O direito à paz constitui um dos direitos da
chamada terceira geração, segundo a estrutura que é estabelecida, tais como
outros direitos, por exemplo, ecológicos, parece-me, contudo, cada vez mais um objetivo,
importante e necessário a salvaguardar, não fossem os inúmeros conflitos
regionais de guerra declarada ou latente, seja por motivos políticos, seja por
razões de ordem económica, estratégica ou religiosa.
A “Instituição da Guerra” apresenta-se-nos como uma
ordem de magnitude que transcende qualquer agressor – a vítima particular -, na
medida em que faz mais sentido responsabilizar um país por uma agressão sobre
outro, do que imputar culpas a indivíduos isolados, além de que existe,
obviamente, violência estrutural no sentido em que danos não intencionais são
infligidos, frequentemente, a indivíduos ou países em todo o mundo, porque o
opressor está incrustado nas estruturas, com culturas que não deixam outras
alternativas.
A agressão é provocada e algumas das causas são
estruturais, outras culturais: o colonialismo é uma dessas estruturas que ligam
a colónia ao poder colonial, de tal forma que aquela pode revoltar-se para se
libertar. Ora, o caminho para a paz passa, necessariamente, por resoluções imaginativas
dos conflitos, o que pode significar a transformação de algumas estruturas
através da substituição de culturas de violência por mecanismos de apoio ao
desenvolvimento sociocultural, científico e económico dos povos até então
oprimidos.
O homem tem o dever de procurar e construir um
mundo melhor, porque: «o direito de viver
em paz também pode ser interpretado como o direito de não ser vítima da
agressão. Mas se assumirmos que a agressão não é aleatória, mas causada por
factores estruturais e culturais entre e dentro dos actores, então o direito de
viver em paz é o direito de viver num cenário social (...) onde se faz qualquer
coisa sobre factores e não só sobre actores (...).» (POPPER, 1992:213).
A construção de um mundo melhor, no sentido de promover
e preservar a paz, quaisquer que sejam os conceitos deste valor inestimável
(mesmo o mais rudimentar, como aquele que define paz como ausência de guerra),
passa, certamente, pelo conhecimento dos valores universais constantes na
Declaração Universal dos Direitos do Homem, e dos instrumentos legais, técnicos
e científicos para os defender, porque, desde logo, é necessário, combater o
irracionalismo que tanto parece estar na moda, sendo certo que atitudes
incoerentes, não se fundamentam na observância dos direitos humanos e, mesmo
aceitando que todo o conhecimento humano é falível e incerto, também não é
menos verdade que o conhecimento é uma procura da realidade, de teorias
explicativas e, objetivamente, verdadeiras.
Neste contexto, não nos é difícil compreender que
qualquer violação dos Direitos Humanos constitui um erro grave, contudo: «combater a falha, o erro, significa, pois,
procurar uma verdade mais objectiva e fazer tudo para detectar e eliminar tudo
o que é falso. (...). Ao reconhecermos a falibilidade do conhecimento humano,
reconhecemos, simultaneamente, que nunca podemos estar completamente seguros de
não termos cometido algum erro.» (Ibid.:18).
A prática de deveres que conduzem a soluções
pacíficas de conflitos humanos, naturalmente que carece de profundos
conhecimentos ético-morais, de cidadania, de Saber-ser e saber-estar no mundo
com os outros, numa permanente postura de tolerância e responsabilidade
intelectual e, quantas vezes, na nossa tolerância e humanidade, somos objetos
da intolerância e da desumanidade de outros.
Infelizmente, o número de casos não para de
aumentar: campos de concentração, assassinatos, violação de mulheres e
crianças, deportações, migrações em condições infra-humanas, enfim, destinos
terríveis, horrores que ainda sentimos, seres humanos, homens, mulheres,
crianças, idosos, são vítimas de outros seres humanos, cuja motivação e
objetivos são muito discutíveis.
O
mundo confronta-se hoje (início de 2025) com uma nova calamidade, com dimensões
regionais que podem, provavelmente, alastrar-se-ão mundialmente, qual nova e
terrífica pandemia, esta de natureza bélico/nuclear, a partir da invasão da
Ucrânia pela Rússia. Iniciado este ataque desumano, criminoso e ilegítimo, em
24 de fevereiro de 2022, os combates prosseguem e, em algumas localidades,
corpo a corpo.
Na
Ucrânia, aldeias, vilas e cidades já foram praticamente destruídas. Centenas de
milhares de pessoas: mulheres, crianças, jovens, idosas e até animais de
estimação, foram dizimadas pelos bombardeamentos russos. Os nossos irmãos não
têm as mínimas condições para desfrutarem de algum conforto, na medida em; a
fome grassa, a água, os alimentos, a eletricidade e as infraestruturas já não
satisfazem as populações.
Em
vez da união e da solidariedade, entre pessoas humanas, de países vizinhos
(Rússia-Ucrânia), mais um Natal que, ao que tudo indica, será vivenciado de
armas em punho, apontadas, indiscriminadamente, a crianças, homens e mulheres e
outras pessoas idosas. Glória à Ucrânia.
