São inúmeros os exemplos que se extraem dos
escritos de Silvestre Pinheiro Ferreira, no que a Direitos Humanos respeita.
Poder-se-ia afirmar que, praticamente, ao longo da sua vasta obra, quase
ninguém ficou esquecido, sendo notável a preocupação que ele manifestou: não só
no que concerne aos direitos que assistem a qualquer cidadão, quando suspeito
de prática de alguns crimes; como após a sentença, no acompanhamento que ao
preso deve ser dispensado.
E quando foi necessário interceder pelos detidos,
junto do monarca, não hesitou em fazê-lo, conforme se conclui da leitura de uma
sua carta ao habitual destinatário, ao narrar acontecimentos trágicos, e a
recusa de D. João VI em aceitar o seu pedido de demissão de Ministro da Guerra:
«...resignei-me na determinação que sua Majestade me manifestava de me não
conceder a prometida demissão; mas exigi a promessa de Sua Majestade consentir
em que eu começasse por aliviar a sorte dos mencionados presos, permitindo-lhes
comunicarem-se com as suas famílias e passados alguns dias insinuar-lhes que
poderiam escolher o lugar para onde se houvessem de retirar...» (FERREIRA,
1888:265, Carta Nº 9).
No domínio da autodeterminação dos povos, Pinheiro
Ferreira foi, igualmente, um percursor do que mais tarde será adotado por
outras potências, bem mais influentes na cena internacional, do que Portugal.
Muito embora fiel à monarquia, simbolizada em D. João VI, mas lealmente
contrário ao absolutismo, e considerando a hipótese de uma monarquia dual para
Portugal e para o Brasil, nunca perdeu de vista os direitos que deveriam
assistir aos povos.
Nesse sentido, volta a escrever ao seu amigo, não
identificado, afirmando algo de transcendente, para a época e o contexto em que
se movimentava: «O Governo Português terá a glória de haver sido o primeiro
que proclama e põe em prática para com as demais nações princípios de direito
das gentes conformes aos do direito público, que acaba de adoptar e que fazem a
base do regime de todos os governos representativos. Não tardará que o nosso
exemplo seja seguido pelos Estados Unidos da América Setentrional e mesmo pelo
Governo da Grã-Bretanha. Mas não teremos a glória de havermos prevenido sem que
por grande antecipação se nos possa exprobar que nos tenham acelerado.»
(Ibid:297, Carta Nº 18).
Cometer-se-ia uma grande injustiça, contra
Silvestre Pinheiro Ferreira, se não se destacasse aqui a sua elevada estima, profunda
admiração pelo povo brasileiro, em defesa de um direito sagrado, que é o que
valoriza a dignidade da pessoa humana. Respeitando a cultura, as tradições e as
crenças, não se coibiu de denunciar os próprios europeus, obviamente,
portugueses incluídos, de atitudes de alegada superioridade, que tentavam impor
face à hospitalidade e sentimentos nobres dos brasileiros, na receção que
dispensaram aos estrangeiros e aos portugueses: «Mas a maior parte dos
europeus, que pisaram o solo do Brasil, nem eram homens de bons sentimentos,
nem de educação; e por isso na oficiosidade, na condescendência, na
hospitalidade dos brasileiros não descobriram senão servil respeito e baixeza,
que só serviu a inflamar o orgulho da sua imaginada superioridade.»
(Ibid:373, Anexos à Carta Nº 18).
Felizmente, decorridos mais de 174 anos após a sua
morte (1846), estuda-se o pensamento político de Pinheiro Ferreira e procura-se
aprofundar as suas reflexões, bem como as correlativas atitudes democráticas que,
ao longo da vida, assumiu. Sempre se pautando por valores, por princípios, por
que não, pelos Direitos Humanos, mais essenciais e naturais, com o objetivo de
construir um sistema político, assente na monarquia constitucional
representativa.
Acredita-se que não se pode atribuir-lhe má
consciência, pelo facto de não ter defendido, desde o início, a total
independência do Brasil, o que, aparentemente, pode contrariar a tese da
autodeterminação dos povos. Na verdade, para Pinheiro Ferreira, a separação do
Brasil, relativamente a Portugal, não se colocava como uma necessidade, nem
como um benefício para os brasileiros, antes, entendia ele, como mais favorável
e tecnicamente viável, uma solução de monarquia dual.
Todavia, mais tarde, concretamente em 1841 escreveu
a D. Pedro II sugerindo a divisão do Brasil em cinco reinos. Além disso,
Pinheiro Ferreira, nunca deu quaisquer indícios de que pretendesse para o
Brasil, algo que fosse contra os direitos do povo brasileiro. Bem pelo
contrário, o que ele mais temia era, precisamente, a destruição do Brasil, por
isso, entendia como solução mais adequada a união dos dois territórios, ou
seja: dois territórios, sob a mesma coroa com dois monarcas, mantendo-se D.
