domingo, 1 de dezembro de 2013

Mitigação das Mágoas


Acredita-se que em quase todos os seres humanos, ao longo das suas vidas, tenham existido períodos, relativamente longos: anos, meses, semanas, dias ou horas, em que as vivências, mais ou menos otimistas e/ou pessimistas, tenham sido experimentadas, com maior ou menor intensidade, e que nelas se cruzem estados de espírito muito diferentes, que até podem ser divergentes e/ou convergentes, levando a determinadas atitudes e comportamentos, que nem sempre são detetados e compreendidos pelas pessoas em geral, embora quem conheça, minimamente, certas situações, que potenciam aquelas reações, tenha uma visão diferente: de aceitação e tolerância; ou mesmo ajuda, se tal for o caso.
Pretende-se refletir um pouco, sobre as alterações do estado de espírito e o comportamento que elas implicam, que influem na própria personalidade, avançando-se, então, alguns pseudo-diagnósticos sobre alegadas patologias como: comportamento bipolar; transtorno de personalidade e outras situações consideradas anormais, eventualmente, de rutura, definitiva e/ou prolongada, com um modo de viver em sociedade, em família, no trabalho, nos estudos.
Acontece que, por vezes, a origem de transformações, mais ou menos profundas, da personalidade, esta considerada como um conjunto de traços pessoais, relativamente estáveis, que levam as pessoas a reagir com uma certa uniformidade, perante situações idênticas, tem origem em: alterações sócio-comportamentais mais visíveis, que podem estar influenciadas por causas relacionadas com atitudes, valores e sentimentos de outras pessoas, que interferem, intensamente, com o estado de espírito de um colega, amigo ou familiar.
Ao longo da nossa vida, praticamos boas e más ações, a favor e contra nós, familiares, amigos, colegas e a sociedade no seu todo, das quais nos regozijamos ou nos arrependemos, respetivamente. Se adotamos normas e princípios de vida, no sentido do bem e nunca recebemos qualquer reconhecimento, uma palavra que seja de gratidão, ficamos infelizes.
Portanto, se em vez de um agradecimento, recebemos atitudes de: desvalorização, indiferença e, finalmente, de rejeição por parte da pessoa, ou grupo a quem nós fizemos bem, aqui pode surgir um primeiro sentimento de mágoa, tristeza, dor, sofrimento e desgosto, tanto mais profundos quanto mais nós gostávamos da pessoa a quem ajudámos, em vários aspetos, de quem fomos verdadeiros e incondicionais amigos, solidários e leais. Certas atitudes acabam, invariavelmente, por destruir a confiança, o carinho, a amizade e consideração que tínhamos para com as pessoas que receberam de nós os mais nobres e sinceros sentimentos.
A ingratidão, acompanhada da indiferença, da rejeição, da falta de consideração, estima e amizade, de facto constituem um rude golpe na autoestima, na própria honra, nos valores e sentimentos de quem é vítima de tal comportamento que, ferida na sua dignidade mais profunda, pode, inclusivamente, cometer atos irreversíveis.
Nestas circunstâncias, será muito difícil recuperar a alegria, a paz, a felicidade, por vezes a própria saúde, porque as dores psico-sentimentais, causadas pela melancolia, ferida, padecimento e desgosto, são como uma doença física incurável que, em muitas situações, pode conduzir à morte, seja por profunda depressão ou suicídio, cuja responsabilidade moral será sempre da pessoa que, injusta e cruelmente, nos rejeitou, sem qualquer razão para o fazer.
Certamente que as vítimas de ingratidão, insensibilidade, desfeita e repulsa, dentro de determinados parâmetros, e desde que as ofensas não atinjam uma gravidade incontrolável, podem tentar como que uma espécie de mitigação para o sofrimento, adotando medidas que conduzam à separação gradual daquelas pessoas, sem lhes faltar ao respeito, nem entrar em contra-ofensivas, métodos retaliatórios, chantagens, maledicências e hipocrisias. Devem tentar, educadamente, afastar-se, com todo o sofrimento e desgosto que carregam.
No relacionamento que travamos, uns com os outros, existem regras, princípios, valores e sentimentos que devem ser observados. Numa relação de grande amizade, em que já permanece uma bem definida aceitação da outra pessoa, como uma verdadeira e sincera amiga, certamente que nasce um amor muito especial, a que se ligam atitudes e comportamentos muito próprios e distintos dos demais, envolvendo, precisamente, uma disponibilidade total para a generosidade, para a dádiva e para a proteção da pessoa que queremos para nossa exclusiva amiga, e de quem já nos tornamos intensamente cúmplices.
Nesta relação de profunda amizade: «Não podemos esquecer que somos seres temporários, impermanentes, e deveríamos desejar fazer o bem ao maior número de indivíduos possível durante nossa efêmera existência. Esta é a ética da responsabilidade.» (CARVALHO, 2007:102).
Ao assumirmos esta postura, com total sinceridade, evidentemente que não esperando qualquer retribuição, mas desejando receber um sinal de agradecimento, ou mesmo de simpatia, de consideração, se tal não acontecer, esse comportamento entristece-nos, e até nos pode magoar intimamente.
Por vezes, quase que temos motivos para pensar que as pessoas, grupos ou organizações, a quem fazemos bem, elas podem considerar que temos essa obrigação, talvez por se sentirem com um estatuto superior ao nosso, materialmente assim qualificado.
Ora, ninguém tem o direito de exigir que lhe façamos bem, mas muitos de nós temos o dever ético-moral, pelo menos neste domínio, de agradecer, estimar, considerar quem nos ajuda de alguma forma: seja através de valores e sentimentos; seja por via de quaisquer dádivas sinceras e incondicionais.
