Numa sociedade materialista, consumista e em
permanente transformação científica e tecnológica, pode parecer ridículo e
objecto de troça o título do presente trabalho: “Viver a vida filosoficamente”. A questão, sempre possível de
relativizar, sobre quem vive melhor, exige que se definam, previamente,
critérios para o conceito de viver melhor.
A relativização pode-se contornar, admitindo-se
que, qualquer que seja o estatuto sócio-profissional, económico, político ou
outro, e por muito bem que, materialmente, uma pessoa se sinta na vida, fases
existem em que tais pessoas não se consideram felizes, satisfeitas, realizadas,
reconhecias, respeitadas e prestigiadas.
Períodos há em que essas mesmas pessoas, que detêm
do poder, da riqueza financeira, patrimonial e fama, se sentem sós,
solitariamente afastadas do mundo, da vida, da família, dos amigos e dos bens.
Momentos de angústia, de tristeza e sofrimento não-físico, de saudade por
alguém ou algo que se perdeu e jamais se recuperará. Estas pessoas,
provavelmente, têm uma filosofia de vida, uma maneira de viver muito próprias.
Situações contrárias, em que as pessoas pouco
possuem de bens materiais, que não têm acesso a determinadas comodidades,
serviços e honrarias, que se mantêm toda uma vida no anonimato, sem estatuto
social relevante, vivendo de um modesto salário, embora, no seio de uma família
consolidada: no respeito, no amor, na harmonia e na paz.
Pessoas nestas situações existem em todo o mundo e
também têm as suas dificuldades, de natureza imaterial, cuja explicação também
não conseguem elaborar nem desenvolver. Certamente que dirão umas vezes que são
felizes, que não precisam de nada mais para além da Graça de Deus, saúde e
trabalho e que tudo o resto virá por acréscimo.
Também estas pessoas vivem segundo uma determinada
filosofia, dir-se-ia, uma filosofia da simplicidade, da humildade, do respeito
e da dignidade, ainda que e legitimamente, sem abdicar dos projectos e
ambições. Estão certas nos seus valores, nos seus objectivos e, possivelmente,
acreditam numa recompensa extra-vida biológica. Na verdade e ao que parece, existe já um certo
desânimo quanto às possibilidades da ciência e da técnica resolverem certos
problemas, eminentemente do foro humano mais íntimo, ou provocados pela acção
do homem.
A preocupação materialista levou esse mesmo homem,
inclusivamente, a esquecer-se de si próprio: «O homem moderno, de tanto se servir da máquina, passou a reflectir o
humano pelo mecânico. E assim se criou uma certa mentalidade mecanicista,
pragmática, activista que colocou de quarentona o contemplativo. Podemos mesmo
dizer que ele perdeu o sentido da contemplação. De tal modo se deixou empolgar
pelo fazer, que perdeu a perspectiva do ser. E de tal forma deixou-se apaixonar
pela ideia de produção que perdeu o senso da perfeição. Na perspectiva do mais,
esqueceu a perspectiva do melhor.» (MENDONÇA, 1996:21).
Analisando a história da humanidade, pelo menos nos
últimos dois mil anos, é relativamente fácil, sem necessidade de se recorrer à
recolha de elementos estatísticos quantitativos, verificar-se que o modo de
vida do homem, quando, predominantemente, suportado no conhecimento
positivista, ainda não atingiu a harmonia e o bem-estar geral, pese embora todo
o arsenal de equipamentos, instrumentos técnicos, científicos, as facilidades
de acesso a novos conhecimentos, porque o mesmo homem, praticamente ilimitado
nas suas capacidades, tem vindo a ignorar outras práticas, bem mais simples,
relacionadas aos comportamentos característicos do bom senso, da sabedoria, da
prudência, da tranquilidade e dos valores imateriais absolutos: paz, justiça,
honra, respeito, dignidade.
O homem moderno envergonha-se das suas origens
racionais, no sentido de valorizar toda uma cultura milenar, porque tal
racionalidade e cultura eram património, então, quase exclusivo, do saber
filosófico. Para muitas pessoas, ser filósofo, num contexto materialista, é
sinónimo de fraqueza, de utopia, de pobreza material e motivo de ataque por
parte de alguns técnico-positivistas e/ou de diversos cientistas, pretensos
defensores da humanidade, com a agravante de beneficiarem do apoio de muitos
governantes e até da próprias famílias.
Os
resultados estão à vista, certamente para o bem, mas também para o mal. Viver
filosoficamente: implica recuperar a filosofia e adaptá-la à vida prática
moderna; envolve reconhecer toda uma cultura e civilização ancestrais, porque: «Devemos ser dignos da nossa civilização e
das nossas origens. Só por isso a Filosofia tem garantida a sua presença no
mundo, à procura do esclarecimento das ideias, como o único e efectivo caminho
para a solução dos problemas da vida humana, na sua essência, cumprindo esta
missão de ajudar ao homem, em primeiro lugar, a tomar consciência do que seja a
força das ideias.» (Ibid.:34).
A posição correta que se pode (e deve) assumir, no atual
paradigma técnico-científico, que caracteriza a humanidade deste meados do século
anterior, passa, obrigatoriamente, pela interdisciplinaridade, através da qual
todas as disciplinas e formas de conhecimento se consideram, necessariamente,
importantes para a descoberta do verdadeiro sentido da vida e da condição
humana.
Reflectir, profundamente, na misteriosa existência
do ser humano, e tentar descobrir os melhores processos para que haja,
finalmente, bem-estar para todos, significa conjugar todas as sinergias,
conhecimentos, práticas e boas-vontades. O homem vive circundado por imensas
realidades, ele próprio uma realidade, talvez das mais complexas. Conhecer as
várias realidades não é objecto de uma só disciplina, por mais cientificamente
objectiva, rigorosa e quantificada que ela seja, ou por muita subjetividade que
se lhe queira imputar e, consequentemente, descredibilizá-la.
A realidade
circundante é constituída de múltiplas naturezas: física, metafísica, inefável,
espiritual e sabe-se lá quantas outras. Considerada esta pluralidade de
naturezas, que integram a realidade global que rodeia o homem, que se pode
denominar por universo, do qual faz parte o planeta Terra, onde habita toda uma
humanidade complexa, certamente que a Filosofia não poderá ter a pretensão de
tudo saber, tudo esclarecer, tudo conduzir e resolver, logo, nesse sentido: «Filosofia, neste nível, pode então ser
definida genericamente como o esforço do espírito humano para compreender a
realidade. Como se viu, o senso-comum, o mito, a religião, a arte e a ciência
também são, de suas perspectivas, outros tantos esforços de compreensão do
real. Com efeito, constata-se à luz de subsídios antropológicos que é uma
tendência intrínseca e espontânea do homem, o descobrir o que é o mundo que o
circunda, o conhecer e compreender o mundo e a si mesmo, a natureza e a
sociedade. (…) Todo o esforço da consciência filosófica na busca do sentido das
coisas tem, de facto, a finalidade de compreender de maneira integrada o
próprio sentido da existência do homem.» (SEVERINO, 1999:22-23).
Bibliografia
MENDONÇA, Eduardo Prado de, (1996). O Mundo Precisa
de Filosofia, 11ª edição, Rio de Janeiro RJ: Agi
SEVERINO, Antônio Joaquim, (1999). A Filosofia Contemporânea do
Brasil, Petrópolis RJ: Vozes.
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Blog
Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
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