domingo, 18 de dezembro de 2022

A Religião como Parte Integrante dos Direitos Humanos

É do conhecimento público, que nesta tradição de séculos e milénios, vivemos um período conturbado, devido ao desentendimento entre os homens, no que respeita aos valores das sociedades que integram, parecendo certo que o fator económico-especulativo, possivelmente mais do que o político, estará na base de muitos dos conflitos regionais, sendo que, a par destes valores, outros se destacam, nomeadamente aqueles de natureza: cultural, ecológico, social, laboral, habitacional e outros da chamada terceira geração.

Naturalmente que da violação destes últimos valores, logo se ressentem os Direitos Humanos fundamentais, ou aqueles que integram a primeira geração, nomeadamente, e de entre outros: liberdade, igualdade, fraternidade, solidariedade, segurança individual, propriedade, religião.

O homem, desde sempre, tem sentido a necessidade da vivência experienciada da religião, mesmo aquele que não acredita no poder Transcendental da Divindade, porque, em situações-limite, recorre ao Absoluto: qualquer que este Absoluto seja; qualquer que seja o processo e a fórmula utilizada, o homem, desesperadamente esperançado, ainda luta para sair da situação-limite, independentemente da solução adotada, mesmo que aponte para o suicídio. A religião não poderá ser um valor a ignorar, antes pelo contrário, cada vez mais, faz parte integrante das nossas vidas, mesmo que, cada um, a pratique à sua maneira, constituindo assim uma dimensão vital das suas diversas e universais culturas.

O valor religioso é intrínseco ao valor cidadania, e nenhum governo do mundo poderá ignorar esta dimensão cultural dos cidadãos, até porque, afirma-se hoje: «A intolerância religiosa e a vaga de fundamentalismos teológicos que durante quase dois séculos varreram a Europa Cristã permanecem, em grande medida, um enigma. Em pleno movimento de secularização do Ocidente, os sangrentos conflitos religiosos - que causaram a morte e o sofrimento a dezenas de milhões de europeus anónimos - permanecem como uma estranha vaga de fundo... (...). Os actuais direitos fundamentais do homem e do cidadão, que têm consagração na maioria das constituições dos diversos Estados da Comunidade Internacional, foram o desenvolvimento e esclarecimento de um direito fundamental que funcionou como um autêntico embrião de todos os outros: o direito à liberdade religiosa, ao livre e público exercício de profissões de fé minoritárias sem a perda de quaisquer direitos civis, nem qualquer espécie de segregação movida pelo estado ou por particulares, daí decorrentes. (SOROMENHO-MARQUES, 1996:77-78).

Se é verdade que as filosofias políticas capitais do séc. XVII, se preocuparam com a necessidade de fundar o poder e a legitimidade do Estado, não será menos certo admitir, hoje, a inevitabilidade da dimensão religiosa, e que esta tem cada vez uma maior importância nas nossas vidas, de tal forma que se o fenómeno da proliferação das seitas é um facto, também é verdade que as Igrejas das principais e tradicionais religiões se esforçam, pelo menos nas pessoas dos seus máximos representantes, por uma consensualização de posições, no respeito e tolerância pelos princípios e dogmas que a cada uma dizem respeito, bem como na observância dos Direitos Humanos, no contexto da tolerância religiosa.

Neste caminhar na busca de consensos, também os Governos devem colaborar, através da consagração legislativa e na prática, do reconhecimento da cultura religiosa da sociedade, procurando firmar um compromisso entre as minorias religiosas e o próprio Estado, aliás, podemos aceitar, de boa-consciência, que foram benéficos os resultados constitucionais das Revoluções Americana e Francesa ao consagrarem os direitos dos cidadãos à liberdade religiosa, partindo da flexibilidade religiosa para o reconhecimento dos Direitos Humanos Fundamentais.

Os cidadãos, particularmente os membros de confissões religiosas minoritárias, não precisavam da indiferença benevolente do Estado, mas do compromisso obrigatório do Estado, na defesa do seu direito fundamental, ao livre exercício do culto religioso, apenas limitado, evidentemente, pelos outros Direitos Humanos essenciais, como a vida ou a propriedade. Desta forma, a questão religiosa, no final do século XVIII, revelou toda a grandeza e significado para a cidadania. O reconhecimento da liberdade religiosa só poderá ser assegurado no interior de um sistema constitucional de liberdades e garantias fundamentais.

