coerentes e permanentes, de reverência e humildade, perante quem e/ou a quem se presta ou deve gratidão, independentemente do tempo, do espaço e das circunstâncias em que se recebeu o benefício, posterior e definitivamente, objecto de gratidão.
Tão importante quanto o conceito teórico será, porventura, a conduta prática de quem é grato ou ingrato. Actualmente, valores desta natureza ou, se se preferir, princípios que se adoptam para manifestar certo tipo de posições, face ao outro, ao grupo ou à instituição, de que se recebe uma atenção, um apoio, um bem, escasseiam, cada vez mais, na sociedade de consumo, do ter, do conseguir algo, do atingir fins sem se olhar a meios.
O exercício de um qualquer poder, enquanto permite a quem o detém, auxiliar aqueles que precisam resolver diversas situações, serve, exemplarmente, para se desenvolver o tema da gratidão e/ou, pela negativa, ingratidão. Na verdade, enquanto as pessoas beneficiam de alguém que tem poder, seja de decisão, de influência ou outro, aparentemente, (por vezes, fingidamente) demonstram algum tipo de gratidão, pelo menos enquanto têm problemas que podem ser resolvidos por quem detém o poder, ou pode influenciar numa decisão favorável.
Resolvida a situação, ou não havendo mais condições para o exercício do poder, passa-se a um afastamento gradual, à indiferença, ao esquecimento, aquele que numa determinada época tinha poder, ajudava, resolvia, influenciava. Vive-se o oportunismo de cada momento, extrai-se o máximo de benefício e depois segue-se o longo período de ostracismo, porém, em muitos casos, até se invertem os papéis e surge, agora, a situação mais censurável: o que foi ajudado e agora pode ajudar quem o ajudou, pura e simplesmente, ignora e não retribui os benefícios que antes recebeu de quem agora precisa de apoio, solidariedade, compreensão, uma “mãozinha”, como diria a sabedoria popular, a voz do povo.
Reflectir sobre esta realidade é o objecto do presente trabalho que, partindo de alguns conceitos, várias situações, facilmente identificáveis na sociedade, se demonstrará que, sendo a gratidão um valor, um sentimento, uma atitude, ela, a gratidão, deve fazer parte da educação/formação da pessoa humana, porque, qualquer que seja o conceito, é fundamental que na prática, em todas as circunstâncias, as pessoas não tenham preconceitos em manifestá-la, em público ou em privado, demonstrá-la, sincera e entusiasticamente. Adoptar uma conduta de gratidão acaba por ser gratificante para quem a recebe e para quem a manifesta, trata-se de uma atitude nobre, de humildade e elevada dignidade, que só engrandece quem a pratica verdadeira e genuinamente.
As causas que, eventualmente, possam estar na origem de atitudes e comportamentos ingratos, acredita-se que sejam de natureza diversa que, independentemente dos motivos, não justificam os procedimentos característicos da ingratidão: insensibilidade para reconhecer um benefício recebido, por quem não tinha o dever de o fornecer?
Falta de humildade, em certo tipo de personalidade? Esquecimento, puro e simples, de agradecer um bem recebido? Ausência do hábito de agradecer àqueles que praticam o bem em benefício concreto de outros? Falta de educação para agradecer um simples favor? Vergonha de manifestar comportamentos gratos e actos de gratidão? Possivelmente, outros motivos se poderiam invocar para as atitudes e comportamentos ingratos, ou pelo menos de não-gratidão, todavia, o facto é que ela, a ingratidão, existe, se manifesta e, quantas vezes, magoa e ofende, justamente quem deveria receber o reconhecimento, um simples obrigado.
O mundo actual, na sua dinâmica globalizante, provoca comportamentos individuais e colectivos que cada vez mais se afastam dos mais elementares valores da gentileza, da humildade e da gratidão. Quantas vezes o favor é negociado, pela troca por outro favor, por outro benefício ou por um outro valor material concreto. A troca de favores, de influências, de cargos e posições sócio-estatutárias torna-se uma prática quase corrente e, na formação dos respectivos intervenientes. Formação e educação para valores desta natureza, boas-práticas na e/a partir da família ou de grupos de amigos e comunidades mais restritas, parece não existirem, pelo menos de forma evidente e abundante.
Gratidão, gentileza, humildade serão conhecimentos, práticas, princípios, valores, deveres ou quaisquer outras designações que, na mentalidade de quem não os pratica, possivelmente não se enquadram num saber-fazer que proporciona lucros, dividendos materiais em numerário ou de natureza ainda mais substantiva. Como se chega a esta insensibilidade é uma questão que se compreende cada vez mais nitidamente, pelas razões já apontadas, entre outras, eventualmente, ainda mais graves.