Por outro lado, também é bem claro que quem pratica o bem não tem o direito de exigir, indefinidamente, gratidão permanente, eterna, atitudes e comportamentos de constante subserviência à pessoa que exerceu atos de ajuda, de apoios diversos. Quem tem atitudes boas, de generosidade e dádiva, fá-lo sem exigir nada em troca, mas seguramente que fica feliz quando verifica haver consideração e estima da pessoa a quem realmente se dedicou de alguma forma.
A solidariedade, amizade, lealdade, consideração, estima e gratidão, revelam-se em pequenos gestos (que até poderão ser, simbolicamente, muito grandes), retribuição de valores e sentimentos, obviamente, com total sinceridade, alegria e humildade. Não é necessário retribuir um bem material recebido de uma pessoa, com outro bem idêntico, de resto, o reconhecimento pela simpatia, carinho, preocupação sobre a situação de quem nos fez bem, é a melhor prova da nossa gratidão.
Nem toda a gente é sensível a certos valores, sentimentos e emoções. Muitas pessoas pretendem manifestar-se com uma alegada racionalidade pragmática, concretizada em comportamentos objetivamente materializados. Criticam, destrutivamente e com grande ironia, quem valoriza atitudes de suaves e meigas relações pessoais, através, justamente, da: correção, boa educação, respeito, consideração e estima.
Entendem que tais relações, assentes em gestos e atitudes de grande amabilidade e nobreza, são pieguices, ornamentos e, eventualmente, efeminados. Tais pessoas, talvez prefiram relações abrutalhadas, supostamente, enérgicas nas palavras, nos gestos e nos comportamentos porque isso será distintivo das alegadas “personalidades” ditas “fortes”.
Quando não recebemos gestos, manifestações, sinais que são indiciadores das pessoas que, para além de nossas verdadeiras amigas, são profundamente gratas e, pelo contrário, nunca, ou raramente, têm uma palavra, um gesto de simpatia e gratidão, estamos perante pessoas que, realmente, nem sequer gostam de nós, e essa perceção que acabamos por sentir, leva-nos a formar uma mágoa muito grande, dor e desgosto, não obstante e porque, eventualmente, a nossa amizade é intensa e verdadeira, é que vamos aceitando o sofrimento e continuamos a preocuparmo-nos com a pessoa ingrata, a fazer-lhe sempre o melhor bem possível.
Hoje, mais do que nunca, precisamos todos uns dos outros, não pode haver lugar a atitudes e sentimentos de: ingratidão, indiferença, rejeição, humilhação; faltas de: consideração, estima, carinho, gentileza, educação e amabilidade, para com quem nos faz bem, para com quem está sempre, e incondicionalmente, do nosso lado, para com quem indubitavelmente nos ama, com um profundo “Amor-de-Amigo”,
Hoje, poderemos estar muito bem na vida, pensar que, ainda assim, temos amigos, que continuam a fazer bem, mesmo que seja apenas através de boas atitudes e ações, valores imateriais e sentimentos sinceros, todavia, num futuro mais ou menos próximo será possível não estarmos tão bem na vida e, apesar disso, aquele amigo continua fiel, solidário, atencioso, delicado e meigo, sempre preocupado com o nosso bem-estar.
A um amigo destes só se pode “pagar” com tudo o que nos for possível, não no sentido da obrigação, de termos que retribuir os bens recebidos, mas com o dever da humildade que toda a gratidão comporta. Se assim procedermos, também receberemos muito mais do que o que damos, porque passamos a receber mais alegria, satisfação e felicidade, porque na verdade teremos um verdadeiro amigo que: tanto recebe, como retribui, com sincera amizade.
Hoje, apesar de todos precisarmos de todos, a verdade é que teremos de saber escolher muito bem os nossos amigos, a partir das qualidades humanas que ele nos pode oferecer, os princípios que professa, os valores que pratica, os sentimentos que vai revelando e as emoções que a nós nos confia. Hoje precisamos de um amigo com quem partilhar tudo da nossa vida, que nos compreenda e esteja incondicionalmente do nosso lado, se preciso for, que esse amigo nos defenda, eventualmente contra aqueles que se dizem amigos, apenas em certas circunstâncias. Por isso é que cada vez é mais difícil, e raro, termos amigos com tais nobres caraterísticas e graus de exigência tão elevados.
Como é da sabedoria popular: “Os amigos verdadeiros, do coração”, são: aqueles que nos visitam no hospital e nos acompanham carinhosamente na doença, dando-nos coragem para enfrentarmos a falta de saúde; aqueles que no infortúnio da vida nos aparecem na cadeia, sem vergonha, compreendendo os atos que levaram a esta situação; aqueles que nas dificuldades da vida: pessoais, familiares, profissionais, económicas e outras, nos apoiam incondicionalmente com tudo o que têm e podem, para que nada nos falte e nos sintamos confortáveis; aqueles que estão sempre do nosso lado, que em quaisquer circunstâncias dão a “cara” por nós, sem medo, nem vergonha, que intercedem por nós, para o nosso bem; finalmente, são aqueles que, se necessário, afastam-se de “supostos amigos” quando se sabe que estes, afinal, não respeitam, nem têm qualquer consideração pelos nossos amigos incondicionais, porque quem não é amigo do meu sincero amigo, não pode ser meu amigo verdadeiro. Será possível termos amigos destes? 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo 

Portugal: http://www.caminha2000.com  (Link’s Cidadania e Tribuna)

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