É do conhecimento público, que nesta tradição de
séculos e milénios, vivemos um período conturbado, devido ao desentendimento
entre os homens, no que respeita aos valores das sociedades que integram,
parecendo certo que o fator económico-especulativo, possivelmente mais do que o
político, estará na base de muitos dos conflitos regionais, sendo que, a par
destes valores, outros se destacam, nomeadamente aqueles de natureza: cultural,
ecológico, social, laboral, habitacional e outros da chamada terceira geração.
Naturalmente que da violação destes últimos
valores, logo se ressentem os Direitos Humanos fundamentais, ou aqueles que
integram a primeira geração, nomeadamente, e de entre outros: liberdade,
igualdade, fraternidade, solidariedade, segurança individual, propriedade,
religião.
O homem, desde sempre, tem sentido a necessidade da
vivência experienciada da religião, mesmo aquele que não acredita no poder
Transcendental da Divindade, porque, em situações-limite, recorre ao Absoluto:
qualquer que este Absoluto seja; qualquer que seja o processo e a fórmula
utilizada, o homem, desesperadamente esperançado, ainda luta para sair da
situação-limite, independentemente da solução adotada, mesmo que aponte para o
suicídio. A religião não poderá ser um valor a ignorar, antes pelo contrário, cada
vez mais, faz parte integrante das nossas vidas, mesmo que, cada um, a pratique
à sua maneira, constituindo assim uma dimensão vital das suas diversas e
universais culturas.
O valor religioso é intrínseco ao valor cidadania,
e nenhum governo do mundo poderá ignorar esta dimensão cultural dos cidadãos,
até porque, afirma-se hoje: «A
intolerância religiosa e a vaga de fundamentalismos teológicos que durante
quase dois séculos varreram a Europa Cristã permanecem, em grande medida, um
enigma. Em pleno movimento de secularização do Ocidente, os sangrentos
conflitos religiosos - que causaram a morte e o sofrimento a dezenas de milhões
de europeus anónimos - permanecem como uma estranha vaga de fundo... (...). Os
actuais direitos fundamentais do homem e do cidadão, que têm consagração na
maioria das constituições dos diversos Estados da Comunidade Internacional,
foram o desenvolvimento e esclarecimento de um direito fundamental que
funcionou como um autêntico embrião de todos os outros: o direito à liberdade religiosa,
ao livre e público exercício de profissões de fé minoritárias sem a perda de
quaisquer direitos civis, nem qualquer espécie de segregação movida pelo estado
ou por particulares, daí decorrentes. (SOROMENHO-MARQUES, 1996:77-78).
Se é verdade que as filosofias políticas capitais
do séc. XVII, se preocuparam com a necessidade de fundar o poder e a
legitimidade do Estado, não será menos certo admitir, hoje, a inevitabilidade
da dimensão religiosa, e que esta tem cada vez uma maior importância nas nossas
vidas, de tal forma que se o fenómeno da proliferação das seitas é um facto,
também é verdade que as Igrejas das principais e tradicionais religiões se
esforçam, pelo menos nas pessoas dos seus máximos representantes, por uma
consensualização de posições, no respeito e tolerância pelos princípios e
dogmas que a cada uma dizem respeito, bem como na observância dos Direitos
Humanos, no contexto da tolerância religiosa.
Neste caminhar na busca de consensos, também os
Governos devem colaborar, através da consagração legislativa e na prática, do
reconhecimento da cultura religiosa da sociedade, procurando firmar um
compromisso entre as minorias religiosas e o próprio Estado, aliás, podemos
aceitar, de boa-consciência, que foram benéficos os resultados constitucionais
das Revoluções Americana e Francesa ao consagrarem os direitos dos cidadãos à
liberdade religiosa, partindo da flexibilidade religiosa para o reconhecimento
dos Direitos Humanos Fundamentais.
Os cidadãos, particularmente os membros de
confissões religiosas minoritárias, não precisavam da indiferença benevolente
do Estado, mas do compromisso obrigatório do Estado, na defesa do seu direito
fundamental, ao livre exercício do culto religioso, apenas limitado,
evidentemente, pelos outros Direitos Humanos essenciais, como a vida ou a
propriedade. Desta forma, a questão religiosa, no final do século XVIII,
revelou toda a grandeza e significado para a cidadania. O reconhecimento da
liberdade religiosa só poderá ser assegurado no interior de um sistema constitucional
de liberdades e garantias fundamentais.