A acentuar-se esta insensibilidade, face ao sentimento de gratidão, caminha-se para situações que se podem tornar causadoras de maiores desigualdades. Quem não tem poderes para retribuir com um favor outro favor recebido, possivelmente não receberá qualquer apoio, benefício e compreensão de quem o pode fornecer, se souber que em troca apenas recebe, quando recebe, um “muito obrigado”.
Agradecer o recebimento de um benefício, uma ajuda, uma solidariedade, apenas com sentimentos de gratidão, de uma atitude de humilde reconhecimento, pode significar nunca mais se ter apoio daquela pessoa que foi objecto de gratidão por palavras, por sentimentos e atitudes de admiração e gestos gratos. A gentileza, a cordialidade, a boa educação, traduzidas por palavras e gestos simbólicos, embora significantes, parece que já não satisfazem muitos daqueles que esperam agradecimentos mais concretos e objectivos, susceptíveis de uma determinada quantificação.
São múltiplas, profundas e sofisticadas as causas da ingratidão que se alastram, silenciosamente, na sociedade: múltiplas, porque envolvem vertentes que vão da desvalorização de valores essenciais, abstractos e simbólicos à insuficiência da preparação, educação e formação das pessoas; profundas, porque vêm minando os princípios mais elementares que sustentam a amizade, a solidariedade e a compreensão, materializando tudo, a partir de conceitos e comportamentos que, em muitos casos, são fomentados nas instituições que, num passado recente, mereciam a maior credibilidade e respeito: família, escola, empresas; sofisticadas, porque, sub-repticiamente, e com a hipocrisia de aparente humildade se insinua uma prática de troca de favores, influências e até mesmo a compra de tais benefícios e apoios, isto é, diz-se um muito obrigado mas… fica a insinuação de que isso é muito pouco para agradecer o bem recebido por favor, às vezes com amizade de quem o fornece.
Ao longo da vida de cada pessoa e quando esta já viveu algumas décadas, acontecem situações que comprovam tanto os actos de generosidade, de solidariedade, de favores, como os que se lhes seguem de reconhecimento, agradecimento ou ingratidão. Toda a pessoa tem destas experiências e quando se verificam mais casos de ingratidão, para com a mesma pessoa, esta terá uma tendência natural para se tornar menos sensível a praticar determinadas atitudes, que conduzem às boas-práticas e à disponibilização para fazer o bem, ouvindo-se, frequentemente, lamentos e críticas, no sentido de que, afinal, não é estimulante praticar boas acções, fazer favores, ajudar, porque ninguém reconhece nem agradece nada.
Apesar de situações e comportamentos destes, ainda existe muita solidariedade, principalmente em situações-limite ou de extrema fragilidade e quando intervêm órgãos de comunicação social ou instituições de solidariedade social. Nestas circunstâncias, surgem, de facto, os benfeitores que sem esperarem qualquer acto de gratidão ajudam, generosamente, quem está a passar por grandes dificuldades.
O humanismo que permanece em muitas pessoas pode ser a base de partida para a criação de grandes movimentos e instituições de solidariedade que, simultaneamente, espalham o bem e transmitem a ideia de gratidão para com aqueles que participam nestas instituições, isto é, benfeitores que se solidarizam para com uma situação, uma causa, uma iniciativa humanitária e altruísta, se se sentirem alvo de gratidão dessa instituição, os beneficiários que, posteriormente, vierem a ser contemplados pela mesma instituição, sentir-se-ão na obrigação de manifestarem gratidão e reconhecimento públicos. Talvez se gere uma cadeia de solidariedades e gratidões que, dentro de algum tempo, todos possam manifestar esse sentimento tão nobre, quanto humilde.
As causas da ingratidão podem, pois, (e devem) ser combatidas a partir da interiorização de valores e princípios que suportem e justifiquem, justamente, comportamentos e atitudes gratas. Ensinar, no sentido de adquirir conhecimentos e avaliá-los, esta virtude que é a gratidão, não se afigura tarefa fácil; transmitir, por actos, palavras e exemplos concretos, boas-práticas de gratidão e sensibilizar crianças, jovens e adultos para o cultivo de permanente atitude de gratidão, afigura-se possível, na família, na escola, na igreja, na comunidade.
