Mas o Estado, na
circunstância que se deseja abordar, tem o rosto dos respetivos dirigentes que,
antes e depois das correspondentes funções, transitoriamente desempenhadas,
justamente à custa da confiança que o cidadão-eleitor neles depositaram, seja
no grupo político, seja diretamente no próprio governante.
No exercício das funções
que lhes foram cometidas, tais cidadãos, agora investidos de poderes especiais,
devem ser os primeiros a cumprir a Lei: com equidade, com tolerância,
compreensão e pedagogia preventiva, sem estratégias e processos persecutórios,
sem espírito punitivo e, quantas vezes, injusto.
Os titulares de cargos
públicos por eleição, são os legítimos representantes do povo e, em Democracia
Representativa, o valor Justiça deveria funcionar sempre nos dois sentidos, tal
como o valor igualdade de tratamento, de tolerância e da responsabilidade
recíproca.
O Estado representativo,
em Democracia, e num regime jurídico justo, deve cumprir, tal como exige ao
cidadão comum, quando este se prontifica a obedecer à Lei, depois de chamado à
atenção, inclusivamente, com efeitos retroativos, se isso for legal, então, de
igual forma, o Estado, através do Departamento competente que ao caso couber,
deve cumprir, também ele, retroativamente, tudo o que for devido ao cidadão.
Instituir taxas,
impostos, derramas e outros instrumentos de cobrança, por serviços prestados,
estabelecer normas fiscais sobre atividades, rendimentos e penalizações, entre
outras tarefas, são funções que o Estado Democrático de Direito tem competência,
legitimidade e legalidade para exercer, e que deve fazê-lo com equidade e
oportunidade, dentro dos prazos, incluindo as respetivas tolerâncias.
O Estado deve dispor de
receitas suficientes que lhe permitam desenvolver os programas sociais, económicos,
educativos, saúde, acessibilidades, transportes e tantos outros domínios da
esfera pública. O Estado, através dos respetivos titulares dos diversos
Departamentos, deve ser o exemplo da sobriedade, do rigor, da austeridade, isto
é, o paradigma da boa e justa governação e de pessoa de bem.
A aplicação da Lei pelos
Órgãos competentes do Estado deve ser igual para todos, e quando o Estado
legisla, em favor de um determinado grupo económico, desportivo, cultural ou
outro, ignorando o cidadão anónimo que, quantas vezes, tem mais dificuldades em
pagar os seus impostos do que um grupo empresarial ou instituição desportiva,
está a discriminar, pela negativa, o cidadão, individualmente considerado, o
que não é justo.
Num estado Democrático de
Direito, a dimensão cívica dos cidadãos deve ser garantida e salvaguardada pelo
exercício pleno da cidadania que, obviamente, se deseja ser igual para todos,
inclusivamente para a participação fiscal de cada indivíduo ou grupo, porque: «Na prática, o direito de participação pressupõe
a reunião de quatro condições: a autonomia da vontade, a nacionalidade, o
domicílio, o pagamento de impostos» (MADEC & MURARD, 1998:91).
O Estado Democrático de
Direito, enquanto entidade concreta, física e responsavelmente representada nos
seus inúmeros Departamentos, orientados e servidos por pessoas concretas,
também elas cidadãos de deveres e direitos, tem a obrigação indeclinável de dar
exemplos de compreensão, tolerância, resolução justa, equitativa e isenta das
situações que: indivíduos, empresas, grupos e associações lhe apresentam; deve
legislar objetivamente, sem lacunas, por vezes, deixadas nos textos
jurídico-legais; sem ambiguidades, porque de contrário a segurança do Direito é
posta em causa e, rapidamente, descredibilizada.
A interpretação da norma
jurídica parece que está cada vez mais na dependência do parecer deste ou
daquele grupo de advogados, juristas, magistrados e constitucionalistas, sendo
certo que na decisão final, muitas vezes, sempre acaba por prevalecer a
interpretação do Estado, através dos seus próprios Tribunais: Judiciais, Administrativos,
Arbitrais, de Polícia, de Família, de Trabalho, Marítimo, de Comarca, de
Circulo, Supremo e Constitucional.
Além disso, na defesa dos
seus legítimos interesses, o cidadão de menores recursos, nem sempre tem acesso
a uma defesa consistente, empenhada e detentora de boas técnicas, estratégias,
metodologias, experiências adquiridas ao longo de uma carreira, porque não pode
pagar, por exemplo, a prestigiados causídicos, e/ou grupos/associações de
advogados que, em muitas situações, funcionam como autênticas empresas da
interpretação do Direito, no sentido de construírem a melhor defesa para o
constituinte, incluindo a estratégia de esgotar todos os prazos, até atingir a
prescrição do ato que esteve na origem do processo. É evidente que tudo isto
custa muito dinheiro, e o pobre não o tem.
