domingo, 17 de abril de 2011

O Direito na Reconciliação Cultural

No Estado Democrático, o instrumento fundamental, regulador dos grandes valores, princípios e orientações sobre direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, é a Constituição política da nação, porque segundo Habermas: “A constituição oferece, precisamente, os direitos que estes indivíduos devem garantir uns aos outros se querem ordenar a sua vida juntos recorrendo, legitimamente à lei.” (in TAYLOR, 1998: 125)
Acontece que: por um lado, a lei natural consagra um conjunto de princípios superiores, justos e verdadeiros, com validade eterna e universal e que modernamente constitui o corpo de direito natural, cuja construção, possivelmente das mais antigas, teria sido cristã, no sentido em que o direito deriva de Deus, da vontade divina; no entanto, por outro lado, não se pode ignorar o direito na perspectiva individualista, do interesse das pessoas, dos sujeitos, logo, direito subjectivo, que se traduz numa situação de vantagem em que os outros não podem estorvar ou impedir que o titular deste ou daquele direito subjectivo o goze: “O reconhecimento das formas culturais da vida e das tradições que foram marginalizadas, quer num contexto de uma cultura maioritária quer numa sociedade eurocêntrica global, não exige garantias de estatuto de sobrevivência?” (IBID., 126)
Levanta-se aqui uma questão, que é a que se prende com a protecção das identidades colectivas e o direito às liberdades individuais, ou seja, qual o reconhecimento que deve prevalecer ou superiorizar-se: o direito das maiorias, fundado no direito positivo ou o direito das minorias, com suporte no direito subjectivo?
Taylor acrescenta que “... O princípio dos direitos iguais tem que ser posto em prática através de dois tipos de política que vão ao encontro um do outro – uma política de consideração pelas diferentes culturas, por um lado, e uma política para universalizar os direitos individuais, por outro. Uma é suposta compensar o preço que a outra exige com o seu universalismo igualitário.” (1998:129)
E se por um lado, uma teoria dos direitos não é totalmente cega às diferenças culturais, por outro lado, em caso de conflito o tribunal decide a quem pertencem determinados direitos básicos e, desta forma, o princípio de respeito igual para todas as pessoas seria válido apenas na forma de uma autonomia legalmente protegida.
Habermas considera que esta forma, legalmente válida de direitos, é paternalista, porque ignora metade do conceito de autonomia, ou seja, deixa de fora aqueles a quem a lei se dirige para poderem adquirir autonomia, porque: “Uma teoria dos direitos correctamente entendida exige uma política de reconhecimento que proteja a integridade do indivíduo nos contextos de vida nos quais a sua identidade se forma. (in TAYLOR, 1998:131)
Quaisquer que possam ser as hipóteses de soluções provisórias para determinar quais os interesses que devem prevalecer uns em relação aos outros, o que o mundo vem assistindo é a uma explosão de autodeterminação dos povos, através das vias bélicas o que, em boa verdade, leva ao sofrimento daqueles a quem os estados, constitucionalmente democráticos, pretendem ver livres mas que, por interesses de ordem económico-estratégica, nem sempre exercem a influência forte e inequívoca junto dos opressores: a) A luta pelo reconhecimento à autodeterminação dos timorenses desenrolou-se durante algumas décadas! Porquê? Interesses económicos se sobrepuseram aos direitos humanos daquele povo; B) a luta pelo reconhecimento de uma cultura diferente do povo de Barrancos, não é recente!
O que se pode fazer num Estado de Direito Democrático, sem que com isso se criem expectativas e/ou frustrações em situações idênticas num mesmo país? c) E que dizer da marginalização, mais ou menos envergonhada, imposta por alguma sociedade portuguesa, às minorias étnicas a viver em Portugal: africanos, ciganos; ou doutras minorias: sexuais, sociais, culturais, profissionais, feministas, excluídos, marginalizados politico-idiologicamente e tantos outros:
“O feminismo radical insiste correctamente que a relevância nas diferenças, nas experiências e nas circunstâncias da vida dos grupos específicos de homens e das mulheres relativamente à oportunidade igual de exercerem liberdades individuais deve ser discutida na esfera política pública (...) esta luta pela igualdade das mulheres é uma ilustração particularmente boa da necessidade de uma mudança no entendimento paradigmático dos direitos.” (IBID., 135).
Chegados aqui, há que pensar, globalmente, no sentido de se caminhar para uma universalização de direitos, liberdades e garantias. Acresce a importância da diversidade cultural que, quer num contexto cosmopolita, quer ao nível mais restrito da pequena comunidade e no respeito da especificidade cultural de cada povo, nunca se deverá impor a segregação de quaisquer etnias minoritárias, pela comunidade dominante.

Bibliografia

BÁRTOLO, Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2002). “Silvestre Pinheiro Ferreira: Paladino dos Direitos Humanos no Espaço Luso-Brasileiro” Dissertação de Mestrado, Braga: Universidade do Minho.
BARTOLO, Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2009). Filosofia Social e Política, Especialização: Cidadania Luso-Brasileira, Direitos Humanos e Relações Interpessoais, Tese de Doutoramento, Bahia/Brasil: FATECTA – Faculdade Teológica e Cultural da Bahia - Brasil
TAYLOR, Charles. (1998). Multiculturalismo, Trad. Marta Machado. Lisboa: Instituto Piaget

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Portugal: http://www.caminha2000.com/ (Link Cidadania)

1 comentário:

Cecília disse...

Caro amigo concordo consigo quando refere que deve existir uma política de consideração pelas diferentes culturas, por um lado, e também uma política para universalizar os direitos individuais, por outro, pois só assim conseguiremos chegar à universalização de direitos, liberdades e garantias. Gostaria também de salientar a parte onde fala sobre o feminismo, pois considero que não deve existir feminismo ou machismo, mas sim igualdade de género ou seja igualdade de direitos para todos, incluindo as minorias, mas estou consciente que ainda há muito caminho para percorrer! Parabéns por mais este excelente artigo que nos faz pensar e muito!