domingo, 8 de janeiro de 2012

Direitos Humanos: Educação e Formação de Adultos

A educação e formação de adultos não é um fenómeno novo. Se se entender a educação como um processo abrangente e coincidente com o ciclo de vida de cada indivíduo, torna-se evidente que sempre existiu educação e formação de adultos.
Segundo Osório (2004:235), o fim da Segunda Guerra Mundial foi o momento de maior impulso para o desenvolvimento da educação de pessoas adultas (operários mais qualificados, necessidade de formação, maior exigência nas condições de trabalho, menos escravatura profissional, progressão de carreira...).
Mas outros momentos de reflexão se seguiram a este (Osório, 2004), destacando-se: as Conferências de Elsinor (Dinamarca) 1949; a Conferência de Montreal (Canadá) 21 a 31 Agosto 1960; a Conferência de Tóquio (Japão) 5 Julho a 7 Agosto 1972; a Conferência Internacional de Paris (França) 1985 e a Conferência de Hamburgo (Alemanha) 1987. Fruto de todo este esforço, começa-se então a valorizar a educação e formação de adultos e a investir esforços humanos e financeiros nesta área.
Cerca de 3 milhões de Portugueses activos não possuem escolaridade mínima obrigatória (censos 2001), sendo Portugal um dos países com os níveis mais baixos de literacia (DGFV, 2004), comprometendo, seriamente, a integração desta população na sociedade do conhecimento.
Não obstante, este 1/3 da população portuguesa acumulou um conjunto de saberes, conhecimentos e experiências e contribuem, diariamente, com a sua vida, para o desenvolvimento do país; no entanto, não viram, ainda, este património de competências reconhecidas…
É neste processo que elas tomam forma, ganham outro sentido e perspectivas, é aqui que a vida do adulto “ganha uma outra cor”. É nesta fase que verificamos, claramente, o início do mecanismo do “empowerment” individual por parte do adulto.
É realizada a autobiografia do adulto, descodificado o referencial de Competências-Chave e recolhidas as experiências do adulto para fazer, posteriormente, um levantamento das necessidades de formação de cada adulto em processo, de forma individual. É ao longo deste processo de Reconhecimento de Competências que o adulto pode reflectir, opinar, argumentar de forma orientada e, simultaneamente, livre… é aqui que, muitas vezes, o adulto consegue ver e sentir, quiçá pela primeira vez na sua vida, a concretização de alguns dos “seus” direitos humanos. Refiro-me, por exemplo a dois artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
Artigo XVIII: «Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou colectivamente, em público ou em particular.»
Artigo XIX: «Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.»
No Portefólio Reflexivo de Aprendizagens que os adultos elaboram, é-lhes solicitada a opinião, uma reflexão sobre temas polémicos, sobre a trajectória das suas vidas, enfim, é-lhes pedido que abram a porta das suas vidas perante nós e que se deixem levar pelo que a vida lhes ensinou, pelo que ainda querem aprender, pelo que querem dizer e nunca o puderam…por medo, por falta de coragem ou até de liberdade!
Poderíamos dizer tanto e tanto sobre a mais-valia deste projecto na vida das pessoas, até porque também tem uma ligação directa e de simbiose com o empowerment individual e comunitário.
De acordo com Rappaport (1987), o empowerment é «um processo ou mecanismo através do qual as pessoas, as organizações e as comunidades podem assumir o controlo sobre as suas próprias vidas».
 A perspectiva de empowerment, num contexto comunitário, consiste em «identificar, facilitar ou criar contextos em que as pessoas isoladas ou silenciadas possam ser compreendidas, ter uma voz e influência sobre as decisões que lhes dizem directamente respeito ou que, de algum modo, afectam as suas vidas».
 Assim, o “empowerment” é considerado, simultaneamente, um ganho pessoal (para cada indivíduo implicado no processo), uma experiência comunitária e um objectivo orientado para a intervenção social.
O processo de “empowerment” implica que a aquisição de novas competências seja um processo natural nos contextos quotidianos, ao invés da obtenção da informação dada por profissionais especializados. Consequentemente, devem ser favorecidas as oportunidades de aprendizagem e o exercício de competências identificadas como necessárias.
Mais uma vez, o candidato vê neste projecto a possibilidade da concretização de alguns dos seus direitos, tal como a Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê. Neste caso, em concreto, refiro-me ao Artigo XXVI:
«1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.»
O adulto sem duvida que cresce, como pessoa, como trabalhador, como pai ou mãe de família, como amigo, já que as suas capacidades, a formação que lhe foi facultada, a sua história de vida e esforços serão, agora, reconhecidos com toda a justiça do mundo. O que em tempos de escola não foi possível, é-o agora! Este é um processo de justiça social!
A educação e formação de adultos tem sido alvo de algumas avaliações, sendo que uma das últimas foi direccionada à iniciativa “Novas Oportunidades” e realizada pela equipa do Exmo. Engº Roberto Carneiro.
O segundo relatório de tal estudo, (2010), teve como base as respostas a um questionário, direccionado a 450 pessoas já certificadas.
Os entrevistados afirmaram ter adquirido novas competências, nomeadamente no que diz respeito:
- Ao uso do computador e da Internet
- À capacidade para aprender a aprender (a maioria manifestou a vontade de prosseguir novas formações)
- À literacia (leitura, escrita e comunicação oral).
Além disso, verificou-se que se desenvolveu maior proximidade e melhor relacionamento entre pais que frequentaram o RVCC – Reconhecimento e Validação de Competências-Chave -  e os seus filhos, fruto do apoio que estes deram aos pais durante o processo (nomeadamente ao nível da utilização das novas tecnologias).
Ainda como consequências da certificação, os adultos referiram ter ficado com uma maior auto-estima e auto-valorização, (re) construção de projectos pessoais e profissionais (DGFV, 2004:49) e verificaram-se, ainda, algumas subidas ao nível da empregabilidade, cerca de 23%.
Por tudo isto e muito mais que ficou por dizer, considero que a iniciativa “Novas Oportunidades” e a “Declaração Universal dos Direitos Humanos” só podem mesmo “andar de mãos dadas” e ser parceiras nesta ambição de motivar e melhorar os níveis de qualificação dos portugueses.

Bibliografia

DGFV (2004). O impacto do reconhecimento e certificação de competências adquiridas ao longo da vida. Lisboa: DGFV.
Educação e Formação de Adultos – a caminho do empowerment comunitário
GOMES, I. P., COIMBRA, J. L. & MENEZES, I. FRAGOSO, A. (2005).
MTSS/ME (2006). Novas Oportunidades. Aprender Compensa. Lisboa: MTSS/ME.
SPREITZER, G. M. (1995). Psychological empowerment in the workplace: dimensions, measurement and validation. Academy of Management Journal, 38, 5, 1442-1465.
VOGT, D. S., KING, D. W. & KING, L. A. (2004). Focus groups in psychological assessment: enhancing content validity by consulting members of the target population. Psychological Assessment, 16, 3, 231-243.
XV Colóquio AFIRSE – Complexidade: um novo paradigma para investigar e intervir em educação?
ZIMMERMAN, M. A. (1995). Psychological empowerment: issues and illustrations. American Journal of Community Psychology, 23, 5, 581-599.
ZIMMERMAN, M. A., (2000). Empowerment theory. Psychological, organizational and community levels of analysis. In J. Rappaport & E. Seidman (Eds.), Handbook of Community Psychology. 43-63. New York: Kluwer Academic/Plenum Publishers.
http://www.proformar.org/.

Liliana Bártolo
Portugal: www.caminha2000.com (Link Cidadania)

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