Aceite-se,
como ponto prévio, que o casamento e a correspondente constituição de família
são, porventura, das decisões mais importantes na vida de uma pessoa,
principalmente para aquelas que têm na família o expoente máximo da realização
da pessoa humana.
Tome-se,
também, como referência da sociedade, a organização familiar, com os contornos
e funções que, classicamente, se lhe conhecem, aos quais se deve adicionar, no
presente, outros requisitos, exigências e capacidades dos cônjuges, atentas as
profundas alterações sociais, profissionais e axiológicas.
Interiorize-se
a ideia, segundo a qual, decidida a união de um casal, pela celebração do
casamento, este como ato que envolve várias diligências processuais legais
cívicas e, eventualmente, religiosas, os cônjuges se comprometem a desenvolver
iniciativas para uma conjugação plena de esforços, com o objetivo de criarem,
aumentarem e consolidarem condições ideais de harmonia, amor, procriação,
educação dos filhos e progresso material, bem-estar geral de toda a família
conjugal.
Por
princípio, excetuadas que possam ser situações extraordinárias, não se
defenderá o casamento baseado num único e exclusivo critério, justamente, para
se evitar, no futuro, dissoluções mais ou menos dramáticas, com consequências
traumatizantes para crianças e outros dependentes do casal.
Como
exceção à não exclusividade de critérios, respeitando a posição daqueles que
defendem valores supremos e essenciais, admite-se que a existência de amor e
respeito mútuos, irreversivelmente interiorizados, nos dois elementos do casal,
podem, por si sós, garantir o sucesso do casamento e assegurar a felicidade da
família, que se construirá a partir daquela união amorosa.
Abordar-se-á,
sempre que conveniente, o casamento na perspectiva religiosa, segundo a qual: «O padrão divino do casamento honroso é a
união de um só homem com uma só mulher.» (STVBT,
199:27).
Preparar
o casamento para constituir uma família, com amor e respeito recíprocos dos
dois membros do casal, pressupõe um percurso prévio, a dois – homem-mulher –,
durante o qual vão analisar e desenvolver as capacidades que devem melhorar,
até ao limite da perfeição possível.
O
amor é fundamental, designadamente, aquele amor que se desenvolve no seu
sentido mais altruísta, possibilitando: «Fazer
à outra pessoa o que é correcto e bom aos olhos de Deus, quer essa pessoa
pareça merecer isso, quer não.» (Ibid.:29), havendo, naturalmente,
reciprocidade.
Concomitantemente
com este amor, no seu conceito mais altruísta, funcionará o respeito recíproco,
que permite a compreensão, a tolerância, a harmonia e a paz na família.
O
respeito, por si só, já incorpora um fundo de amor, na perspectiva da amizade
profunda, independentemente das divergências. Quando um jovem casal
heterossexual se sente atraído, ou duas pessoas adultas, em qualquer idade,
nutrem algum tipo de sentimento, a aproximação e o contacto vão propiciando
oportunidades, para um melhor e recíproco conhecimento.
Discutem-se
gostos, interesses, estatutos e projetos; analisam-se eventuais situações,
entretanto, criadas, suas consequências e tomam-se decisões que,
posteriormente, serão executadas.
Trata-se
de um trabalho árduo, paciente e minucioso, que deve ser realizado com a maior
tranquilidade, sem pressões, sem interesses dúbios e sempre numa atitude de
respeito, com estima e consideração pela outra parte, até que surja, realmente,
aquele amor altruísta, sublime, alheio a quaisquer outras situações,
circunstâncias, interesses, sentimentos ou paixões irracionais, casuísticas
e/ou premeditadamente simuladas, em função de um objetivo menos digno.
Quaisquer outras intenções, incluindo as sexuais, estas, certamente muito
importantes, podem aguardar a consolidação do amor e respeito recíprocos.
Preparação
profunda, tranquila e prudente, no amor e na consideração mútua, será o
primeiro grande nível que o casal deve atingir, com absoluta segurança e
certeza, porém, não será o único.
