domingo, 16 de fevereiro de 2014

Amar: Felicidade e Sofrimento


No âmbito do contexto humanista, pode-se afirmar que, de entre os mais diversificados e até contraditórios sentimentos, que caraterizam toda a pessoa humana, o amor é, porventura, aquele que mais desejamos receber e oferecer. Pelo exercício claro e incondicional dos sentimentos, nos elevamos ao mais alto nível da dignidade humana, ou submergimos nas profundezas da depravação, sordidez, enfim, crueldade.
De uma forma muito genérica, sabemos que a força dos sentimentos vence os mais complexos e difíceis obstáculos, e contribui para a união das pessoas, aliás: «A conexão entre as pessoas só é plenamente exercida quando a intimidade é vivida pela expressão clara dos sentimentos. Elas não eram capazes de experimentar a intimidade sem uma maior clareza no coração.» (BAKER, 2005:130).
Num mundo “apressado” em que nos movimentamos aceleradamente, nem sempre temos tempo para valorizar os nossos sentimentos mais nobres, pelo contrário e, infelizmente, por vezes, preocupamo-nos em como colocar em prática os mais mesquinhos, no sentido de prejudicarmos alguém, por uma qualquer “razão” e/ou objetivo: humilhação, vingança, perseguição. É nestas circunstâncias que o ódio toma conta do nosso comportamento, com consequências frequentemente imprevisíveis e irreparáveis.
É, portanto, num labirinto de sentimentos, dos mais belos aos mais hediondos que surge o Amor, seja qual for a sua natureza e intensidade: conjugal, fraternal, maternal, paternal, filial, “Amor-de-Amigo”, entre outros. Amar é, por conseguinte, uma faculdade humana, de inegável grandeza, de inigualável generosidade, de total entrega à pessoa que amamos e que, quando nos retribui este amor tão puro, quanto incondicional, nos leva a um determinado prazer que afinal é a felicidade de sermos amados.
Sabemos bem que: «A felicidade não acontece automaticamente, não é uma graça que um feliz sortilégio possa espalhar sobre nós e que um revés da fortuna nos possa tirar; depende só de nós. Não nos tornamos felizes numa noite, mas à custa de um trabalho paciente, elaborado dia-a-dia. A felicidade constrói-se, o que exige trabalho e tempo. Para ser feliz, o próprio indivíduo precisa de saber mudar.» (LUCA e FRANCESCO CAVALLI-SFORZA, in RICARD, 2003:9).
De igual forma, amar alguém, gostar verdadeira, incondicional e imensamente de outra pessoa, afigurar-se-á uma tarefa que nunca estará concluída, bem pelo contrário, exige empenhamento permanente, renovação constante, ultrapassar situações de aparente conforto, para resolver conflitos, sofrer o desgosto de nem sempre sermos correspondidos, ainda que acalentando a esperança de que um dia, finalmente, venhamos a ser recompensados pela retribuição da pessoa que sempre amamos.
O sentimento do amor, para quem o possui, revela-se a mais poderosa “arma” para vencer muitos obstáculos que a vida nos coloca neste mundo, porque na verdade: «Viemos cá para estarmos em comunhão, para aprendermos sobre o amor com outros seres humanos que estão no mesmo caminho que nós, que aprendem as mesmas lições. O amor não é um processo intelectual. É sim uma energia dinâmica que entra em nós e flui todo o tempo através de nós, estejamos nós conscientes desse facto ou não. O fundamental é aprendermos a receber amor, assim como a dá-lo. Só podemos compreender a energia envolvente do amor na comunhão com os outros, nas relações, no serviço.» (BRIAN, 2000:64).
Por vezes, experienciamos na vida situações que nos marcam, indelevelmente, para todo o sempre, que até nos provocam receios, pânico e escapatórias para a frente, como que fugindo de um passado que não queremos recordar e, muito menos repetir, provocando-nos bloqueios de diversa ordem.
É muito natural que um amor intenso, uma relação extremamente apaixonada, um “impulso” afetuoso, que terminam abruptamente: ou por causas que ofendem os nossos princípios, valores, sentimentos, e emoções; ou por mero capricho de uma das partes; ou, ainda, por imponderáveis da natureza e da vida, nos provoque uma mágoa excessiva, um desgosto profundo e uma atitude de desconfiança para o futuro, que realmente nos impede de tentarmos uma outra oportunidade para sermos felizes, através de um novo amor.