O Estado quando legisla,
em parte, já está a colaborar com todo um sistema assim instalado e, desta
forma, prejudica o exercício da cidadania, no que se refere ao acesso a uma
Justiça oportuna, célere e igualitária para todos, porque em certas
circunstâncias, privilegia uma minoria de ricos em prejuízo da maioria de pobres,
pouco esclarecida quanto aos seus direitos e conhecimento da legislação (até neste
aspeto o Estado é desleal para com o cidadão, porque através da Lei determina
que a ignorância da norma jurídica não aproveita ao seu infrator, porém, os
serviços do Estado, beneficiam de todos os meios para conhecer e aplicar a Lei,
precisamente, também, à custa dos impostos daqueles que não a conhecem, porque
não podem assinar e/ou não sabem consultar o Diário da República).
Frequentemente, o que se verifica, um pouco
por todo o mundo, é que: enquanto o Estado apoia, favorece e legisla a favor de
determinados grupos, e estes ficam ao abrigo de benefícios e privilégios, que a
maioria não tem, ainda vão permanecendo num determinado local, a produzir
alguma coisa, todavia, cessando os benefícios e os privilégios, e diminuindo os
lucros, o grupo rapidamente se deslocaliza para outro ponto, começando tudo de
novo, depois de enviar para o desemprego trabalhadores, famílias e outras
pessoas dependentes, e deixando ao Estado dívidas elevadíssimas que, no fundo,
terão de ser suportadas pelos impostos dos contribuintes honestos.
O contrário da situação descrita, pode
verificar-se em relação ao cidadão contribuinte, cumpridor, honesto, ou seja,
este cidadão que, por “ignorância da Lei” não cumpriu um determinado preceito
jurídico, por exemplo, a nível fiscal, imediatamente os Serviços competentes o
intimidam e, com grande destreza, lhe hipotecam os parcos bens que, quantas
vezes, conseguiu, quase no final de uma vida de sacrifícios, de poupança, de
privações, empréstimos com juros elevados e outras dificuldades de vária ordem.
O cidadão anónimo, sem capacidade económica
para contratar bons defensores, fica à mercê das decisões de outros seus
concidadãos, que naquele momento detêm o poder de executar a Lei, retirando-lhe
o património, ou parte dele, que mais tarde até seria para os filhos e netos,
não havendo a possibilidade para este cidadão: de beneficiar da prescrição; de
uma amnistia; de um perdão, para anulação da dívida que, involuntariamente,
porque “desconhecia a Lei”, lhe é imputada.
Outro tanto acontecerá
com os grandes grupos, empresas e figuras públicas, ou seja: todos estes
contribuintes são tratados de igual forma? Sob o argumento de um qualquer
preceito legal, não haverá, por exemplo, perdões de dívidas fiscais, amnistias
e outros instrumentos de anulação?
Outro facto que poderá
revelar se o Estado é ou não “paradigma de pessoa-de-bem” prende-se com o
relacionamento inter-instituições, integradas numa determinada hierarquia e
que, supostamente, dependendo umas das outras, a colaboração institucional, e
mesmo pessoal, entre os seus dirigentes e funcionários, deverá pautar-se por
normas legais, éticas e de boa convivência.
Em Portugal, as
dificuldades podem começar logo ao nível do Poder Local, concretamente entre os
dois tipos de poderes consagrados na Lei Fundamental: Câmaras Municipais e Juntas
de Freguesia, sabendo-se que a grande maioria destas dependem daquelas, em
elevada percentagem da arrecadação de receitas e realização de melhoramentos,
bem como nos domínios técnicos, de recursos humanos e equipamentos. Ao nível de
formação profissional dos Autarcas, também poderiam depender daquela instância
do Poder Local.
A boa colaboração entre
estes dois níveis do Poder Local é salutar, desejável e rentabilizadora na
aplicação de recursos, por isso, a Lei prevê a celebração de protocolos que funcionam
como uma delegação de poderes da Câmara Municipal para a Junta de Freguesia, em
que esta responde perante o público, fornecedores e prestadores de serviços e
também perante a entidade delegante.
Após haver acordo entre
as partes, celebra-se o protocolo quanto ao: tipo de melhoramentos a realizar;
seus montantes; prazos de reembolso das despesas efetuadas pela Junta de
Freguesia, no cumprimento das competências delegadas e execução dos trabalhos.
