domingo, 23 de fevereiro de 2014

Sentimentos. Emoções. Valores. Razão


Considerar a pessoa humana, como um ser superior, constituída pelo binómio Corpo-Alma, não prejudica a linha científica, nem dificulta a posição espiritual, pelo contrário, as duas componentes até podem aceitar-se como uma evidência da grandeza da espécie humana. Alimentar uma polémica sobre qual a componente mais importante, ou interessante, ou fundamental à vida, parece não ser assim tão relevante.
É certo que a ciência tem muitas explicações para grande parte dos fenómenos, reações, consequências de certas situações, graças, ainda, à fragmentação do próprio conhecimento científico, nas muitas especializações que vai descobrindo e desenvolvendo. São factos indiscutíveis e irrefutáveis.
Hoje é possível à ciência diagnosticar, explicar e resolver muitos problemas, em quase todos os domínios do conhecimento, entrando, também na execução de determinadas soluções a tecnologia, cada vez mais avançada e sofisticada, tem uma intervenção importante. É uma verdade inquestionável que ninguém, minimamente esclarecido, e de boa-fé, pode colocar em dúvida, porque os resultados, em muitas áreas, estão à vista e podem ser comprovados.
Duvidar do poderio da ciência é regredir no tempo, no espaço e no conhecimento. Determinados fenómenos humanos são racional e logicamente explicáveis, se necessário, resolvidos, porque no quadro das ciências médicas, por exemplo, com toda a panóplia de especializações, é possível tratar situações patológicas do foro psicológico, psiquiátrico e neurológico, incluindo certos sintomas relacionados com a personalidade, com a tristeza/alegria, através de exames técnico-científicos, muito específicos.
O isolamento, o choro, a angústia, entre outros indícios, podem explicar uma depressão, que não sendo uma doença física, que afeta sob a forma de uma dor, um determinado órgão, ou tecido corporal, é possível de tratamento e até de cura. Recusar à ciência os méritos que lhe são devidos poderá significar desconhecimento e, eventualmente, algum fundamentalismo em relação a outros domínios do foro subjetivo, alternativo e, talvez, um pouco isotérico. Portanto: “à ciência o que é da ciência; à técnica o que é da técnica”.
A racionalidade humana permite às pessoas refletirem e agirem de acordo e em função da objetividade de situações concretas, visíveis por todos, compreendidas logicamente, defendidas com argumentos e contra-argumentos. Existindo todo um raciocínio coerente, ou não, ele desenvolve-se, aplica-se em casos concretos, resolve, relativamente bem, problemas que se colocam no dia-a-dia, nas mais diversas situações da vida real.
Mas a pessoa humana está dotada de uma outra componente, inefável, materialmente invisível, mas que é sentida, que conduz a situações, por vezes, inexplicáveis pela ciência tradicional, não resolvidas pela técnica, que nos leva a reações, quantas vezes ditas irracionais, que causam, inclusivamente, grandes tragédias: homicídios, suicídios, vinganças, perseguições, entre outras.
Acontece que nem tudo é dramático, irremediavelmente perdido e, ao longo da vida, experienciam-se situações que nos proporcionam alegrias, tristezas, mágoas, dor, sofrimentos e desgostos, que se relacionam com valores não exercidos, e/ou traídos, e com sentimentos, aliás, o aforismo popular sentencia que: “Quem não se sente não é de boa gente” ou seja, temos sentimentos, valores diversos, alguns dos quais não podem ser maltratados.
Os fenómenos sentimentais, que geram emoções, nem sempre são controlados pela racionalidade, pela realidade objetiva, por uma avaliação pertinente e adequada às possíveis consequências das reações que provocam, resultando situações que, posteriormente, se aceitam e consideram desejadas ou, pelo contrário, causam graves e, algumas vezes, irreversíveis prejuízos morais e materiais, que temos dificuldade em admitir.
E se para um racionalista os fenómenos ditos do “coração” são considerados como próprios de pessoas ”fracas”, “incultas” e “líricas”, para um romântico, sentimental e apaixonado, também os racionalistas serão pessoas insensíveis, frias, calculistas, escravas da razão. É claro que em muitas circunstâncias da vida, qualquer uma das posições parecerá a mais correta, como para outras tendências, a regra ou avaliação “salomónica”, segundo a qual, “no meio está a virtude”, é que será a mais justa.
