domingo, 3 de janeiro de 2016

Direitos Humanos, Ciência e Paz


O direito à paz constitui um dos direitos da chamada terceira geração, segundo a estrutura que é estabelecida, tais como outros direitos, por exemplo, ecológicos, parece-me, contudo, cada vez mais um objetivo, importante e necessário a salvaguardar, não fossem os inúmeros conflitos regionais de guerra declarada ou latente, seja por motivos políticos, seja por razões de ordem económica, estratégica ou religiosa.
A “Instituição da Guerra” apresenta-se-nos como uma ordem de magnitude que transcende qualquer agressor – a vítima particular -, na medida em que faz mais sentido responsabilizar um país por uma agressão sobre outro do que imputar culpas a indivíduos isolados, além de que existe, obviamente, violência estrutural no sentido em que danos não intencionais são infligidos, frequentemente, a indivíduos ou países em todo o mundo, porque o opressor está incrustado nas estruturas, com culturas que não deixam outras alternativas.
A agressão é provocada e algumas das causas são estruturais, outras culturais: o colonialismo é uma dessas estruturas que ligam a colónia ao poder colonial, de tal forma que aquela pode revoltar-se para se libertar. Ora, o caminho para a paz passa, necessariamente, por resoluções imaginativas dos conflitos, o que pode significar a transformação de algumas estruturas através da substituição de culturas de violência por mecanismos de apoio ao desenvolvimento sociocultural, científico e económico dos povos até então oprimidos.
O homem tem o dever de procurar e construir um mundo melhor, porque: «o direito de viver em paz também pode ser interpretado como o direito de não ser vítima da agressão. Mas se assumirmos que a agressão não é aleatória mas causada por factores estruturais e culturais entre e dentro dos actores, então o direito de viver em paz é o direito de viver num cenário social (...) onde se faz qualquer coisa sobre factores e não só sobre actores (...).» (POPPER, 1992:213).
A construção de um mundo melhor, no sentido de promover e preservar a paz, quaisquer que sejam os conceitos deste valor inestimável (mesmo o mais rudimentar, como aquele que define paz como ausência de guerra), passa, certamente, pelo conhecimento dos valores universais constantes na Declaração Universal dos Direitos do Homem e dos instrumentos legais, técnicos e científicos para os defender, porque, desde logo, é necessário, combater o irracionalismo que tanto parece estar na moda, sendo certo que atitudes irracionais, não se fundamentam na observância dos direitos humanos e, mesmo aceitando que todo o conhecimento humano é falível, incerto, também não é menos verdade que o conhecimento é uma procura de verdade, de teorias explicativas e, objetivamente verdadeiras.
Neste contexto, não nos é difícil compreender que qualquer violação dos direitos humanos constitui um erro grave, contudo: «combater a falha, o erro, significa pois, procurar uma verdade mais objectiva e fazer tudo para detectar e eliminar tudo o que é falso. (...) Ao reconhecermos a falibilidade do conhecimento humano, reconhecemos, simultaneamente, que nunca podemos estar completamente seguros de não termos cometido algum erro.” (Ibid.:18).
A prática de deveres que conduzem a soluções pacíficas de conflitos humanos, naturalmente que carece de profundos conhecimentos ético-morais, de cidadania, de saber-ser e saber-estar no mundo com os outros, numa permanente postura de tolerância e responsabilidade intelectual e, quantas vezes, na nossa tolerância e humanidade, somos objetos da intolerância e da desumanidade de outros.
Infelizmente o número de casos não para de aumentar: campos de concentração, assassinatos, violação de mulheres e crianças, deportações, migrações em condições infra-humanas, enfim, destinos terríveis, horrores que ainda sentimos, seres humanos, homens, mulheres, crianças, idosos, são vítimas de outros seres humanos, cuja motivação e objetivos são muito discutíveis.
O homem intelectual, culto e responsável, tem hoje, mais do que no passado, o dever inalienável de rejeitar o relativismo radical, na medida em que há valores que jamais se podem mensurar: Deus, verdade, bem, justiça, paz, liberdade e tantos outros, aliás, parece-me que as posições radicais, não conduzem, geralmente, a soluções equilibradas, afigurando-se do mais elementar bom senso, optar por atitudes moderadas.
