domingo, 27 de janeiro de 2013

As Cartas de Schiller sobre a Educação Estética


O autor das “Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade”, transmite, nesta sua obra, um depoimento da sua própria vivência e inteligência, dando forma à sua interpretação do mundo humano, apontando o rumo para uma nova humanidade, através de um estado estético que ele designou por “Terceiro Caráter”.
Schiller mostra inequivocamente o seu entusiasmo pelo belo e pela arte, que ele relaciona intimamente com a felicidade e com a política, defendendo a posse da cultura pelo homem, já que só ela o pode encher na sua totalidade e, assim, se enobrecendo, atingirá a liberdade plena, em êxtase de maravilha estética. Schiller considera que a necessidade material é um mal social, que destrói, sistematicamente, os povos e a sua liberdade, pelo que a sua ascensão ao mundo das ideias e à razão levá-los-ia a abandonar a realidade objectiva.
Ele defende que é necessário conseguir-se a harmonia dos indistintos e das forças, que congregam a totalidade do carácter, por isso, entende que a liberdade provém da cultura estética, que existe pela união do impulso objectivo e do impulso formal, na unidade das ideias, que tem a sua base no impulso do jogo do homem, que o leva assim a tornar-se homem completo pela união da razão e da sensibilidade.
Nas suas primeiras cartas é aglutinante o tratamento de uma certa filosofia de estado, o qual é para Schiller aquele em que o homem é natureza, interessando o estado que insere o homem como um ser moral. É pela mediação entre estes dois estados que surge o Estado Estético que provém da transformação do homem físico em homem moral, através do “Terceiro Caráter”.
É interessante sublinhar que neste último estado, admitido por Schiller, o comportamento moral é natureza e os impulsos naturais concordam com a razão. O autor pretende que o estado deve ter como objectivo fundamental a unidade, não desprezando, no entanto, a multiplicidade, devendo procurar estabelecer um reino de moral, sem marginalizar o reino sensível dos indivíduos singulares.
Nas suas Cartas Schiller critica fortemente a sociedade do seu tempo e, apesar de ter sido galardoado pela posição assumida antes da Revolução Francesa, não acolheu com entusiasmo os factos políticos, passados na altura.
É duro nas suas considerações relativamente aos antagonismos que geram conflitos. Enaltece o homem grego e o seu ideal, encontrando nele um conjunto de virtudes perfeitamente contrastantes com o homem da sua época, que está alienado e fragmentado na sua individualidade pessoal.
Todavia, considera esta fragmentação como o meio adequado para a evolução da espécie, sendo pelo equilíbrio que a felicidade se obtém, propondo que não nos devemos considerar degraus para aproveitamento de gerações futuras porque são de sacrifício.
Acredita que o estado que chama de atual não pode remediar os males que causou nem que o estado ideal possa gerar uma humanidade de moralmente perfeita, pois é esta que deve criar o Estado Ideal. O estado deve abandonar por completo o barbarismo, a conflituosidade, padrões de perda do valor humano, procurando melhorá-lo pela sublimação do poder estético, pela Arte. O mesmo Estado deve exaltar o artista, atribuindo-lhe o estatuto de guia de certo grau de espiritualidade, que atinja o Bem e a Verdade, através da Beleza.
O idealista não pretende a comunhão do espírito e da matéria, mas sim a separação da ideia da realidade. Na opinião do autor, são a brutalidade física do selvagem e a decadência do bárbaro culto, que sufocam a beleza. Para Schiller, a pessoa e o Estado são conceitos formativos da natureza humana, aos quais correspondem dois impulsos fundamentais: o impulso material ou objetivo e o formal ou subjetivo.
O impulso material vem dos sentidos que o converte em matéria, e é através dele que despertam as atitudes da humanidade que não se completam; o impulso formal provém da natureza racional do homem, e que o leva à liberdade, ajudando-o a afirmar-se como pessoa e a libertá-lo do quotidiano, fazendo com que ele ascenda a uma vida superior.
No impulso do jogo, a Beleza completa o homem pela união da sensibilidade e da razão. No fenómeno, o belo é a forma viva e a beleza transforma-se em liberdade. Para se obter o equilíbrio entre o impulso sensível e o formal é necessário que atue o impulso lúdico, o qual dá ao homem a liberdade ao emancipar-se do natural e da razão.