Quando a entidade
delegada, na circunstância, a Junta de Freguesia, tem alguma disponibilidade
financeira, deve liquidar os serviços recebidos pelas entidades prestadoras,
salários aos trabalhadores e outras despesas, honrando assim, em tempo útil, os
compromissos assumidos para com terceiros e transmitindo a imagem de uma
Instituição “Pessoa-de-bem”.
Seguidamente, envia a
documentação para a entidade delegante, na circunstância, a Câmara Municipal e
esta, dentro dos prazos definidos no Protocolo, liquida à Junta de Freguesia os
valores protocolados, e acordados entre as partes.
Trata-se de um
procedimento legal que traz imensos benefícios para as entidades envolvidas, e
para as populações, maior celeridade nos pagamentos aos prestadores de serviços
e dignificação das Instituições abrangidas e respetivos responsáveis que, tal
como aquelas, tudo devem fazer para serem consideradas “Pessoas-de-bem”.
A administração de uma freguesia, em Portugal,
implica, hoje, graves responsabilidades, que são acrescidas em função dos
serviços técnicos que o respetivo órgão executivo – Junta Freguesia –, tem ao
seu dispor. Na esmagadora maioria das freguesias portuguesas, os autarcas não
têm o apoio técnico suficiente, em nenhum setor: administrativo, jurídico,
obras públicas, empreitadas e concursos, segurança social, gestão de cemitérios,
contabilidade, recursos humanos e outros. Estes autarcas ficam, assim, à mercê
de qualquer indivíduo que procura a litigância, quase sempre, de má-fé.
Tal como os municípios, também as freguesias têm a
sua história, a sua dignidade, a sua importância e imprescindibilidade na
resolução dos problemas comunitários.
A freguesia nasceria, justamente, nos pequenos
núcleos populacionais, que se instalaram ao redor das igrejas, sob a orientação
do pároco, de que resultaram as paróquias, cujas atividades no meio rural, para
além da religiosa, passaram a abranger os domínios sociais e económicos que
mais interessavam aos residentes (fregueses), com destaque para a administração
de terras, águas, emissão de documentos diversos para, a partir de 1878, se lhes
reconhecer e «conferir à freguesia o
carácter de serviço público». (TRINDADE, 2003:12).
A dignidade da instituição Freguesia está
constitucionalmente consagrada, e coloca-a ao mesmo nível do poder local dos
municípios. A definição resulta clara da Constituição da República Portuguesa,
donde se pode interpretar que: a freguesia é uma pessoa coletiva territorial; dotada
de órgãos representativos; que tem por objetivo a satisfação de interesses
próprios da população residente na respetiva área de jurisdição da freguesia,
sendo fundamentais os seguintes elementos: território, população, interesses
próprios dos moradores e órgãos representativos. (Cf. CRP, 2004: Artº 235º e
seg., Págs. 87-89)
E se, por um lado: o Estado tem de construir e
implementar o Paradigma de “Pessoa-de-bem”, a começar nas e entre as suas
próprias instituições de base: as Autarquias Locais, criando laços de confiança
e credibilidade, adotando uma postura pedagógica, atuando em tempo útil, sem
discriminações negativas, independentemente das ideologias político-partidárias
dos diversos responsáveis;
Por outro lado, e nas atuais circunstâncias, o
exercício do poder local democrático, nas freguesias rurais e semi-urbanas,
carece de uma profunda revisão e estruturação. Nesse sentido, o cidadão contemporâneo
tem de participar no processo de atualização e ajustamento às realidades
existentes, de forma a garantir dignidade, competência, eficácia, iguais
direitos e tratamento para com todos os seus concidadãos, independentemente das
suas opções político-partidárias.
Sendo assim e considerada a complexidade deste
Órgão do Poder Local Democrático em Portugal, o cidadão que se deseja para este
século tem, obrigatoriamente, de saber as tarefas que recaem sobre o órgão ao
qual se candidata, bem como as competências que lhe estão cometidas, e os
recursos que dispõe para desenvolver um trabalho profícuo e de satisfação das
necessidades da população. Antes de fazer promessas, deve inteirar-se da
realidade.
No entanto, mesmo sendo conhecedor dos instrumentos
legais que regem esta matéria, os meios para concretizar os objetivos têm que
lhe ser fornecidos, em quantidade, em qualidade e em tempo útil. A não ser
assim, não é justo nem legítimo que se lhe peçam responsabilidades.
Bibliografia
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, (2004), Versão de 2004. Porto:
Porto Editora.
TRINDADE, António Manuel Cachulo da, et. al, (2003). Administrar a Freguesia, Coimbra:
Fundação Bissaya Barreto, Instituto Superior Bissaya Barreto, março/02.
Venade/Caminha – Portugal, 2019
Com
o protesto da minha perene GRATIDÃO
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente
do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
http://nalap.org/Directoria.aspx
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