Tal como nos diz Popper: «O pluralismo crítico apresenta uma posição de acordo com a qual, no interesse da verdade, cada teoria - e quanto mais teorias tanto melhor - deve ser posta em plano de concorrência com as demais. Esta concorrência consiste na discussão racional: isto significa que o que está em causa é a verdade das teorias concorrentes. Aquela teoria, que na discussão crítica parecer aproximar-se mais da verdade é a melhor e a melhor teoria prevalece sobre as menos boas. O mesmo se passa com a verdade.” (Ibid.:178).
A Paz constrói-se, seguramente, a partir de um conhecimento cada vez mais profundo das realidades humanas e, todas as ciências serão poucas, todos os cientistas e intelectuais, não serão suficientes para prosseguirem na busca de um mundo melhor, no sentido não apenas de ausência de guerra, mas também e, principalmente, no que respeita ao dever do cumprimento dos direitos humanos, sejam estes individuais ou coletivos, pelo que, de facto, urge cada vez mais debruçarmo-nos sobre o que as ciências cognitivas podem fazer por um mundo em efervescência. Afinal, onde é que está localizado, no cérebro humano o “bom - senso”?
Poder-se-á colocar aqui, também, a questão da vontade e liberdade suficientes para resolvermos a deprimente situação da violação dos direitos humanos? Será que, também aqui, o homem está determinado por circunstâncias que não controla nem domina? Ou, pelo contrário, tem o homem a capacidade para alterar alguma coisa?
Porque, conforme escreve SEARLE: «A liberdade humana é precisamente, um facto de experiência. Se desejar alguma prova empírica de tal facto, podemos sem mais aludir à possibilidade que sempre nos cabe de falsificar quaisquer predições que alguém possa ter feito acerca do nosso comportamento. Se alguém prediz que eu vou fazer alguma coisa, posso muito bem não fazer essa coisa.» (1987:107). Nesta linha, o autor prossegue, mais adiante, afirmando o seguinte: «A ciência não deixa espaço para a liberdade da vontade (...). Por outro lado, somos incapazes de abandonar a crença na liberdade da vontade.» (1987:113).
A liberdade da vontade não depende, portanto, do determinismo porque, de acordo com o raciocínio de SEARLE: «A forma de determinismo que em última análise é incómoda não é o determinismo psicológico. A ideia de que os nossos estados da mente são suficientes para determinar tudo o que fazemos é provavelmente falsa. (...) Se a liberdade é uma ilusão, porque é que é uma ilusão que, aparentemente, somos incapazes de abandonar? A primeira coisa a observar a propósito da liberdade humana é que ela está essencialmente ligada à consciência.
Apenas atribuímos liberdade aos seres conscientes. (...) a maior parte dos filósofos pensam que a convicção da liberdade humana está essencialmente ligada ao processo da decisão racional. (...) A experiência característica que nos dá a convicção da liberdade humana, e é uma experiência da qual somos incapazes de arrancar a convicção da liberdade, é a experiência de nos empenharmos em acções voluntárias e intencionais. (...) É esta experiência a pedra basilar da nossa crença na liberdade da vontade (...)» porque: «No comportamento normal cada coisa que fazemos suscita a convicção válida ou inválida de que poderíamos fazer alguma coisa mais, aqui e agora, isto é, permanecendo idênticas todas as outras condições», donde e concluindo: «... a evolução deu-nos uma forma de experiência da acção voluntária onde a experiência da liberdade, isto é, a experiência do sentido de possibilidades alternativas, está inserida na genuína estrutura do comportamento humano, consciente e intencional.» (cf. 1987:114-120)
Penso ser legítimo e correto afirmar que a construção de um mundo de paz, depende muito mais do homem, que na sua liberdade de vontade, não sujeita ao determinismo absoluto, pode voluntária e intencionalmente criar as condições, através das ações concretas, para um entendimento global, naturalmente que tal intencionalidade pressupõe abdicar de interesses diversos que possam colidir com a arquitetura de uma paz duradoira, num mundo moderno, solidário e fraterno, onde todos os homens tenham uma oportunidade de cooperar mutuamente.
