Os preconceitos, estigmas, paradigmas e outros
juízos de valor sobre os idosos, têm vindo a contribuir para uma certa
institucionalização de uma sociedade desumanizada, que despreza as gerações mais
velhas, excetuando-se, aqui, eventualmente, a única situação em que eles
são considerados úteis: nos processos eleitorais, em que tudo se lhes promete
e, no dia seguinte ao ato plebiscitário, tudo se lhe nega, incluindo o direito
ao trabalho e os benefícios legalmente adquiridos.
Pactuar com estes comportamentos mesquinhos e
hipócritas significa desenvolver uma sociedade de falsidades, de marginalização
dos próprios concidadãos, grande parte dos quais, ainda com grande vigor físico,
intelectual e dinamismo suficientes para continuarem a dar o seu melhor ao
país.
Novas políticas para a dignificação, recuperação e
intervenção dos idosos na sociedade de todos, podem significar a diferença
entre um futuro de valores, de convicções, de ideais realizáveis e um futuro
sem perspetivas, atípico, sem sentido de vida, um futuro de ostracismo e “morte
lenta”.
O progresso material e a felicidade espiritual da
pessoa integrada numa sociedade verdadeiramente humanista passa,
imperativamente, pela consideração devida aos mais velhos, e a tudo o que eles
representam, com sucessos e com fracassos, porque eles são a história, a
língua, a cultura, as tradições, os valores, o trabalho feito que os mais novos
estão a usufruir e, se possível, a melhorar.
Uma primeira abordagem poderá ser desenvolvida no
sentido de atender às necessidades daqueles que, por incapacidade de qualquer
natureza, ou por opção própria, não podem e/ou não querem continuar na vida ativa,
preferindo os cuidados médico-sociais adequados, acompanhados de uma vida de
reflexão, de tranquilidade e de recordações.
É certo que as famílias de hoje, por circunstâncias
diversas, não têm condições materiais para: cuidarem condigna e adequadamente
dos seus idosos; nem possuem os meios técnicos e os recursos financeiros para
lhes proporcionarem a melhor qualidade de vida; aliás, muito objetivamente: «Os parentes já não dispõem de tempo para
deles cuidarem. A filha ou a nora têm uma ocupação fora do lar. A família cada
vez mais limita o número de filhos. Como se percebe, os casais já não têm tempo
para os filhos, quanto mais para os velhos». (MELLO, 2000:307-8).
Nestas circunstâncias têm de ser criados os
melhores equipamentos de acolhimento e acompanhamento dignos do idoso,
independentemente de sentimentos de amor, carinho e afeto que, sendo
importantes, não são suficientes para uma boa qualidade de vida.
Compete, então, à sociedade, através dos respetivos
departamentos do Estado e Instituições Privadas, desenvolver as melhores
condições para proporcionar a estes idosos um ambiente saudável, em todas as
vertentes possíveis, designadamente, com o funcionamento competente de
instituições apropriadas: centros de dia, lares, residenciais Clínicas de
Cuidados Continuados e outros equipamentos afins, funcionando com pessoal especializado
nas diversas abordagens geriátricas, mas também com um sistema de visitas para
os familiares ajustado às disponibilidades destes e à comodidade do idoso.
Por outro lado, afigura-se grave que, por uma
questão de preconceito, deixem os idosos em casa, sozinhos, durante mais de
catorze horas, ou mesmo por dias consecutivos, sem meios de apoio às
necessidades mais prementes, em vez de lhes proporcionar condições de
convivência e entretenimento com os da mesma geração, em locais dotados com infraestruturas
adequadas e de boa qualidade.
Quantos idosos não aparecem mortos, com aspeto de
algum abandono, em suas próprias casas, sem que os parentes os tenham podido
socorrer em tempo útil? (Ninguém deve ter qualquer preconceito a estas
soluções, porque no outro extremo da vida, precisamente no início, quando a
fragilidade é, ainda muito maior, também existem equipamentos apropriados às
respetivas idades: creches, jardins-de-infância para os bebés e crianças, cujos
pais também não têm condições para estar com eles, durante as vinte e quatro
horas de cada dia).
Uma outra perspetiva solucionadora para os que
preferem continuar uma vida ativa, qualquer que seja a atividade e vínculo,
face a uma possível entidade patronal, condições de trabalho e remuneração,
situa-se ao nível do exercício de funções que contribuam: não só para a
manutenção da autoestima ou até melhorá-la; como também no sentido do idoso
realizar tarefas que lhe garantam uma maior autonomia económico-financeira, do
que a que lhe é proporcionada pela reforma, repondo, assim, as perdas resultantes
da aposentação, que sempre se verificam, na maioria dos casos; e ainda para o
manter integrado na sociedade e sentir-se útil, como qualquer outro cidadão,
fruindo do direito de cidadania como é o trabalho, aliás, aos sessenta e cinco
anos, grande parte das pessoas sofreriam danos irreparáveis, não só para elas,
como para os familiares e, em geral, para a sociedade, se tivessem
que ficar inativas.