Outros
patamares na preparação do casamento são necessários atingir-se e, certificar-se
se realmente, os objetivos foram elencados. É da maior importância para os
ainda namorados, cultivarem um conjunto de valores e boas-práticas, a fim de,
se efetivamente pretendem casar-se, harmonizarem os respetivos comportamentos.
A
fidelidade pode (e deve) iniciar-se logo a partir do primeiro contacto, o mais
cedo possível, entrando na relação como um valor que controla eficazmente os
pensamentos e desejos mais íntimos. Ser fiel, já no período antenupcial,
constitui um excelente princípio, porque a fidelidade inspira segurança, dá
confiança e é motivo de orgulho, reforça a dignidade e consolida o respeito
recíproco. Igualmente a verdade, como outro valor indispensável ao sucesso do
casamento.
A
verdade só tem uma mesma e única versão, logo, reforça a personalidade, a
credibilidade e o prestígio de quem a usa, como instrumento privilegiado para
uma boa relação interpessoal.
Ainda
nesta fase é importante testar a disponibilidade para o trabalho, para o
estudo, para a poupança, porque verificando-se que estas atitudes existem e são
praticadas, por cada um dos membros do casal, então o domínio da sobrevivência
económico-financeira, de alguma forma, fica razoavelmente salvaguardado.
O período convencionalmente denominado por namoro,
terá, portanto, como principal objetivo permitir ao casal, candidato ao casamento,
desenvolver um projeto que se conclua pela descoberta do outro, pelo
conhecimento recíproco.
Numa perspectiva mais materialista, e sem ser tomada
como “regra sem exceção”, pode-se,
nesta fase preparatória, testar alguns aspetos concretos, tais como:
a) Desigualdades, quaisquer que elas sejam –
hábitos, tradições, idade, estatuto, etnia;
b) Profissão, que pode vir a influenciar o relacionamento,
as conversas, os objetivos, a preferência pelo sucesso numa carreira
profissional, relegando para um plano inferior a união do casal;
c) Saúde, que na medida do possível deve existir nos
namorados, bem como o conhecimento recíproco da existência de doenças que, mais
tarde, podem prejudicar, definitiva e irremediavelmente, os próprios filhos;
d) Habitação como um lugar de intimidade, de
conforto e de segurança para a família, que se pretende constituir, sem a
partilha com pais, sogros, irmãos, cunhados, outros parentes e amigos, porque a
privacidade familiar é um direito indeclinável, que deve ser observado por
todos;
e) Diferença de idade que, quando é muito acentuada,
acaba por provocar situações que podem conduzir à dissolução do matrimónio,
desde logo por via da diferença dos ritmos fisiológicos e também pelos valores
que cada geração assume como seus.
O período de preparação para um casamento, que se
perspectiva com grandes probabilidades de sucesso, não se esgota no conjunto das
regras, valores e práticas, acabadas de enunciar. São, apenas, algumas
sugestões, entre muitas outras possíveis e, eventualmente, melhores quanto à
sua eficácia. Na verdade, não existem receitas ou fórmulas para a felicidade,
nem para o casamento absolutamente bem-sucedido, ao nível dos valores
imateriais.
A felicidade e todo o
êxito a ela associado, no casamento, constroem-se ao longo da vida matrimonial,
é como, metaforicamente analisado, frequentar um curso, durante toda a vida e,
momento a momento, haver uma avaliação contínua com vários instrumentos de medida.
Para que o curso que se
vai frequentar, se possa concluir com êxito, aqui designado por casamento, é, evidentemente,
imprescindível que a preparação seja efetuada com rigor, com seriedade e
determinação.
Nas palavras sábias de
Pio IX, reconduzidas ao contexto da sua época: «Deve-se pôr grande cuidado na escolha do cônjuge. Dessa escolha
depende o feliz resultado do casamento, posto que precisamente esse cônjuge
há-de ser para o outro uma grande ajuda, no cumprimento cristão dos deveres da
vida matrimonial, ou um poder e um obstáculo para esse cumprimento. Por isso, a
fim de não haver que lamentar duramente toda a vida tristes resultados de uma
escolha feita ligeiramente é necessário que os que desejam contrair matrimónio
deliberem ajuizadamente sobre a escolha da pessoa à qual se vão unir para
sempre.» (in: GUERRERO, 1971:32).
