domingo, 28 de outubro de 2012

Felicidade Social


A complexidade da sociedade exige, de qualquer cidadão, uma capacidade praticamente ilimitada para se adaptar às inúmeras situações que, não só ao longo da vida, mas também num só dia, se apresentam. O poder de flexibilização de comportamentos, dentro dos limites da dignidade, dos princípios, dos valores e dos sentimentos, será tão necessário como o cumprimento das mais elementares normas sociais, consuetudinárias e jurídicas.
Sobrevier numa sociedade onde diversos ”valores” começam a crescer com muita força: sofisticação, aparência, soberba, domínio, irresponsabilidade, hipocrisia, deslealdade, manipulação, entre muitos outros – faz todo o sentido que as gerações mais velhas se esforcem por compreender as alterações rápidas que tais “valores” implicam no relacionamento uns com os outros, porque: «A predisposição natural para nos relacionarmos, alimenta o motor da sobrevivência, contribui para a vontade de viver e faz parte de um instinto de conservação. A nossa capacidade para criar e manter laços de afeto é inata.» (MARCOS, 2011:57).
O relacionamento interpessoal, digno, verdadeiro, coerente, assertivo e leal, genericamente considerado, é praticamente impossível, admitindo-se, contudo, a sua possibilidade entre pessoas que pautam as suas relações pelo respeito, pela reciprocidade e que entre elas exista um sentimento de sincera e incondicional amizade, que estão sempre ao lado umas das outras, em permanente defesa da honra, da reputação, com solidariedade e mutualidade.
Uma sociedade como a acima descrita poderá parecer uma utopia, pelo menos na sua análise total. O mundo dos humanos e dos restantes seres nunca foi pacífico, nem coerente e muito menos alguma vez foi perfeito, isto é sobejamente conhecido. Mas o que é que tem sido feito para se alterar as situações mais degradantes que têm afetado a pessoa humana.
Claro que há conjunturas que o homem não prevê, e se prevê não evita parte das consequências, quantas vezes, catastróficas para grandes aglomerados populacionais – sismos, vulcões, tsunamis, tempestades, furacões e outros fenómenos devastadores que a Natureza desencadeia, sem “pedir licença” a ninguém.
Mas no que ao homem pertence fazer, o que é que ele tem resolvido para evitar guerras, fome, criminalidade, injustiças, para além de outras misérias como a prostituição, a pedofilia, o tráfico de menores, a droga, a comercialização de armas? Que sociedade é esta que tendo entrado na segunda década do século XXI, parece que caminha para a pobreza extrema, a vários níveis, principalmente axiológicos e materiais?
Os detentores dos vários poderes: político, económico, financeiro, empresarial, mercantilista e religioso que mandam e, alguns dos quais até subjugam o mundo, sem dó nem piedade. A especulação e agiotagem desenfreadas bem como todo um conjunto de práticas inadequadas, vêm conduzindo os povos à mais degradante situação que um ser humano jamais deveria chegar, porque todos têm direito à saúde, ao trabalho, à constituição de família com dignidade, à velhice confortável e respeitável, à tranquilidade e à paz.
É evidente que a responsabilidade poderá ser um pouco de todos, mas é, seguramente, na sua maior parte, dos detentores dos diversos poderes, os quais deveriam ter a sensibilidade social e a formação técnico-científica para resolverem os problemas existentes, e evitar que surjam novas situações prejudiciais ao bem-comum. É, também, uma questão de consciência moral bem formada e de boa vontade. No fundo é um problema de cidadania.
Jamais haverá paz no mundo enquanto não forem repostas as condições mínimas da dignidade humana que, como já foi referido, passam, integralmente, pela manutenção dos mais elementares direitos de sobrevivência da pessoa humana. É injusto e imoral retirar direitos a quem já os tinha e para os quais contribuiu uma vida inteira e muito mais imerecido não alargar tais direitos à totalidade da população.
Na verdade: «Praticar a paz, fazer a paz viver dentro de nós é cultivar ativamente a compreensão, o amor e a compaixão, mesmo em situações de confusão e conflito.» (HANH, 2004:8). Acrescenta-se que tais sentimentos e comportamentos, partindo de uma pessoa e/ou grupo, terão de ser aceites e correspondidos pela outra pessoa e/ou grupo, porque a reciprocidade é fundamental para o sucesso da felicidade humana.