Com efeito: «A liberdade religiosa não poderia oferecer-se para o
direito positivo, como um objecto isolado. Ela implicava e tocava todos os
outros direitos essenciais: o respeito pela vida e a integridade física; a
protecção da propriedade; o reconhecimento pela liberdade de opinião e
expressão, entre outros. (...). Uma sociedade onde os direitos civis são o
único absoluto para o Estado, é uma sociedade emancipada e laica. Uma sociedade
que não cai no erro de Locke que excluía os ateus da tolerância que defendia
para as diversas crenças religiosas. (...). Não é no temor a Deus que se revela
a grandeza dos homens, mas sim na capacidade de honrar as leis que a si próprio
se deram. Essa é também a dignidade do cidadão.» (Ibid.).
Desprevenidamente, aceitamos, sem mais, como sendo
um lugar-comum, quando falamos de cultura, quando tentamos, por vezes
intencional e desinteressadamente, classificar: quaisquer situações, fenómenos,
atos e atitudes, tradições, usos e costumes, como cultura, envolvência
civilizacional, porém, quando se trata de reconhecer, em favor de uma
determinada minoria: valores, atividades, comportamentos e princípios, como
seus Direitos inalienáveis e integrantes da cultura dessa minoria, então as evasivas
de quem tem o direito e o dever de decidir a favor delas, escuda-se, muitas
vezes, em argumentos político-constitucionais, vazios legislativos ou na
irrelevância quantitativa dessa mesma minoria.
Podemos concordar, ou não, sobre a utilidade das definições,
e/ou argumentemos, que elas são redutoras, fechadas, dogmáticas ou, pelo
contrário, que são um ponto de partida, um primeiro conceito, uma referência,
todavia, não parece viável trabalharmos no vazio, na indefinição.
Com o objetivo de, pelo menos, partirmos de algum
ponto, analisemos algumas ideias em como se defende que a cultura está presente
na evolução da sociedade política: «... O
conceito científico de cultura é a grande contribuição da Antropologia nos
nossos tempos, mas (...) o conceito de cultura é tão instável que chega a ser
de valor duvidoso. Marvin Harris, que critica as bases epistemológicas de
muitas manifestações sobre cultura, fez uma tentativa interessante de situar o
seu conceito sobre uma base operacional.
Serve melhor aos nossos objectivos presentes, tratar a cultura, de uma
maneira hoje considerada como convencional: em termos do seu processo de
transmissão, isto é, através da aprendizagem simbólica. (...). Contra este pano
de fundo a cultura pode ser definida como a totalidade de respostas
convencionais de comportamentos adquiridos primariamente através da
aprendizagem simbólica. (...). Alguns antropólogos e alguns cientistas
políticos, tanto quanto outros cientistas sociais, quase chegam a identificar o
político com o cultural. (...), alguns estudiosos têm-se impressionado com o
facto de que a maior parte das normas políticas existe não porque sejam
sancionadas pela força, mas porque foram incutidas nos jovens no decorrer da
sua criação como parte do processo de enculturação. Há também os teóricos que
estão impressionados com a interacção da cultura e que vêem num sistema de
valores compartilhados a base de um sistema político.» (FRIED, 1967:14-17).
Naturalmente que a complexidade da sociedade humana
pode: motivar-nos às mais elaboradas teorias; conduzir-nos à defesa de teses
muito bem construídas; à idealização de uma sociedade pretensamente perfeita,
mas, quaisquer que sejam os argumentos, é incontornável esta dimensão cultural,
ou melhor, ela é parte intrínseca à humanização.
Trata-se de outra cultura. (...). No sentido
antropológico, cultura é tudo o que o homem faz, seja material ou espiritual,
seja pensamento ou acção. A cultura exprime as variadas formas pelas quais os
homens estabelecem relações entre si e com a natureza: como constroem abrigos
para se protegerem das intempéries, como organizam suas leis, costumes e
punições, como se alimentam, casam e têm filhos, como concebem o sagrado e como
se comportam mediante a morte. (...).
