domingo, 17 de julho de 2011

A Antropologia ao Serviço da Pessoa-Humana


Cada vez se torna mais pertinente uma ciência da antropologia, precisamente ao serviço do homem, considerado na sua dimensão última, ou seja, um ser à imagem e semelhança do seu Criador.
Quaisquer que sejam as teorias, o homem confronta-se, de facto, com um avassalador progresso científico que, por vezes, colide com valores e princípios ético-morais que são fundamentais para os Direitos do Homem. Um dos autores mais sensíveis a uma abordagem do progresso científico, em termos culturais e axiológicos e, concretamente, ético-antropológicos foi Paul Feyerabend.
Este autor: “denuncia uma concepção de progresso científico gerador de injustiças e do domínio da cultura ocidental sobre outras culturas consideradas subdesenvolvidas. (...) É contra esta forma de universalismo, negador das especificidades de cada cultura que Feyerabend ergue a sua voz: Em todo o mundo as pessoas elaboram instrumentos de sobrevivência em meios em parte perigosos.” (Id. Ibid.:2).
Naturalmente que não é isso que hoje se pretende das ciências e, por força de razão, não é isso que os filósofos exigem das ciências cognitivas, na medida em que ao exagerar a intervenção das ciências ditas positivas, verifica-se que, alguns deles e, concretamente, os teóricos das ciências sociais, políticas e outros intervenientes actuam na sociedade: “O modo como os problemas sociais, os problemas de assistência a idosos e assim por diante são resolvidos nas nossas sociedades podem, a traços largos, ser descritos nos seguintes termos: levantar-se um problema. Não se faz coisa nenhuma a seu respeito.
As pessoas são afectadas. Os políticos difundem a sua preocupação daí decorrente. São convocados os especialistas. Os especialistas elaboram teorias e planos que neles se baseiam. Os grupos de pressão próximos do poder, com especialistas ao seu serviço, introduzem diversas modificações neste primeiro trabalho... (...)
Temos hoje uma situação em que as teorias sociais e psicológicas do pensamento e da acção humanos tomaram lugar deste pensamento e desta acção em si próprios. Em vez de interrogarem as pessoas implicadas numa situação problemática, os gestores do desenvolvimento, os educadores, os tecnólogos e sociólogos extraem a sua informação acerca do que essas pessoas realmente querem e precisam de estudos teóricos realizados pelos seus prezados colegas nos campos considerados relevantes.
São consultados modelos abstractos e não seres humanos vivos: não é a população-alvo que decide, mas os produtores dos modelos. Os intelectuais de todo o mundo têm por adquirido que os seus modelos serão mais inteligentes, farão melhores sugestões, aprenderão mais capazmente a realidade dos seres humanos por si próprios.” (Id. Ibid.:2).
Esta análise feyerabendiana, citada pelo Prof. Doutor. Alfredo Dinis, é extremamente pertinente e, a situação timorense não esteve longe deste método, onde, segundo se afirma, efectivamente o povo maubere não foi, no passado recente, auscultado pelos políticos e militares, sobre o que seria melhor para a salvaguarda dos seus Direitos Humanos, designadamente, aqueles valores que se enquadrariam, nesta fase de segunda geração, ou seja, direitos sociais.
 Evidentemente que não está em causa a competência, a dedicação, o altruísmo de todos os que então tentaram reconstruir Timor; o que importa aqui é a metodologia utilizada que não poderia ser influenciada por interesses alheios aos timorenses.
Seguramente que não há “receitas” perfeitas nem milagrosas e o método feyerabendiano também não o é, na medida em que a objectividade, supostamente existente nas aspirações das populações-alvo, tem de ser trabalhada, pelos homens da ciência e pelos teóricos, pensada pelos filósofos, de tal forma que os dados concretos recolhidos, junto das comunidades, tenham em conta as suas culturas, os diálogos culturais entre culturas diferentes, conceitos e princípios diversos e até divergentes.
Torna-se essencial ter em conta que o discurso antropológico vem sendo objecto de intensa mudança, as dicotomias corpo-alma, matéria-espírito, também enfrentam graves problemas.
