domingo, 15 de setembro de 2013

Dever de Reconhecimento



Como é possível, que numa sociedade pretensamente civilizada, onde se proclamam valores essenciais à dignidade das pessoas, como quem lança pregões para vender um qualquer produto, numa praça pública e, ao mesmo tempo, se proceda com uma crueldade tamanha, que já nem se respeitam as pessoas mais velhas, que deram uma vida por ideais, que ajudaram a construir um país, que custearam as despesas para formar aqueles que, agora, dizem que é preciso retirar aos mais velhos, para a sustentabilidade dos mais novos?
Que país é este, onde alguns responsáveis já tencionam colocar os pais no “monte com uma manta velha, uma côdea de pão duro e uma garrafa suja com água choca?” Pode-se, circunstancialmente, concordar com a seguinte reflexão: «Quantos pais são infelizes com seus filhos, porque não combateram suas más tendências no princípio! Por fraqueza ou indiferença, deixaram se desenvolver neles os germes do orgulho, do egoísmo e da tola vaidade que secam o coração; depois, mais tarde, recolhendo o que semearam, se espantam e se afligem pela sua falta de respeito e ingratidão» (KARDEC, 2010:72).
Que país é este onde já não se respeita quem está doente, atacando a fragilidade que os afeta, que não se lhes dirige uma palavra de confiança, votos de melhoras? Que não há uma palavra de esperança para os excluídos! Onde os desempregados desesperam por um futuro melhor! Onde estão os valores do Humanismo?
Este não é o país daqueles que lutaram pela Democracia, que sofreram os horrores das guerras coloniais, ofereceram, generosamente, às gerações vindouras, aos seus filhos, a liberdade que agora usam contra pais e avós. Este não é o país dos “3 D’s”: Descolonizar; Democratizar, Desenvolver. Este não é o país da Esperança, da Fraternidade, dos brandos costumes. Este não é o Portugal de Abril.
Mas a verdade, e ainda bem, é que todos nos vamos aproximando do “fim da linha”, e quem pensa que pelo facto de hoje ter trinta, quarenta ou mesmo cinquenta anos, ainda vai ter muito tempo para concretizar projetos, satisfazer ambições, por muito legítimas e justas que sejam, quando se aperceberem, estarão realmente a entrar na “Adolescência da Envelhescência”, período de vida que poderá ir dos 45 aos 65 anos, durante o qual muitas portas se começam a fechar, desde logo, no acesso ao trabalho, designadamente em Portugal.
É aqui que deve começar a primeira proteção das pessoas. A tomada de medidas para prevenir com segurança e qualidade de vida a velhice que, mais rapidamente do que se deseja, nos bate à porta. É durante este período que também se torna necessário que cada pessoa, reforce, se possível, o contributo para a sustentabilidade do seu futuro. São vinte anos que, ao abrigo de um Estado Social Solidário, se ele existir, se pode garantir a dignidade de quem trabalha e de quem já cumpriu com as obrigações que lhes foram impostas.
A partir daquela idade, poderíamos, ainda, estabelecer mais dois períodos, que se designariam por “Idade de Ouro” até aos 75 anos e depois, a partir daqui, se quisermos, a “Idade de Diamante". Qualquer uma delas, plena de experiências, de sabedoria, de prudência, de “sonhos que ainda podem ser realizados” estes sim, com a ajuda das novas gerações que, em vez de “escorraçarem” da sociedade os mais velhos, os devem acarinhar e respeitar.
Infelizmente, assiste-se, cada vez com mais e lamentável frequência, ao fenómeno da rejeição, da indiferença, do afastamento de pessoas que, tendo servido os nossos interesses no passado, hoje já nada representam, precisamente porque entendemos que somos donos do poder e do mundo, que não precisamos de tais pessoas, até porque em alguns casos começam a ser idosas, ou acometidas de várias doenças, ou ainda que perderam toda a influência. A ingratidão, o egoísmo e o esquecimento, são o denominador comum de uma grande parte da atual sociedade.
É bom acreditar que quem hoje está a ser vítima do desprezo, da humilhação, do afastamento coercivo: das amizades, da vida pública política, social, profissional ou outra, ainda poderá ter novas oportunidades de se erguer e concretizar os seus projetos, ainda poderá vir a ser solicitado por quem hoje os hostiliza. Como sempre tem sido afirmado: “O mundo tem muitas esquinas” e “A vida muitos espinhos”, o que significa que poderemos ser sempre úteis em qualquer idade, basta sabermos gerir bem os recursos humanos que temos.