A última metade do século
XX foi um período que teve várias características marcantes para a sociedade,
porque enquanto era necessário sarar as feridas de duas grandes guerras mundiais
e conflitos internos, em diversos territórios nacionais, outras situações,
muito complexas, resultantes das disputas estratégicas, de hegemonias mundiais,
com a formação de blocos político-militares e económicos, foram-se alastrando,
em várias regiões do globo; por outro lado, o avanço, sem precedentes, da
ciência e da técnica, veio contribuir para alterações profundas nas
mentalidades, nos hábitos, nos valores e comportamentos, a que se aliou a
criação de movimentos cívicos e instituições internacionais que, ainda hoje,
pautam a sua atuação por valores, direitos, deveres e garantias, relativamente
à defesa do homem e da natureza, embora nem sempre com êxito.
As vidas: individual e
familiar, não tinham como escapar a tantas e tão profundas alterações, o que
implica uma preparação muito mais cuidada dos cidadãos, das famílias, dos
grupos e instituições. Os matrimónios devem, portanto, ser cuidadosamente
preparados, porque: «O conflito entre os
pais não favorece nem a aquisição de bons hábitos nem a felicidade. Com efeito,
os lares desfeitos são caldos de cultura de neuroses, revoltas, inibições,
ressentimentos, represálias de toda a ordem. Porque é o casal, na sua unidade,
que engendra segurança, tem poder criador, equilibra e educa. É o desejo
efectivo de total comunhão entre os pais que orienta os filhos no sentido do
amor, libera e transforma, faz desabrochar as riquezas todas da personalidade.”
(SCHMIDT, 1967:84-5).
Como ideia central,
destacam-se a importância e necessidade de uma boa preparação para a constituição
da família, pelo ato do casamento, a partir de um período prévio, denominado
por namoro, cujo primeiro objetivo será o conhecimento recíproco dos futuros
nubentes e, se for o caso, da consolidação dos sentimentos, da avaliação
positiva dos comportamentos, da interiorização e exercício permanente das
boas-práticas, tendo por objetivo final a constituição de uma família monogâmica,
conjugal, constituída pelo pai, mãe e filhos, onde a comunhão de valores, de
interesses, de direitos, deveres e responsabilidades seja a principal dinâmica
desta milenar instituição e célula nuclear da sociedade, como é a família.
Naturalmente que se conhecem outras formas de acasalamento, cujos valores e
objetivos se respeitam, quer se concorde ou não.
A sociedade, organicamente
representada pelos seus diversos intervenientes, tem responsabilidades
acrescidas, justamente na preparação dos futuros casais, como no apoio àqueles
que, tendo-se constituído em família, atravessam dificuldades de vária ordem,
também por culpa das diversas políticas institucionais: saúde, educação,
formação, emprego, habitação, segurança e estabilidade na velhice.
Na preparação dos casais,
existem imponderáveis a que eles são alheios: por muito cautelosa, rigorosa e
transparente que tal elaboração possa ser; por mais elevados, verdadeiros e
consolidados que sejam os sentimentos, valores e práticas; há situações
imprevisíveis, que só a sociedade organizada pode resolver, através das respetivas
instituições, para evitar, no futuro, a dissolução de uma matrimónio que, à
partida, tinha tudo para ser de sucesso.
Na verdade, não há
receitas nem se pode garantir um casamento de êxito pleno, uma família
totalmente feliz. Há, contudo, a obrigação dos interessados lutarem pela sua
própria felicidade: na sociedade, na família, no próprio indivíduo isoladamente
considerado.
GUERRERO,
José Maria, (1971). O Matrimónio Hoje, à
Luz do Vaticano II, Trad. José Luís Mesquita, Braga: Editorial Franciscana.
SCHMIDT, Maria Junqueira, (1967). Educar para a Responsabilidade, 4ª
edição, Rio de Janeiro RJ: Livraria Agir Editora
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de
Portugal
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