Defendo que existem pessoas sentimentais, românticas e apaixonadas, que são racionais, equilibradas e firmes; como igualmente se verifica que em pessoas racionais também existem valores, sentimentos e emoções, que são generosas, carinhosas, verdadeiras amigas e que, por uma boa afeição, também “esquecem” a racionalidade, para darem lugar ao “coração”.
A verdade, apesar do respeito que ambas as posições merecem, é que o ser humano é diferente de todas as restantes espécies conhecidas, porque revela e exerce determinadas faculdades: umas, suficientemente estudadas e demonstradas; outras, nem tanto, que são inigualáveis e inimitáveis, designadamente certos sentimentos e emoções, que constituem realidades que não se podem escamotear e muito menos ignorar.
Admite-se que por via dos sentimentos e emoções e consequentes reações, a pessoa humana cometa erros, se prejudique, mais a ela própria do que a outras, que na perspectiva científica, e até civilizacional, revele alguns distúrbios e cometa atos condenáveis, mas também não se pode ignorar que a mesma pessoa pratica ações de grande nobreza, imbuídas de valores verdadeiramente humanos, como a solidariedade, a amizade, a lealdade, a ajuda, a coragem.
Pensa-se que muitas pessoas preferem lidar com a pureza, espontaneidade e autenticidade de verdadeiros sentimentos e emoções do que sujeitar-se a certas racionalidades, insensibilidades e situações dramáticas que, muitas vezes, se criam contra a própria dignidade das pessoas. Vive-se muito no dilema, na dicotomia que caracteriza o ser humano.
Provavelmente, os ideais, os absolutos, existem em teoria, porque na prática, talvez o ser humano, dada a sua imperfeição, jamais os consiga realizar. Evidentemente que no domínio das hipóteses, de facto, o ideal seria termos a capacidade de desenvolvermos e praticarmos bons sentimentos – racionais e emocionais – ajustados a uma sociedade civilizada ou, se tal for compreensível, incrementarmos uma racionalidade sentimental, uma lógica emotiva.
O ser humano é tudo aquilo que as circunstâncias lhe permitem, sendo certo que as componentes constituintes da sua superioridade se revelam através da sua racionalidade lógica e dos seus sentimentos e emoções, seguramente, com a observância possível aos princípios, valores e normas sociojurídicas, que regem a civilização em que se insere.
As pessoas não devem, nem têm que se envergonhar, nem inibir-se de revelarem os seus sentimentos e emoções, entendidos na sua vertente nobre, eventualmente, com alguma irracionalidade, se resolvem situações que a positividade das leis, dos instrumentos científicos e técnicos não conseguem.
A tetralogia, verdadeiramente única e humana dos Sentimentos, Emoções, Valores e Razão configura um património difícil de igualar por quaisquer outros seres e, ao considerar-se a componente racional, então sim, a pessoa, verdadeiramente humana, torna-se nobre, superior e inigualável, tanto mais sublime, quanto mais generosas são as suas ações.
O mundo moderno, onde se movimenta uma sociedade complexa, poderia (e deveria) ser um local paradisíaco, a partir do momento em que todos os seres humanos saibam e queiram conjugar a racionalidade, a lógica dos seus conhecimentos, técnicas e potencialidades, com os sentimentos, as emoções e os valores. Pode-se “construir” a pessoa, a família, os grupos, as comunidades e a sociedade global com aqueles ingredientes que são específicos da espécie humana.
A sociedade humana não pode estar sujeita, nem se equipara, a uma selva irracional, a um território onde os “animais” mais fortes e, em algumas espécies, mais inteligentes, subjugam os mais fracos, os menos dotados. Pretende-se um mundo gerido por pessoas providas de razão e de sentimentos, onde o meio-termo, suportado pelos valores mais humanos, seja uma forma de vida digna, para todos, sem exceções.
A supremacia que advém da condição humana é, justamente, fundamentada nas duas grandes dimensões que caracterizam toda a pessoa verdadeiramente humana: razão e espírito; objetividade e subjetividade; sentimentalidade e emoção; valores, lógica e boas práticas.
É possível exercermos e revelarmos os nossos sentimentos, com sentida emoção, dentro de uma racionalidade humanista, com uma lógica verdadeiramente axiológica, ao serviço da solidariedade, da amizade, da lealdade, da paz e da felicidade. Os sentimentos, emoções e valores são tão necessários à dignidade da vida humana, como a ciência, a técnica e a razão.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo 

Portugal: http://www.caminha2000.com  (Link’s Cidadania e Tribuna)

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