Em pleno século XXI, é urgente que a sociedade, no seu todo, e os diversos agentes que nela atuam, nos diferentes setores, tomem consciência de que todas, mas mesmo todas, as pessoas “estão de passagem” e, como diria alguém: “Para a outra margem”, cuja ponte será tanto mais segura quanto melhor nós a soubermos percorrer, ou seja, envolvidos num espírito de profundo respeito uns pelos outros, com boas práticas axiológicas, apoiadas pelas virtudes que todos possuímos, algumas das quais, bem clarificadas.
É tempo, sempre é tempo, desde que nascemos até à morte, de nos prepararmos para, independentemente de crer ou não, ter fé ou não, em ”Algo Diferente”, do que estamos habituados a ver e a conhecer, enfrentarmos um “outro” futuro, que será bem mais longo e para o qual levaremos apenas e tão só, as nossas ações, as boas e as más, que fomos praticando nesta vida.
Quero, portanto, e neste contexto, afirmar aqui, não como uma premonitória despedida, mas como uma atitude de reflexão bem profunda, que ao longo das dezenas de anos da minha existência, nunca, mesmo nunca, intencional, premeditada e pejorativamente agi contra quem quer que fosse. Procurei sempre pautar a minha vida com educação, lealdade, gratidão, sem conflitos e no respeito pelas pessoas, independentemente das suas ideias, convicções e atitudes. Fui sempre amigo de quem quis ser meu amigo sincero.
A nossa vida é frágil, mesmo muito débil, e há que saber aproveitá-la, porque também é muito curta. Nesse sentido, o que mais nos honrará, o que nos tornará distintos, superiores e inolvidáveis são as nossas ações, as quais, por sua vez, constituem como que uma boa (ou má) herança que deixamos aos nossos descentes que, certamente, se sentirão orgulhosos (ou envergonhados) de tudo o que os seus antepassados fizeram nesta vida de fragilidades.
Na vida, só tem saudades quem alguma vez foi feliz, seja qual for o conceito de felicidade: «Em tese geral, pode-se afirmar que a felicidade é uma utopia, na busca da qual as gerações se lançam sucessivamente sem poder jamais alcança-la; porque se o homem sábio é uma raridade neste mundo, o homem absolutamente feliz nele se encontra menos.» (Ibid.:88), então, nesta perspetiva, em muito poucos momentos seremos felizes, logo, há que os procurar e conservar o mais tempo possível, não nos perdermos em comportamentos que, mais tarde, nos trazem amargura, dor, sofrimento, desgosto e arrependimento, pelo menos, para que é bem-formado.
Preparar o nosso futuro, com calma, serenidade de espírito, em paz com a sociedade, connosco e com Deus. De facto, o melhor bálsamo para vivermos com elevação e termos uma vida digna, passa por sermos gratos a quem nos faz bem e, dada a precaridade da nossa existência, é isto mesmo que o autor destas meditações pretende aqui deixar para todo o sempre.
Por isso, fica aqui o meu muito obrigado a todas as pessoas que generosamente, com amizade e consideração me têm ajudado. Sei que compreendem a minha dificuldade na elaboração de uma extensa lista de relações de amizade e agradecimentos. É bom sermos reconhecidos pelas nossas qualidades, trabalho e modo de estar na vida. É ótimo termos a certeza que, no limite, teremos, pelo menos, um amigo solidário, leal, em quem possamos confiar, porque: «Fácil é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja ouvir. Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre a verdade quando for preciso. E com confiança no que diz.» (Carlos Drummond de Andrade, in http://pensador.uol.com.br/frases_sobre_amigos/4/, consultado em 10.09.2013).
Pretendo, por fim, com estas Meditações, realçar a ideia de que somos humanos, em permanente aprendizagem, desde logo pelo método: “tentativa-erro; tentativa-erro” e assim sucessivamente. Não é verdade que: “só não erra quem não faz nada”. É verdade que: “quem não faz nada, comete o erro de nada fazer”. Saibamos, por isso, colocar ao serviço de todos nós os valores e as virtudes que nos distinguem e enobrecem em relação aos restantes seres vivos. Não vale a pena andarmos permanentemente a atacarmo-nos.

Bibliografia

KARDEC, Allan, (2010). O Evangelho Segundo o Espiritismo: contendo a explicação das máximas morais do Cristo, sua concordância com o Espiritismo e sua aplicação nas diversas situações da vida. Trad. de Albertina Escudeiro Sêco. 4ª Edição. Algés/Portugal: Verdade e Luz – Editora e Distribuidora Espírita.


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