Qualquer pessoa que venha de uma situação desta natureza, obviamente, quando procura a felicidade, através de uma nova relação, ou da renovação da afinidade que fracassou, os cuidados a ter serão redobrados, principalmente, por quem se aproxima da pessoa sofrida, ou então por ela mesma, quando é causadora do seu próprio sofrimento e/ou vítima da que lhe deu origem. É aqui que uma e outra devem pronunciar a palavra “Amo-te”, se realmente já estão conscientes que estão a experienciar este digno sentimento.
Compreender, demonstrar e vivenciar certos sentimentos é quase sempre muito difícil, considerando que a constituição biofísica e espiritual da pessoa humana é extremamente complexa, que escapa às mais elementares regras de quaisquer ciências exatas e tecnologias mais avançadas, por isso, e muito embora se espere de certas pessoas alguma previsibilidade, em determinadas circunstâncias, o que acontece com mais frequência é, precisamente, alguma instabilidade, insegurança, medos, também atitudes de coragem, esperança e decisões: umas vezes certas; outras erradas. A Vida faz-se assim mesmo.
Amar alguém é diferente de gostar, porque o amor, quando autêntico, incondicional, para a vida, implica uma inequívoca exclusividade, dedicada à pessoa que se ama, abnegação, sofrimento, desgosto, como também solidariedade, alegria, lealdade, entusiasmo, proteção, confiança, cumplicidade, companheirismo, gratidão e felicidade.
Em boa verdade: «A pessoa que sabe vivenciar e exercitar o amor com todos os contornos salutares, dessa inquestionável energia tonificante, transbordando paz, exercitando com desprendimento o carinho, entendendo com compreensão humilde os homens para saber perdoar as suas fraquezas e falhas, é evidente que jamais deixará escapar de suas mãos o sabor extraordinário que lhe oferece a experiência da felicidade.» (FRANCESCHINI, 1996:167-8).
Gostar incondicionalmente de uma pessoa significará: manifestar-lhe atitudes de elevada consideração, carinho, respeito; demonstrar-lhe solidariedade quando entender conveniente; ajudá-la, sempre que necessário, em tudo o que for possível e para tal existam recursos adequados; conviver com ela, partilhar princípios, valores, alguns sentimentos e emoções.
Amar uma pessoa é um sentimento bem diferente do gostar. O amor, quando autenticamente sentido e vivido, implica, desde logo: entrega total, apaixonada, amorosa; com uma intensidade, por vezes, incontrolável; os atos que lhe estão subjacentes envolvem uma intimidade inigualável, tal como: o olhar afetuoso, o beijo na boca; os desvelos carinhosos nas mais diversas partes do corpo e, finalmente, a relação sexual amorosa. É uma dádiva sem condições.
Ao abordarmos o amor no contexto matrimonial, então aqui deve-se procurar atingir a plenitude, em todas as dimensões relacionais, que ao casal lhe estão reservadas, que são incentivadas por esse sentimento tão nobre e altruísta como é o amor, por isso, a partilha em tudo e de tudo, na vida do casal deve ser a regra de oiro, sem o que, muito rapidamente, as condições para um casamento e/ou união de facto, de singular felicidade, passa a ser uma utopia.
O amor no qual se deve sustentar uma união, não concede qualquer supremacia de um, em relação ao outro membro do casal, porque ambos devem estar vinculados por aquele sentimento, independentemente do modo como o exteriorizam e exercitam. A reciprocidade deve existir sempre, seja qual for a natureza do relacionamento: matrimónios, namorados ou simplesmente amigos, neste caso, no “Amor-de-Amigo”.
Concorda-se, defende-se e assume-se aqui que: «A mulher não é escrava do homem, sem direitos nem privilégios (…) nem tão pouco um brinquedo para preencher as horas livres do homem (…). Por mais que o homem se empenhe em afundá-la até às raízes e a converta numa mulher da rua, sem categoria humana, ninguém nem coisa alguma a derrubará do pedestal de “mãe”. (…) A mulher não é um objeto de comodidade material do homem (…). É companheira com os mesmos direitos e as mesmas obrigações.» (GUERRERO, 1971:99).
Inegavelmente, o que acima se transcreve para a mulher, também vale, pela inversa, para homem, apenas se substituindo o género e a palavra “mãe” pelo vocábulo “pai”. Homem e mulher, quando verdadeiramente se amam, são um só corpo, uma só alma, com um só destino, caminho comum aos dois.