Se tal impulso se desfaz, resultam duas classes de beleza: se a preponderância é da matéria verifica-se uma beleza melodiosa; se é a forma que predomina, há uma beleza enérgica. Com a perda do equilíbrio o homem também perde a liberdade, pois de um impulso fundamental se torna imperativo, o homem sente-se coagido, violentado, porque a sua liberdade só existe na atuação conjunta das suas duas naturezas.
O estado estético é o intermédio a esse equilíbrio, porque nele atuam conjuntamente a sensibilidade e a razão, ou seja, a Beleza. Para Schiller, não é possível atingir-se a liberdade sem se enveredar elo estético, através da beleza, porque só a Estética nos conduz ao infinito, ao absoluto. É a Beleza que estabelece a totalidade do humanismo e, nesse sentido, só a educação estética pode dar à humanidade, qualquer que seja o tipo de sociedade, a harmonia de que precisa e da qual o indivíduo é o seu suporte.
É a Beleza que une a sociedade, porque ela diz respeito a todos. Sob o aspecto político a liberdade e a igualdade não provem um estado, como o resultado da Revolução Francesa, acrescentando na última carta que no estado estético cada um é um cidadão livre.
Parece existir na obra de Schiller uma convergência especulativa da poesia e da moral, na qual o seu ideal estético pode ser considerado como estrutura necessária ao estabelecimento de uma sociedade política, onde a natureza humana deveria conter no seu seio o “Homem Estético”, isto é, aquele que se pode tornar, ele mesmo, numa obra de arte, em forma viva, em “bela alma”.
O homem deveria elevar-se do meio físico, que o procura escravizar, ao estado lúdico em que ele é soberano e coincidente no seu todo. Ao desligar-se da realidade e ao não subjugar-se aos seus efeitos, conquista a liberdade pela arte, subindo a um Olimpo de Virtudes.
Da obra de Schiller deduz-se que a arte possui um estatuto normativo ideal, que culmina as suas manifestações espirituais numa oposição à matéria destruidora da liberdade. Para se ser livre, basta sê-lo espiritualmente e, por isso, nem as cadeias que limitam a acção do homem físico, nem as regras de um Estado organizado prejudicam a liberdade de que um homem pode constantemente usufruir.
O homem deverá inverter o seu sentido final, colocando-se ao seu próprio serviço e retirando-se toda a carga negativa com que contamina qualquer comunidade, mais ou menos predisposta a uma idolatria e, distanciando tal contexto, ao homem surge uma liberdade que não é só dele, mas também de todos quantos inspirados pela natureza, desta conseguindo obter, por representação, uma obra de arte.
E não será só o artista que o consegue, pois o homem comum é, também, agente, embora quase inconsciente da beleza que o toma, o seu próprio corpo é uma exteriorização da beleza, uma obra de arte, conforme afirma Schiller, só que, quando mergulhado nas massas humildes e brutais perde o seu valor estético. O prazer estético estará assim naufragado num mar revolto de consciências anormais, e quanto seria benéfico para o homem conseguir energia de tal tempestade, dignificando o seu comportamento pelo abraçar do “Terceiro Caráter”.
O Estado deve estar subordinado aos ditames da moral, criando-se através do estético uma civilização ideal. É necessária uma maior humanidade, não resultante de guerras ou revoluções anárquicas, mas conseguida pela força da Moral. Schiller indica o rumo para tal, pela “Educação Estética”, talvez utópica, mas premente num mundo pleno de contradições e de desgraças, não obstante os progressos da técnica, bastando que o homem seja capaz de pôr à prova e ao seu serviço todos os dons que Deus lhe deu.
As “Cartas” de Schiller são uma obra filosófica e a arte foi a primeira exteriorização cultural do homem. A Estética é um caminho que nos conduz a uma felicidade moral, a uma compreensão da humanidade, a uma intersubjetividade tolerante.

Bibliografia
 
DUCASSÉ, P., (s.d.). As Grandes Correntes da Filosofia. 5ª Ed. Lisboa: Publicações Europa-América
HADJINICOLAOO, N., (1978). História das Artes e Movimentos Sociais. Lisboa: Edições 70
MARCUSE, H., (s.d.). A Dimensão Estética. Lisboa: Edições 70
PLAZAOLA, Juan, (1973). Introdución a la Estética. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos
SCHILLER, Johann Christoph Friedrich von, (s.d.). Cartas Sobre a Educação Estética da Humanidade. Buenos Aires: Ed. Aguilar. 
 
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo 
 
Portugal: www.caminha2000.com (Link Cidadania)

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