A sociedade atual corre, freneticamente, em busca de tudo (e de nada). Os “valores” do “Ter”, sobrepõem-se aos do “Ser” pessoa verdadeiramente humana. Procura-se o caminho mais curto, mais fácil, sem nenhum obstáculo que impeça a maior velocidade possível para se chegar primeiro ao alvo, não importando os meios, desde que os fins sejam alcançados.
O mundo como que parece que “foge”, que vai acabar amanhã, criando uma mentalidade do “máximo rendimento para o mínimo de esforço”. Mas, apesar de tantas dificuldades, de inúmeras situações de injustiças, da existência de extremos radicalizados, ainda será possível tentar-se, ao longo das gerações, presente e vindouras, alterar, significativamente, o contexto global em que vive a humanidade, proporcionando a todas as pessoas o que de mais elementar elas necessitam: saúde, trabalho, educação/formação, habitação, lazer, segurança na velhice, paz, tranquilidade e felicidade.
Bem se sabe que alguns dos valores agora enunciados são relativamente subjetivos: paz e felicidade podem diferir em função da condição social, política, religiosa, profissional, eventualmente, entre outras. Em todo o caso, é necessário que os responsáveis pelos diversos setores de atividade, avancem com medidas concretas, a bem de objetivos verdadeiramente humanistas.
Ninguém, nenhum grupo, nenhuma comunidade e nenhum país se pode fechar na sua “redoma”, porque a globalização, em quase todos os domínios, é um facto irreversível, portanto, o poder de resiliência de todos em geral e de cada um em particular é fundamental para, paralelamente, se mudar, para melhor, a atual sociedade.
Provavelmente, começar a mudança pela educação/formação será uma estratégia que em poucas décadas contribuirá para alterar mentalidades, práticas e respetivos resultados. Talvez, e para começar, seja pertinente implementar um conceito simples de “Felicidade Social”, seguida das respetivas boas-práticas, delimitando-se, então, este interessante conceito: «Aqui considera-se que todos os seres humanos são iguais, não importado a cor, a etnia, raça, credo, religião, nível social, cultura, poder económico, cargo político, fama, origem, aspeto físico, capacidade ou habilidade. (…). A felicidade social é a expressão máxima na saúde relacional social, pois eleva-se acima das restantes felicidades. Tolerância, solidariedade, compaixão, sabedoria e não-violência fazem parte da felicidade social.» (TIBA, 2002:72)
É evidente que neste período conturbado da História da Humanidade se torna, para já, muito difícil, interiorizar este conceito de “Felicidade Social”, e ainda mais complexo implementar e exercitar, cada pessoa em particular e a sociedade em geral, para as práticas necessárias em ordem a viver-se com “Felicidade Social”, porém, esta felicidade, há que o reconhecer, também inclui outros tipos como as felicidades: egoísta, familiar, comunitária, igualmente, entre outras possíveis.
Independentemente do tipo de sociedade em que se deseje viver, dos seus conteúdos, dos seus valores, práticas e objetivos, há dimensões da pessoa humana que são essenciais para uma sociedade moderna, justa e feliz.
Há princípios, valores e sentimentos que não podem ser ignorados, sob pena de a pessoa se transformar num animal qualquer, ou num simples objeto que, depois de utilizado, se atira para o lixo ou, na melhor das hipóteses, faz-se a sua “reciclagem”.
Deve-se, portanto, caminhar para uma sociedade de regras, de princípios, de valores, de sentimentos, numa perspectiva altruísta, em que o bem seja praticado, reconhecido e retribuído, sempre com mais e melhor qualidade e rigor, numa sociedade governada por pessoas sensíveis à dignidade humana, bem-formadas, ética e moralmente, com experiência, em suma, pessoas sábias e humildes, porque assim se chegará à “Felicidade Social”.

Bibliografia

HANH, Thich Nhat, (2004). Criar a Verdadeira Paz. Cascais : Pergaminho
MARCOS, Luís Rojas, (2011). Superar a Adversidade, O Poder da Resiliência. Trad. Maria Mateus. Lisboa: Grupo Planeta.
TIBA, Içami, (2003). Quem Ama, Educa! Lisboa: Pergaminho.
 
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Portugal: www.caminha2000.com (Link Cidadania)

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