É óbvio que o saber-fazer é fundamental, imprescindível, à existência humana condigna, essencial à sobrevivência material de cada pessoa, de cada família, de cada instituição, de cada nação. É indiscutível que a Ciência e a Técnica contribuem para a melhoria da qualidade e nível de vida das pessoas. É inegável que sem a evolução do saber-fazer o mundo não seria o que hoje é, o desenvolvimento não teria ocorrido, pelo menos com a qualidade e quantidade que actualmente se verifica.
Mas o saber-fazer, por si só, não justifica nenhum tipo de supremacia face a outras dimensões e actividades humanas, tais como o saber-ser, o saber-estar e o saber-conviver e relacionar-se com os outros. Pequenos pormenores, para alguns, podem estabelecer a diferença entre uma sociedade composta por pessoas com formação integral e uma sociedade de tecnocratas, de homens-máquinas, de pessoas inumanas. São pois as dimensões axiológicas, dos valores ético-morais, das atitudes gentis e cordiais, (porém sinceras e não de relacionamentos oportunistas, só para se estar de bem com todos), que dão sentido à vida de cada um, independentemente do seu estatuto sócio-profissional, académico-cultural e outros.
Pretende-se que esta abordagem seja pacífica porque é inofensiva nos seus objectivos e estratégias. Deseja-se que se aceite a gratidão sob a perspectiva de uma virtude que pode (e deve) ser cultivada, aperfeiçoada e aplicada ao longo da vida, mas também que é susceptível de ser dinamizada em quaisquer instituições e em diversas circunstâncias em geral, porém, mais particular e estruturadamente, no seio da família, com a implementação de práticas adequadas e no contexto escolar, em domínios como o Desenvolvimento Pessoal e Social, Cidadania e Mundo Actual, Psicologia das Relações Humanas, Comunicação e Relacionamento Interpessoal e, também, numa invocação mais genérica, em quaisquer outras disciplinas e domínios escolares, em todos os níveis de ensino e formação profissional. Mas estas não são as únicas estratégias e pedagogia cognitiva, para estimular e criar boas-práticas de gratidão.
Antes, durante e depois da escola está a Família que não utilizando métodos pedagógicos estritamente cognitivos, recorre, sistematicamente, à transmissão de conhecimentos e boas práticas, pelo exemplo dos seus membros mais velhos e que os mais novos apreendem por imitação. Pensa-se que esta pedagogia não cognitiva, nem intelectualizada, pode produzir resultados objectivos espantosos, porque a criança, o adolescente e o jovem transportam, desde que tenham participado nas boas-práticas da família, todos os valores, direitos, deveres e virtudes que nela vão observando nas pessoas dos seus pais, avós e outros familiares mais idosos.
A virtude da gratidão deve ser uma prerrogativa marcante, da família bem estruturada, na personalidade de cada um dos seus membros. Aliás, como deverá acontecer em relação a todo o processo de socialização, em todas as suas vertentes e fases que conduzem à boa e plena integração do indivíduo humano na sociedade.
Gestos tão simples como o marido agradecer à esposa uma pequena atenção, um sorriso terno, confiante e amoroso, um olhar embevecido para o seu companheiro e vice-versa, constituem motivos suficientes para o outro cônjuge revelar gratidão, desde logo, retribuindo com idêntica espontaneidade, sinceridade e amor.
Atitudes tão bonitas e simples como dizer ao pai ou à mãe um “muito obrigado” por algo que se recebeu, um gesto mais íntimo e profundo, traduzido num beijo carinhoso, um comportamento que orgulhe o familiar objecto de atenção especial, são atitudes que manifestam gratidão, reconhecimento, estima e amor, seja dos filhos para com os pais e/ou destes para com aqueles. São estas pequenas gentilezas, amabilidades sinceras, genuínas e inesquecíveis que vão criando no espírito da criança, do adolescente, do jovem e do adulto, sentimentos e virtudes que facilitam a harmonia familiar e, mais tarde, as relações sociais na vida pública.
Utiliza-se, frequentemente, a expressão “gratidão eterna”, pretendendo-se significar um agradecimento para toda a vida, porém, não basta utilizá-la uma vez e não a praticar posteriormente, porque se assim acontecer, entra-se no âmbito da “gratidão de oportunidade”.
 Será mais correcto, verdadeiro e gratificante, manifestar essa gratidão ao longo da vida, sempre que as circunstâncias o aconselhem, como por exemplo para elogiar a pessoa que é objecto da gratidão de outra, naturalmente, com total honestidade de consciência e prazer em revelar, essa gratidão.