A experiência humana é totalmente diversa (o animal
vive em harmonia com a natureza e a sua actividade é determinada por condições
biológicas que lhe permitem adaptar-se ao meio em que vive, não sendo livre
para agir em discrepância com a sua própria natureza) sobre a natureza e sobre
si mesmo. Ao reproduzir técnicas usadas por outros homens e inventar outras
novas, a acção humana se torna fonte de ideias e por isso uma experiência
propriamente dita. (...). A cultura é, portanto, o que resulta do trabalho
humano: a transformação realizada pelos instrumentos, as ideias que tornam
possível essa transformação e os produtos dela resultantes.» (Ibid.)
De facto, é impossível dissociar a dimensão cultural do homem, quaisquer
que sejam as suas vertentes: política, ideológica, religiosa, filosófica,
científica, instrumental, artística, na medida em que esta diversidade
enriquece na complexidade da sociedade, a dignidade que, indiscutivelmente,
deve caracterizar o ser humano.
E, indo mais longe, com a ajuda
da Profª. Maria Lúcia Aranha, desenvolveríamos de seguida aquilo a que ela chama
as três esferas da cultura, para, seguidamente, refletirmos sobre a ligação da
cultura e a educação, que, aliás, apresenta-se cada vez mais evidente, e que o
reconhecimento das diferenças passa, necessariamente, pela educação e,
desculpar-me-ão os teóricos de outras áreas científicas, a Filosofia deve
assumir, aqui, um papel cada vez mais interventor, decisivo e prático.
Neste quadro: «As relações que os
homens estabelecem entre si para produzir a cultura se não em diversos níveis
em que não se excluem, mas se complementam e se interpenetram: Relações de
Trabalho, que são materiais, produtivas e caracterizadas pelo desenvolvimento
das técnicas e actividades económicas; Relações Políticas, ou seja, as relações
de poder, que possibilitam a organização social e a criação de instituições
sociais; Relações Culturais ou comunicativas que resultam da produção e difusão
do saber e deveriam pertencer ao âmbito das relações intencionais, reduto da
subjectividade. (...). Vimos, até aqui, que a cultura é uma criação humana: ao
tentar resolver seus problemas, o homem produz os meios para satisfação das
suas necessidades e, com isso, transforma o mundo natural e a si mesmo.
Por meio do
trabalho instaura relações sociais, cria modelos de comportamento, instituições
e saberes. O aperfeiçoamento dessas actividades, no entanto, só é possível pela
transmissão dos conhecimentos adquiridos de uma geração para a outra,
permitindo a assimilação dos modelos e comportamentos valorizados. É a educação
que mantém viva a memória de um povo e dá condições para a sua sobrevivência
material e espiritual. A Educação é, portanto, fundamental para a socialização
do homem e sua humanização. Trata-se de um processo que dura a vida toda e não
se restringe à mera continuidade da tradição, pois supõe a possibilidade de
rupturas pelas quais a cultura se renova e o homem faz a história.»
(Ibid.:17-19).
Bibliografia
ARANHA, Maria Lúcia Arruda, (1996). Filosofia da Educação. 2a Ed. São
Paulo: Moderna
FRIED, Morton H. (1967). A Evolução da Sociedade Política: Um Ensaio sobre
Antropologia Política. Tradução, Luís F.D. Duarte. Rio de Janeiro/RJ:
Zahar Editora.
SOROMENHO-MARQUES, Viriato, (1996). A Era da Cidadania. Mira-Sintra:
Publicações Europa-América.
“NÃO, à violência das armas; SIM, ao diálogo criativo.
As Regras, são simples, para se obter a PAZ”
https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=924397914665568&id=462386200866744
https://www.youtube.com/watch?v=mximJ8eLJgw
Venade/Caminha
– Portugal, 2022
Com
o protesto da minha permanente GRATIDÃO
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente
do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
NALAP.ORG
http://nalap.org/Directoria.aspx
https://www.facebook.com/diamantino.bartolo.1
http://diamantinobartolo.blogspot.com
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