Com efeito: «A liberdade religiosa não poderia oferecer-se para o direito positivo, como um objecto isolado. Ela implicava e tocava todos os outros direitos essenciais: o respeito pela vida e a integridade física; a protecção da propriedade; o reconhecimento pela liberdade de opinião e expressão, entre outros. (...). Uma sociedade onde os direitos civis são o único absoluto para o Estado, é uma sociedade emancipada e laica. Uma sociedade que não cai no erro de Locke que excluía os ateus da tolerância que defendia para as diversas crenças religiosas. (...). Não é no temor a Deus que se revela a grandeza dos homens, mas sim na capacidade de honrar as leis que a si próprio se deram. Essa é também a dignidade do cidadão.» (Ibid.).

Desprevenidamente, aceitamos, sem mais, como sendo um lugar-comum, quando falamos de cultura, quando tentamos, por vezes intencional e desinteressadamente, classificar: quaisquer situações, fenómenos, atos e atitudes, tradições, usos e costumes, como cultura, envolvência civilizacional, porém, quando se trata de reconhecer, em favor de uma determinada minoria: valores, atividades, comportamentos e princípios, como seus Direitos inalienáveis e integrantes da cultura dessa minoria, então as evasivas de quem tem o direito e o dever de decidir a favor delas, escuda-se, muitas vezes, em argumentos político-constitucionais, vazios legislativos ou na irrelevância quantitativa dessa mesma minoria.

Podemos concordar, ou não, sobre a utilidade das definições, e/ou argumentemos, que elas são redutoras, fechadas, dogmáticas ou, pelo contrário, que são um ponto de partida, um primeiro conceito, uma referência, todavia, não parece viável trabalharmos no vazio, na indefinição.

Com o objetivo de, pelo menos, partirmos de algum ponto, analisemos algumas ideias em como se defende que a cultura está presente na evolução da sociedade política: «... O conceito científico de cultura é a grande contribuição da Antropologia nos nossos tempos, mas (...) o conceito de cultura é tão instável que chega a ser de valor duvidoso. Marvin Harris, que critica as bases epistemológicas de muitas manifestações sobre cultura, fez uma tentativa interessante de situar o seu conceito sobre uma base operacional.

Serve melhor aos nossos objectivos presentes, tratar a cultura, de uma maneira hoje considerada como convencional: em termos do seu processo de transmissão, isto é, através da aprendizagem simbólica. (...). Contra este pano de fundo a cultura pode ser definida como a totalidade de respostas convencionais de comportamentos adquiridos primariamente através da aprendizagem simbólica. (...). Alguns antropólogos e alguns cientistas políticos, tanto quanto outros cientistas sociais, quase chegam a identificar o político com o cultural. (...), alguns estudiosos têm-se impressionado com o facto de que a maior parte das normas políticas existe não porque sejam sancionadas pela força, mas porque foram incutidas nos jovens no decorrer da sua criação como parte do processo de enculturação. Há também os teóricos que estão impressionados com a interacção da cultura e que vêem num sistema de valores compartilhados a base de um sistema político.» (FRIED, 1967:14-17).

Naturalmente que a complexidade da sociedade humana pode: motivar-nos às mais elaboradas teorias; conduzir-nos à defesa de teses muito bem construídas; à idealização de uma sociedade pretensamente perfeita, mas, quaisquer que sejam os argumentos, é incontornável esta dimensão cultural, ou melhor, ela é parte intrínseca à humanização.

No contexto de uma sociedade humanizada, a noção de cultura assume desenvolvimentos diferentes: «Na linguagem comum, o homem culto seria aquele que tem instrução, teve acesso à produção intelectual da civilização a que pertence (ciência, filosofia, literatura, artes em geral). Muitas vezes, só porque alguém conhece algumas línguas estrangeiras é considerado “culto”, da mesma forma que se não frequentou os bancos escolares, é classificado como “inculto”.» (ARANHA, 1996, 14-16).