Não ofenderá os princípios do gesto gratificante quando o beneficiário de um favor, de uma atenção, de uma atitude de solidariedade, agradecer e manifestar, assim, a sua gratidão, justamente, na mesma medida e natureza do bem recebido, desde que não exista qualquer imposição ou acordo prévio, porque então, nestas circunstâncias, deixa de ser gratidão para passar a ser uma troca, um pagamento de benefícios, favores ou influências, um negócio.
A nobreza de tão distinta virtude, como de outras como tais consideradas: respeitabilidade, humildade, consideração, lealdade, solidariedade, consiste na sua espontaneidade, sinceridade, sem condições prévias para as expressar, como por exemplo: uma pessoa consegue um emprego para o filho de um seu amigo; este, por sua vez, pode manifestar-lhe gratidão, nos mesmos moldes ou simplesmente agradecer-lhe com um presente físico, uma prenda material que entender ser do gosto do amigo, partindo do princípio que não houve, previamente, nenhuma exigência, acordo, pacto ou qualquer outra condicionante, sem a satisfação da qual, não haveria a concretização dos benefícios recebidos e desta forma pagos. Cada um é livre de agradecer utilizando os recursos e/ou as atitudes que considerar compatíveis e justas com o apoio recebido.
Quem presta gratidão a outrem é porque recebeu algum bem dessa outra pessoa, sob qualquer forma: uma palavra amiga, um gesto de solidariedade, um favor, uma influência para resolver uma situação, enfim, um benefício material ou imaterial; uma atenção que veio ajudar numa qualquer situação, sem a qual, a resolução desta, não seria tão favorável ou nem se teria alcançado. A pessoa grata sente-se de bem consigo própria e com aquela a quem agradece, o que causa em ambas uma sensação de bem-estar, de tranquilidade e do dever cumprido, a gratidão pode, inclusivamente, gerar a amizade.
Por outro lado, a pessoa que pratica acções, que disponibiliza apoios que conduzem à resolução de problemas de um seu semelhante, igualmente se vai sentindo realizada e bem relacionada com aqueles a quem presta atenção. Entre tais pessoas criam-se uns laços de empatia e sentimentos de amizade sincera e profunda, que se vão fortalecendo e consolidando, num relacionamento verdadeiro, desinteressado e sempre renovado, sem condições prévias nem objectivos inconfessáveis.
Partindo-se do princípio genérico de que a pessoa humana não tem capacidade para viver isoladamente, porque sempre necessita de outras pessoas, de bens que a natureza produz, sem os quais a vida seria impossível, então cada pessoa deverá sentir-se grata a outras pessoas e à própria natureza o que faz criar um circulo vicioso de interdependências e, correlativamente, de gratidões. Manter dinâmico e profundo um tal círculo, ou cadeia de amizades, pela via da gratidão, proporcionará, certamente, uma sociedade mais humana, mais tranquila e, naturalmente, feliz.
Hoje ninguém se pode arrogar o direito de afirmar e demonstrar que é totalmente autónomo, que não precisa de ninguém: o rico precisa do pobre; o especialista necessita do indiferenciado; o crente em algo que acredite; homem carece da mulher; em todos os binómios, cada um só se justifica pelo outro. Vive-se um mundo de interdependências e já se tem assistido à queda dos mais poderosos, perante aqueles que antes e por vezes longamente, humilharam, maltrataram e prejudicaram.
A gratidão é, portanto, um sentimento que se funda na virtude do reconhecimento, da homenagem e da amizade. Quem é objecto de gratidão é porque: primeiro, procedeu para com outrem de forma excepcional, a que, eventualmente, nem estaria obrigado a tal, então, o beneficiário da atenção recebida sente-se como que realizado na sua capacidade de agradecer, quando manifestar gratidão, ao ponto de o fazer com um misto de amizade, orgulho e admiração; depois, entre as pessoas envolvidas, estabelece-se, de ora em diante, como que um cordão umbilical duradoiro, pelo qual circulará uma amizade e benquerença que, obviamente, conduz a uma maior harmonia, tranquilidade e realização pessoal. A gratidão não humilha, nem minimiza quem a manifesta, pelo contrário, enobrece e dignifica a pessoa que sabe ser grata.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Portugal: http://www.caminha2000.com/ (Link Cidadania)

1 comentário:

Cecília disse...

Caro amigo, adorei ler este seu artigo! Aproveito para aqui lhe deixar publicamente a minha gratidão por ser a pessoa que é! É para mim uma honra pertencer ao seu leque de amizades.