Compete ao Estado social e às empresas, criarem
condições para manter ocupados, com dignidade e sem quaisquer preconceitos
caritativos, os cidadãos que manifestem vontade de prosseguir uma atividade
produtiva, razoavelmente compensadora em termos remuneratórios, cumulativamente
com o valor da reforma que possam auferir, (como de resto já se verifica em
certas elites da sociedade), naturalmente, sujeitando-se a todos os impostos
devidos, como qualquer outro trabalhador, no período ativo e normal de
trabalho.
A recolocação dos cidadãos idosos reformados é um ato
de boa gestão do Estado e das Empresas; constitui uma medida social do maior
alcance que dignifica as partes envolvidas.
Muito embora se tenha conhecimento da existência de
programas sociais de apoio aos idosos, o que na prática se verifica, em
Portugal, ao nível do setor privado, é que as pessoas, por exemplo, aos
quarenta e cinco anos de idade, são velhas para obterem novo emprego e
demasiado novas para passarem a uma situação de aposentação.
No setor público do Estado, a situação não é melhor
porque um funcionário da Administração Pública, Forças Armadas, de Segurança e
outros Corpos Especiais, que passe à situação de reforma, fica legalmente
impedido de continuar a trabalhar no setor público, com todos os deveres e direitos,
podendo fazê-lo na condição coerciva de lhe serem retirados dois terços ao valor
da reforma ou da remuneração das novas funções, conforme então disposto no
Decreto-lei 179/2005 de 2 de Novembro, o que está em contradição com os
programas sociais que tem por objecto: «(…)
Fomentar a autonomia do idoso incentivando a sua participação na vida da
comunidade, (…) valorizar o idoso como detentor de experiências, saberes e
culturas que a sociedade deve aproveitar e que deve preservar.» (CORREIA,
2003:306).
A terceira possibilidade, da utilização dos idosos,
relaciona-se com os serviços de voluntariado, aqui balizado por condições estimulantes
para o idoso, porque atualmente não será suficiente um voluntariado sustentado
apenas em sentimentos de solidariedade, em virtudes de Caridade e Compaixão.
Hoje, tal como acontece em muitas instituições de
solidariedade social, exige-se um mínimo de competências que o voluntário deve
possuir, sob pena de o seu trabalho não ser valorizado como merecido, ou
tornar-se prejudicial, podendo-se invocar, a título de exemplo, o trabalho
desenvolvido pelos Bombeiros Voluntários, Cruz Vermelha, Associações dos Amigos
dos Hospitais, felizmente, entre muitos outros, sendo desejável e exigível que
o voluntário seja competente, o que pressupõe conhecimentos, técnicas, experiências,
formação permanente e atualização.
Nesta perspetiva, o mínimo que as Instituições, que
têm ao seu serviço voluntários, devem fazer é compensá-los pelo seu trabalho,
não necessariamente, sob a forma de um salário, um vencimento fixo e respetivas
obrigações fiscais, mas, outro sim, uma gratificação que cubra, pelo menos, as
despesas que o voluntário tem e lhe permita, inclusivamente, adquirir mais
formação, meios para o exercício da atividade voluntária e algum outro
benefício/regalia fiscal/social e/ou ao nível da própria instituição, por
exemplo, no âmbito dos serviços que ela presta, nomeadamente descontos nos seus
produtos, serviços e prioridade em relação aos utentes em geral.
O voluntariado continuará a ser sempre uma atividade
excecional, altruísta, merecedora de maior respeito e consideração,
reconhecida e estimulada, materialmente recompensada, até porque ninguém é
obrigado a ser voluntário em coisa alguma, portanto, mais uma razão para não
lhe serem recusados os apoios necessários.
As políticas
de proteção social, a nível europeu, deixam em aberto a possibilidade de
medidas nesse sentido: «Assim, o
contributo útil do idoso tenderá a ser reconhecido, não só como um imperativo
financeiro, mas também como uma necessidade social, por contrariar a constituição
duma sociedade inclusiva e a promoção dum envelhecimento activo, mas também
como uma necessidade económica face à diminuição da população activa.»
(Ibid.:313).