A Filosofia, atualmente, tem vindo a encontrar sérios obstáculos, quanto à tradicional e milenar importância que vinha mantendo, face ao avanço das ciências em geral e das ciências cognitivas em particular. As ciências da cognição, não só se apresentam como um novo género epistemológico, como também reivindicam para o seu objeto de estudo aqueles problemas que abordam as questões antropológicas, tradicionalmente características das análises filosóficas e teológicas.
Mas, entretanto e no tema que nos interessa aqui abordar, o que se pergunta é como é que as ciências cognitivas podem auxiliar a humanidade para o cumprimento integral dos Direitos do Homem? Uma abordagem antropológica em que a categoria “relação” assuma a importância fundamental, não a relação Homem - Deus, porque esta é inevitável para todo o homem crente e, mesmo o não-crente, em situações-limite, também procura relacionar-se com o Transcendente.
Analogicamente, emerge como um imperativo categórico, implementar uma praxis relacional, homem-a-homem, aliás, «torna-se necessário ter em conta que todo o discurso humano, quer o discurso bíblico, quer o discurso filosófico-teológico, quer igualmente o discurso científico, não podem deixar de recorrer a modelos e analogias. Por, consequente, falar de uma ou mais antologias que constituam como que a “ossatura” de uma “antropologia integral”, filosófica, teológica e científica, não pode deixar de significar falar de ontologias elaboradas em contextos de determinados modelos de saber em vários domínios...» (DINIS, 1998:587).
Nesta “lógica” e sob o princípio e convicção da fé, sabemos que: «Deus chama todo o homem (...). É evidente que esta chamada pessoal de comunhão (...) torna-se possível pela existência de uma determinada estrutura psicofísica (...). Tenha-se além disso presente que este chamamento divino determina o substrato criatural profundo do homem, fá-lo ser aquilo que é. A transcendência do homem sobre o meramente mundano, a sua capacidade de superar os condicionalismos deste mundo, bem como a sua “imortalidade”, derivam portanto do facto deste chamamento à comunhão com Deus (...). O ser pessoal do homem, pressuposta a sua constituição psicossomática está constituído por esta possibilidade que se lhe oferece de entrar em comunhão com Deus.» (Ibid.:588).
Desenvolvendo aquele modelo e transferindo a relação Deus-Homem para Homem-Homem, verifica-se que seria possível, pelo menos, e para já, tentarmos implementar este novo paradigma, porque, «Além disto, a categoria de relação recupera todo o discurso contemporâneo acerca do carácter relacional do corpo e da pessoa, não apenas no convívio social, mas também com a sua relação e todo o universo. (...) A pessoa é toda a realidade relacional que foi “construindo”, através da sua vida, da sua história pessoal, desde o momento da concepção. Esta totalidade da existência humana que é a pessoa, embora se vá desvanecendo com o tempo, sobrevive de algum modo na sua memória enquanto vive na história...» (Ibid.:590).
O cumprimento dos deveres em ordem à salvaguarda e respeito pelos direitos humanos, não poderá deixar de adaptar, na prática, um modelo idêntico ao que acabamos de descrever, para resolver a velha dualidade corpo-alma, na medida em que, se todos nós, seres humanos, nos configurarmos à imagem e semelhança de Deus-Pai, então, poderemos encontrar n’Ele, o princípio unificador e respeitador dos mais sagrados Direitos do Homem.
Não deve repugnar aos filósofos, e muito menos aos homens não-crentes, este recurso epistemológico e, agirmos uns para com os outros, em comunhão, respondermos uns aos outros quando chamados a cooperar para o bem comum da sociedade de que fazemos parte, num todo de Direitos e Deveres.
A ciência, naturalmente, vem contribuindo para que os Direitos Humanos possam ser observados, na medida em que resolve muitos problemas de natureza económica que estão na origem das violações daqueles direitos, todavia não será a única via e nesse sentido: «Em todos os tempos, o homem tem inspeccionado o seu contorno com os olhos bem abertos e uma inteligência fecunda, em todos os tempos faz descobertas incríveis e em todos os tempos podemos aprender das suas ideias.» (FEYERABEND, 1997:302).
No virar de século ou de milénio, ou, se quisermos, neste primeiro quarto do novo século XXI, não devemos temer o progresso científico, entendido como categoria antropológica, com vista à harmonização de uma convivência humana sadia e justa. As ciências, quaisquer que sejam, não podem ignorar o bem-estar da humanidade e é neste sentido que pretendo continuar a desenvolver os meus raciocínios, as minhas atitudes e comportamentos.