O amor, quando verdadeiramente existe, não discrimina os géneros, homem e mulher têm, obviamente, deveres e direitos idênticos, de resto o rumo a seguir, para o Porto Seguro da Felicidade, também, algumas vezes do Sofrimento, estabelece reciprocidade, partilha, coesão, tolerância e perdão, porque não existem pessoas perfeitas, que ao longo da vida não tenham cometido erros, que não guardem um ou outro segredo: muito pessoal, muito íntimo, que não desejam divulgar nem dividir com mais ninguém, seja por vergonha, por receio a uma eventual censura ou até por temor de perder uma pessoa amada.
A vida quotidiana, nos tempos conturbados que correm, não é nada fácil. Muitas são as contrariedades que, ao longo de um dia de trabalho, nos surgem (para quem tem a sorte de ter um emprego) e que no final da jornada laboral nos deixam exaustos, quase sem disposição para mais nada, a não ser a vontade de descansar, física e mentalmente, compreendendo-se, por isso mesmo, que um ou outro conflito possa surgir no seio do casal, mesmo amando-se, porque amor também é sofrimento e, acreditem, como dói enfrentar tais situações.
Quando não se ama, não se sofre com as situações mais difíceis. Tais pessoas “passam ao lado”, porque não amam incondicionalmente, preferem satisfazer os seus egoísmos, fugir das suas responsabilidades, partindo para as diversões, encontros com os “amigos da borga”, prazeres extraconjugais, adultérios, traições e humilhações para com aquela pessoa que verdadeiramente nos ama e merece, no mínimo, respeito.
É claro que, como diz o povo: “não se manda no coração”, por vezes pode acontecer que, em pessoas mais vulneráveis, mais sentimentais, elas sejam demasiado sensíveis e agarrarem-se a amizades, que depois se transformam num amor sincero, incondicional, sem limites, não obstante saberem que não será correto, se outros compromissos já existirem. Mas estas situações, fazem parte das fragilidades do ser humano e as pessoas envolvidas certamente tudo farão para as corrigir.
Inequivocamente que o amor é, hoje em dia, a solução para muitos conflitos. Ele tem de existir com cedências, com compreensão, com tolerância, com perdão, quando e sempre que necessário, porque: «Alguém precisa de nos encorajar a não pormos de lado aquilo que sentimos, a não termos medo do Amor e do sofrimento que ele gera em nós, a não termos medo da dor. Alguém precisa de nos encorajar para o facto de esse ponto macio em nós poder ser desperto e, ao fazermos isso, estaremos a alterar as nossas vidas.» (CHODRON, 2007:117).
Lutemos, então, para aumentar, engrandecer, preservar e consolidar o amor que sentimos pela pessoa que amamos incondicionalmente, para que ela, por sua vez, também nos retribua com este maravilhoso sentimento. Saibamos ser generosos, humildes e amantes.
Esforcemo-nos por conservar a amizade da/s pessoa/s que sabemos ser/em verdadeiramente nossa/s amiga/s e rejeitemos toda/s a/s aquela/s com a/s qual/ais não nos deveremos identificar, porque o/s seu/s comportamento/s, atitude/s é/são incompatível/eis com os nossos princípios, valores, sentimentos, emoções, reputação, dignidade e que, em certas circunstâncias, até prejudicam a nossa relação com outras pessoas amigas e, no limite com a pessoa que amamos.
Escolher as companhias, as amizades, os interesses, os projetos que desejamos, que possam vir a contribuir para a nossa felicidade, em partilha com a pessoa que amamos e também com mais algumas, poucas, muito poucas, pessoas, que nos são autenticamente amigas, será sempre a grande orientação que deveremos ter na vida, porque o Amor e a Amizade, quando incondicionais, são sentimentos que nos proporcionam: alegria, prazer, serenidade, confiança e felicidade; mas também tristeza e sofrimento dolorosos, quando não retribuídos. Mas vale a pena AMAR.
 
Bibliografia

BAKER, Mark W., (2005). Jesus o Maior Psicólogo que já Existiu.Trad. Cláudia Gerpe Duarte. Rio de Janeiro: Sextante.
BRIAN L. Weiss, M.D. (2000). A Divina Sabedoria dos Mestres. Um Guia para a Felicidade, alegria e Paz Interior. Trad. António Reca de Sousa. Cascais: Pergaminho.
FRANCESCHINI, Válter, (1996). Os Caminhos do Sucesso. 2ª Edição, Revista e Ampliada. São Paulo: Scortecci.
GUERRERO, José Maria, (1971). O Matrimónio Hoje, à Luz do Vaticano II, Trad. José Luís Mesquita, Braga: Editorial Franciscana.
RICARD, Matthieu, (2005). Em Defesa da Felicidade. Trad. Ana Moura. Cascais: Editora Pergaminho, Ldª. 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Portugal: http://www.caminha2000.com  (Link’s Cidadania e Tribuna)

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