João VI como imperador, do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Pinheiro Ferreira, tal como outros ilustres
defensores da monarquia, nomeadamente D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Conde de
Palmela, utiliza todos os seus conhecimentos técnicos, diplomáticos e políticos,
para modernizar as instituições monárquicas de forma a melhor servirem os
interesses do povo.
O seu esforço é reconhecido nos mais diversos
quadrantes político-filosóficos: «Neste sentido a contribuição de Silvestre
Pinheiro Ferreira revestiu-se do maior rigor técnico. O estadista português
compreendeu que ao lado da definição dos direitos individuais, da fixação dos
limites do poder estatal e da estruturação equilibrada dos poderes
governamentais, encontrava-se o problema principal: a representação política.»
(BARRETO, 1975:474).
A atividade política, democraticamente exercida, é
aquela que, por excelência, melhores condições pode criar para alterar
situações em, praticamente, todos os domínios da sociedade. Silvestre Pinheiro
Ferreira sabia-o perfeitamente, e não ignorava que poderia ter um papel
importante, no curso dos acontecimentos da sua época, no espaço
luso-brasileiro.
Nesse sentido, não é de admirar vê-lo envolvido em
complexas situações, aos mais elevados níveis da governação, por isso, desde
bem cedo, se aproximou do Poder, até como simples Conselheiro, junto dos
administradores e altas individualidades: «Não eram só os Ministros a se
mostrarem adeptos das inovações e reformas. Todo o indivíduo provido de algumas
luzes (...) sentia-se na obrigação de dar conselhos. (...) improvisador conselheiro
por conta própria tais como Silvestre Pinheiro...» (PRADO, 1968:129, Nota
91).
O período conturbado da primeira metade do séc. XIX,
não favoreceu a implementação, dinamização e consolidação dos valores,
princípios e praxis defendidos por Silvestre Pinheiro Ferreira,
consubstanciados na exemplaridade da sua vida e plasmados nos muitos projetos
que elaborou, pareceres que emitiu e, só muito mais tarde, após a sua morte, é
que cada vez mais estudiosos vêm reconhecendo a sua obra, e dando mérito ao seu
trabalho. Especial destaque para investigadores brasileiros e portugueses.
Naturalmente que a obra político-jurídica é
fundamental, para se aquilatar da sua influência na divulgação e prática dos
direitos humanos imprescindíveis, assim como na existência de poderes que se
controlam reciprocamente.
Na base do exercício de tais direitos, estará um
regime político-constitucional democrático, representativo, tão defendido por
Pinheiro Ferreira, ao qual o Brasil continua a prestar tributo através dos seus
mais destacados investigadores: «... o constitucionalista Silvestre Pinheiro
Ferreira que foi ministro de D. João VI em terras brasileiras nos conturbados
anos posteriores à Revolução do Porto até à partida da Família Real para
Portugal, e que tanta influência teve no desenvolvimento de uma concepção de
estado liberal no Brasil e em Portugal, ao interpretar Constant, entende que o
poder neutro, que chama de conservador, deve estar distribuído entre os demais
poderes e não sobrepostos aos mesmos.» (ESTEVES, 1998:89).
Bibliografia
BARRETO, Vicente, (1975). “Uma Introdução ao
Pensamento Político de Silvestre Pinheiro Ferreira” in: Revista Brasileira de Filosofia, Vol. XXV, (100), S. Paulo:
IBF, outubro-novembro, pp. 470-478
ESTEVES, João Luiz Martins, (1998). “Origem do Constitucionalismo Brasileiro”, in: Paradigmas, Revista de Filosofia Brasileira. Londrina:
CEFL, Vol. II, (1). Dez. 1998, pp. 79-92, Apud: Jorge Cernev,
“Silvestre Pinheiro Ferreira: um teórico liberal da monarquia representativa”, in: Convivium,
São Paulo, Vol. 29, Nº. 1, jan./fev., 1986, p. 31.
FERREIRA,
Silvestre Pinheiro (1888) “Cartas
Sobre a Revolução do Brasil e Documentos anexos” in: Revista do Instituto Histórico e Geográphico Brasileiro,
Tomo LI, parte I, Rio de Janeiro/RJ: Typográphica, Lithográfica e Encadernação
de Latamente & CIA.
PRADO,
J. F. de Almeida., (1968). D. João VI, e o Início da Classe Dirigente no Brasil, São Paulo: Companhia Editora Nacional.
Venade/Caminha –
Portugal, 2020
Com o protesto da minha perene GRATIDÃO
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de
Portugal
NALAP.ORG
Sem comentários:
Enviar um comentário