Uma quarta hipótese viável prende-se com as atividades
cognitivas, físicas e habilidades diversas, destacando-se, talvez, a
informática, lúdicas, incluindo outras similares. Consideram-se louváveis e
bem-vindas todas as iniciativas, que proporcionem aos idosos uma melhor
qualidade de vida, nesta se incluindo as atividades que contribuam para o
manter ativo no seu todo: intelectual, física e ludicamente.
As Universidades Seniores, como generosamente são
denominadas, os ginásios desportivos, as viagens e passatempos diversos, são
meios extremamente eficazes para manter os idosos, mental e fisicamente jovens,
proporcionalmente às respetivas idades.
Instruir a pessoa, ainda na sua fase de vida ativa
obrigatória, com a antecedência possível, sempre antes da passagem à reforma,
para, logo que esta aconteça, estar preparada para, dentro das possibilidade
que lhe são oferecidas, optar por um novo e último ciclo da sua vida,
ocupando-o com a (s) atividade (s) que mais são do seu agrado, poderia muito
bem ser uma responsabilidade do Estado, das empresas e da sociedade, até porque
o investimento assim realizado seria reembolsável no futuro, pela manutenção da
autoestima, boa condição intelectual e física do idoso, que não necessitaria
tanto do apoio médico-medicamentoso.
A educação e formação do idoso, para nesta fase da
sua vida ter as melhores condições, não só para viver com melhor qualidade de
vida, como também para estar à altura de transmitir às gerações mais novas, que
se lhe vão seguir, todos os conhecimentos, experiências e sabedoria, constitui
uma estratégia muito interessante e de grande visão político-social, porque se
acredita na sua eficácia, justamente para o bem-estar e felicidade espiritual
do idoso.
Se o Estado e algumas instituições investem nos
jovens, em pelo menos duas vertentes: Educação e Formação, versus,
Conhecimentos e Experiências, sem que primeiro se possam avaliar os resultados,
o investimento nos idosos, que dentro de poucas décadas serão a maioria,
torna-se uma possibilidade com futuro garantido, no sentido de prepararem os
mais novos.
Vão ser estes jovens que terão de assumir
responsabilidades em muitos setores das atividades de um país, de uma empresa e
até de uma família, pelo que devem estar bem preparados a todos os níveis:
científico, técnico e humano, porque: «Uma
educação que se preze deve abranger toda a personalidade tendo como objectivo
uma educação holística ou global, visando o bem-estar ou a felicidade do
educando, no caso vertente, do idoso, e ainda que ele atinja a sabedoria.
Por outras palavras, deve ser uma educação com valores e para os valores
ou uma educação axiológica. (…) Em todo o caso, é lícito falar de uma
educação para a reforma, tendo em conta as diversas situações do indivíduo e do
meio, em geral fornecendo informações antecipadas sobre a situação e ajudando a
superar as dificuldades. Os próprios reformados já há vários anos, estão em
condições de ajudar, melhor que ninguém, os seus colegas, dada a experiência
por que passaram.» (OLIVEIRA, 2006:280).
Fica-se, todavia, com uma primeira reflexão sobre a
importância dos idosos e a riqueza que eles representam para o bem-estar e
felicidade da humanidade, porque o património que eles carregam, fruto da
educação e formação que foram adquirindo ao longo da vida, das experiências
vividas e sabedoria acumulada, não se pode perder.
Jogar fora, por absurdos preconceitos etários, um
património tão valioso quanto inimitável, significa uma visão redutora, receosa
da perda de um qualquer poder, ou de não o vir a alcançar mais cedo, porque,
alegada e eventualmente, haverá um idoso no caminho da progressão de um jovem.
O resultado, infelizmente, está à vista, um pouco
por todo o mundo, por decisões tomadas por pessoas imaturas, inexperientes e
imprudentes, a maior parte das quais com muito menos dos tais sessenta e cinco
anos de vida. Reflita-se primeiro e decida-se depois.
Bibliografia
CORREIA, J. Martins, (2003). Introdução à Gerontologia,
Lisboa: Universidade Aberta.
MELLO Luiz
Gonzaga de, (1980) Antropologia Cultural: Iniciação, Teoria e Temas, 7ª Ed.
Petrópolis: Vozes
OLIVEIRA,
José Barros, (2006). “Educação das Pessoas Idosas”, in: Psicologia, Educação e
Cultura. Carvalhos: Colégio Internato dos Carvalhos. Vol. X (2), dezembro-2006, Págs. 267-309
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do
Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
Blog Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
Portugal: http://www.caminha2000.com (Link Tribuna)
http://www.sitedoescritor.com.br/sitedoescritor_escritores_d0045_dbartolo.html
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