O homem intelectual, culto e responsável, tem hoje,
mais do que no passado, o dever inalienável de rejeitar o relativismo radical,
na medida em que há valores que jamais se podem mensurar: Deus, verdade, bem,
justiça, paz, liberdade e tantos outros, aliás, parece-me que as posições
radicais, não conduzem, geralmente, a soluções equilibradas, afigurando-se do
mais elementar bom senso, optar por atitudes moderadas, dialogantes, consensuais.
Entretanto, a sete de outubro deste ano de 2023
outro conflito, não menos sangrento, emerge no Médio Oriente, onde Israelitas e
um grupo armado – HAMAS – se digladiam em perfeita barbárie. Identicamente,
neste conflito, como o que ainda se verifica na Ucrânia, o número de mortes, de
reféns e de prisioneiros de guerra, ultrapassa as centenas de milhares. A vida
humana não vale nada para estes guerrilheiros e seus comandantes.
Tal como nos diz Popper: «O pluralismo crítico apresenta uma posição de acordo com a qual, no
interesse da verdade, cada teoria - e quanto mais teorias tanto melhor - deve
ser posta em plano de concorrência com as demais. Esta concorrência consiste na
discussão racional: isto significa que o que está em causa é a verdade das
teorias concorrentes. Aquela teoria, que na discussão crítica parecer
aproximar-se mais da verdade é a melhor e a melhor teoria prevalece sobre as
menos boas. O mesmo se passa com a verdade.» (Ibid.:178).
A Paz constrói-se, seguramente, a partir de um
conhecimento cada vez mais profundo das realidades humanas e, todas as ciências
serão poucas, todos os cientistas e intelectuais, não serão suficientes para
prosseguirem na busca de um mundo melhor, no sentido: não apenas de ausência de
guerra; mas também e, principalmente, no que respeita ao dever do cumprimento
dos direitos humanos, sejam estes individuais ou coletivos, pelo que, de facto,
urge cada vez mais debruçarmo-nos sobre o que as ciências cognitivas podem
fazer por um mundo em efervescência. Afinal, onde é que está localizado, no
cérebro humano o “bom-senso”?
Poder-se-á colocar aqui, também, a questão da
vontade e liberdade suficientes, para resolvermos a deprimente situação da
violação dos Direitos Humanos? Será que, também aqui, o homem está determinado
por circunstâncias que não controla nem domina? Ou, pelo contrário, tem o homem
a capacidade para alterar alguma coisa?
Porque, conforme escreve SEARLE: «A liberdade humana é precisamente, um facto
de experiência. Se desejar alguma prova empírica de tal facto, podemos sem mais
aludir à possibilidade que sempre nos cabe de falsificar quaisquer predições
que alguém possa ter feito acerca do nosso comportamento. Se alguém prediz que
eu vou fazer alguma coisa, posso muito bem não fazer essa coisa.» (SEARLE, 1987:107).
Nesta linha, o autor prossegue, mais adiante, afirmando o seguinte: «A ciência não deixa espaço para a liberdade
da vontade (...). Por outro lado, somos incapazes de abandonar a crença na
liberdade da vontade.» (Ibid:113).
A liberdade da vontade não depende, portanto, do
determinismo porque, de acordo com o raciocínio de SEARLE: «A forma de determinismo que em última análise é incómoda não é o
determinismo psicológico. A ideia de que os nossos estados da mente são
suficientes para determinar tudo o que fazemos é, provavelmente falsa. (...).
Se a liberdade é uma ilusão, porque é que é uma ilusão que, aparentemente,
somos incapazes de abandonar? A primeira coisa a observar a propósito da
liberdade humana é que ela está essencialmente ligada à consciência.
Apenas atribuímos liberdade aos seres conscientes. (...) a maior parte
dos filósofos pensam que a convicção da liberdade humana está essencialmente
ligada ao processo da decisão racional. (...) A experiência característica que
nos dá a convicção da liberdade humana, e é uma experiência da qual somos
incapazes de arrancar a convicção da liberdade, é a experiência de nos
empenharmos em acções voluntárias e intencionais. (...) É esta experiência a
pedra basilar da nossa crença na liberdade da vontade (...)» porque: «No
comportamento normal cada coisa que fazemos suscita a convicção válida ou
inválida de que poderíamos fazer alguma coisa mais, aqui e agora, isto é,
permanecendo idênticas todas as outras condições», donde e concluindo: «... a evolução deu-nos uma forma de
experiência da acção voluntária onde a experiência da liberdade, isto é, a
experiência do sentido de possibilidades alternativas, está inserida na genuína
estrutura do comportamento humano, consciente e intencional.» (Ibid.:
1987:114-120)
POPPER, Karl R, (1992). Em Busca de um Mundo Melhor, 3a
ed. Tradução, Teresa Curvelo. Lisboa: Editorial Fragmentos.
SEARLE, J., (1987). Mente, Cérebro e Ciência,
Lisboa: Edições 70
“NÃO,
ao ímpeto das armas; SIM, ao diálogo criativo/construtivo. Caminho para a PAZ”
https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=924397914665568&id=462386200866744
Venade/Caminha
– Portugal, 2025
Com o protesto
da minha permanente GRATIDÃO
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente
HONORÁRIO do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
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