Trata-se de outra cultura. (...). No sentido antropológico, cultura é tudo o que o homem faz, seja material ou espiritual, seja pensamento ou acção. A cultura exprime as variadas formas pelas quais os homens estabelecem relações entre si e com a natureza: como constroem abrigos para se protegerem das intempéries, como organizam suas leis, costumes e punições, como se alimentam, casam e têm filhos, como concebem o sagrado e como se comportam mediante a morte. (...).

A experiência humana é totalmente diversa (o animal vive em harmonia com a natureza e a sua actividade é determinada por condições biológicas que lhe permitem adaptar-se ao meio em que vive, não sendo livre para agir em discrepância com a sua própria natureza) sobre a natureza e sobre si mesmo. Ao reproduzir técnicas usadas por outros homens e inventar outras novas, a acção humana se torna fonte de ideias e por isso uma experiência propriamente dita. (...). A cultura é, portanto, o que resulta do trabalho humano: a transformação realizada pelos instrumentos, as ideias que tornam possível essa transformação e os produtos dela resultantes.» (Ibid.)

De facto, é impossível dissociar a dimensão cultural do homem, quaisquer que sejam as suas vertentes: política, ideológica, religiosa, filosófica, científica, instrumental, artística, na medida em que esta diversidade enriquece na complexidade da sociedade, a dignidade que, indiscutivelmente, deve caracterizar o ser humano.

 E, indo mais longe, com a ajuda da Profª. Maria Lúcia Aranha, desenvolveríamos de seguida aquilo a que ela chama as três esferas da cultura, para, seguidamente, refletirmos sobre a ligação da cultura e a educação, que, aliás, apresenta-se cada vez mais evidente, e que o reconhecimento das diferenças passa, necessariamente, pela educação e, desculpar-me-ão os teóricos de outras áreas científicas, a Filosofia deve assumir, aqui, um papel cada vez mais interventor, decisivo e prático.

Neste quadro: «As relações que os homens estabelecem entre si para produzir a cultura se não em diversos níveis em que não se excluem, mas se complementam e se interpenetram: Relações de Trabalho, que são materiais, produtivas e caracterizadas pelo desenvolvimento das técnicas e actividades económicas; Relações Políticas, ou seja, as relações de poder, que possibilitam a organização social e a criação de instituições sociais; Relações Culturais ou comunicativas que resultam da produção e difusão do saber e deveriam pertencer ao âmbito das relações intencionais, reduto da subjectividade. (...). Vimos, até aqui, que a cultura é uma criação humana: ao tentar resolver seus problemas, o homem produz os meios para satisfação das suas necessidades e, com isso, transforma o mundo natural e a si mesmo.

 Por meio do trabalho instaura relações sociais, cria modelos de comportamento, instituições e saberes. O aperfeiçoamento dessas actividades, no entanto, só é possível pela transmissão dos conhecimentos adquiridos de uma geração para a outra, permitindo a assimilação dos modelos e comportamentos valorizados. É a educação que mantém viva a memória de um povo e dá condições para a sua sobrevivência material e espiritual. A Educação é, portanto, fundamental para a socialização do homem e sua humanização. Trata-se de um processo que dura a vida toda e não se restringe à mera continuidade da tradição, pois supõe a possibilidade de rupturas pelas quais a cultura se renova e o homem faz a história.» (Ibid.:17-19).

 

Bibliografia

 

ARANHA, Maria Lúcia Arruda, (1996). Filosofia da Educação. 2a Ed. São Paulo: Moderna

FRIED, Morton H. (1967). A Evolução da Sociedade Política: Um Ensaio sobre Antropologia Política. Tradução, Luís F.D. Duarte. Rio de Janeiro/RJ: Zahar Editora.

SOROMENHO-MARQUES, Viriato, (1996). A Era da Cidadania. Mira-Sintra: Publicações Europa-América.

 

“NÃO, à violência das armas; SIM, ao diálogo criativo. As Regras, são simples, para se obter a PAZ”

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Venade/Caminha – Portugal, 2022

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Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

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