Nesta linha de pensamento, parece pertinente a tese do Prof. Alfredo Dinis quando ensina que: “...A ciência, mesmo a ciência da natureza, do universo material é, de facto, uma grande investigação acerca da humanidade. Na verdade, quando perscrutamos o espaço intergaláctico, não estamos apenas à procura de estrelas ou planetas semelhantes à Terra, ou de buracos negros ou estrelas... Estamos à procura de nós mesmos.
Andamos permanentemente inquietos em busca de nós, movidos por uma inquietação talvez inconsciente, por uma inquietação que tem no mais íntimo de nós a sua nascente, naquela profundidade misteriosa como um santuário onde nem mesmo nós ousamos penetrar.
E lançamo-nos então para fora de nós, à procura de nós, lá longe, muito longe, mergulhados como ébrios no infinitamente distante dos espaços siderais, ensaiando talvez os mergulhos que sonhamos no infinitamente perto que está em nós. (...)
É precisamente neste sentido que entendo que toda a ciência é, ultimamente, antropologia, e que todo o progresso científico só tem sentido se for visto como uma categoria antropológica. Mas tudo isto exigirá, certamente, um novo modelo de saber.” (DINIS, 2000:3 – parte final).
A reflexão que antecede conduz, efectivamente, a uma posição que se pode aceitar como de grande humildade, no sentido em que, não basta haver uma Declaração Universal dos Direitos Humanos, comprovadamente de matriz ocidental, se se ignorarem as tradições, as culturas, os hábitos, usos e costumes, o direito natural e consuetudinário de outros povos, noutros pontos do mundo. Quem somos nós, para criticarmos outros seres humanos cujos valores e princípios nós, ocidentais, preconceituosamente pretendemos negar.
A manter-se esta mentalidade, certamente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, dever-se-ia denominar, “Declaração Ocidental dos Direitos de Alguns Povos”, porque, mesmo no ocidente, existem divergências quanto à importância de certos valores, como por exemplo a vida.
O direito à vida em quaisquer circunstâncias, ainda não foi absolutamente conseguido, veja-se o que se passa em alguns Estados Norte Americanos e diversos países onde a pena de morte, em início do século XXI, ainda vigora.
Na origem dos Direitos Humanos estão alguns valores que, por sua vez, têm a sua própria fundamentação: “...a tradição ocidental que conjuga o altruísmo e o individualismo. O dualismo apresenta duas faces: uma necessária e outra convencional (...) Em sua face convencional temos as regras sociais fundamentais nos interesses humanos. (...) O ocidente foi fundado por dois acidentes históricos, o milagre grego e o cristianismo. (...) Quanto ao cristianismo o advento de Deus na história forneceria uma resposta que, no entanto, foge ao escopo Popperiano.” (PEREIRA, 1993:173-75).
Na passagem acabada de citar é evidente uma defesa do racionalismo como uma opção moral, que cria os valores e se ilustra muito bem no seguinte trecho extraído da obra A Sociedade Aberta: “Acredito que a nossa sociedade ocidental deve seu racionalismo, sua fé na unidade racional do homem e na sociedade aberta, e especialmente sua feição científica, à antiga crença socrática e cristã na fraternidade de todos os homens e na honestidade e responsabilidade intelectual.” (Id. Ibid.:168)

Bibliografia



DINIS, Alfredo, (1998). Implicações de Desenvolvimento em Biologia e Ciências Cognitivas, in Revista Portuguesa de Filosofia, Tomo LIV, Braga, 1998, Fasc. 3-4
DINIS, Alfredo, (2000). O Progresso Científico como Categoria Antropológica, II, A, 1-A (Apontamentos), Braga: Faculdade Filosofia de Braga, S.A.
FEYERABEND, Paul, (1997). Tratado Contra el Método. Tercera Edicion, Madrid: Teknos. 
PEREIRA, Júlio César Rodrigues, (1993). Epistemologia e Liberalismo, (Uma Introdução à Filosofia de Karl R. Popper), Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Colec. Filosofia – 9, EDIPUCRS, (pág. 163-177)
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Portugal: http://www.caminha2000.com/ (Link Cidadania)

1 comentário:

Cecília disse...

Caro colega, a ciência da antropologia é uma área que não domino mesmo, admiro a sua capacidade reflexiva, devidamente fundamentada e argumentada. Fiquei um pouco mais ilucidada, o qual lhe agradeço. Continuo a escrever artigos de qualidade como este!