As definições do progresso defendidas pelos autores antes citados, revelam preocupações quanto à validade e manutenção dos paradigmas científicos que, por sua vez, se desenvolvem num ciclo vicioso de lutas entre velhos e novos paradigmas.
Em quaisquer uma daquelas perspetivas, o problema central prende-se com a ciência, entendida como progresso, revoluções científicas, aperfeiçoamentos, novas descobertas, para problemas que, elas próprias, as ciências positivas, originam, seja através do armamento, seja pela supremacia do poder Político-económico, o certo é que nem sempre se tem aproveitado as suas potencialidades para melhorar o respeito pela dignidade humana. Cada vez me parece mais pertinente a ciência antropológica, precisamente ao serviço do homem, considerado na sua dimensão última, ou seja, um ser à semelhança do seu Criador.
Quaisquer que sejam as teorias, o homem confronta-se, de facto, com um avassalador progresso científico que, por vezes, colide com valores e princípios ético-morais que são fundamentais nos direitos do homem. Um dos autores mais sensíveis a uma abordagem do progresso científico em termos culturais e axiológicos e, concretamente, éticos e antropológicos foi Paul Feyerabend.

Este autor, Feyerabend: «denuncia uma concepção de progresso científico gerador de injustiças e do domínio da cultura ocidental sobre outras culturas consideradas subdesenvolvidas.» É contra esta forma de universalismo, negador das especificidades de cada cultura que Feyerabend ergue a sua voz: «Em todo o mundo as pessoas elaboram instrumentos de sobrevivência em meios em parte perigosos.» (FEYERABEND, in DINIS, 2).

Naturalmente que não é isso que hoje pretendemos das ciências e, por força da razão, não é isso que nós, filósofos, exigimos das ciências cognitivas, na medida em que, ao exagerarmos a intervenção das ciências ditas positivas, verificamos que, algumas delas, e, concretamente os teóricos das ciências sociais, políticas e outros intervenientes actuam na sociedade e verifica-se, a propósito a seguinte passagem de FEYERABEND: «O modo como os problemas sociais, os problemas de assistência a idosos e assim por diante são resolvidos nas nossas sociedades podem, a traços largos, ser descritos nos seguintes termos: levantar-se um problema. Não se faz coisa nenhuma a seu respeito. As pessoas são afectadas. Os políticos difundem a sua preocupação daí decorrente. São convocados os especialistas. Os especialistas elaboram teorias e planos que neles se baseiam. Os grupos de pressão próximos do poder, com especialistas ao seu serviço, introduzem diversas modificações neste primeiro trabalho... (...)
Temos hoje uma situação em que as teorias sociais e psicológicas do pensamento e da acção humanos tomaram lugar deste pensamento e desta acção em si próprios. Em vez de interrogarem as pessoas implicadas numa situação problemática, os gestores do desenvolvimento, os educadores, os tecnólogos e sociólogos extraem a sua informação acerca do que essas pessoas realmente querem e precisam de estudos teóricos realizados pelos seus prezados colegas nos campos considerados relevantes. São consultados modelos abstractos e não seres humanos vivos: não é a população-alvo que decide, mas os produtores dos modelos. Os intelectuais de todo o mundo têm por adquirido que os seus modelos serão mais inteligentes, farão melhores sugestões, aprenderão mais capazmente a realidade dos seres humanos por si próprios.» (FEYERABEND, in DINIS, 2).
Esta análise Feyerabendiana, citada por DINIS, é extremamente pertinente, a situação timorense, no passado, não estaria longe deste método, onde, segundo se afirma, efetivamente o povo maubere nem sempre teria sido auscultado pelos políticos e militares, sobre o que seria melhor para a salvaguarda dos seus direitos humanos, designadamente aqueles valores que enquadraríamos, nesta fase, de segunda geração, ou seja, direitos sociais. Evidentemente que não está em causa a competência, a dedicação, o altruísmo de todos os que estão a tentar reconstruir Timor; o que importa aqui é a metodologia utilizada que não pode ser influenciada por interesses alheios aos timorenses.
Evidentemente que não há “receitas” perfeitas, nem milagrosas e o método Feyerabendiano também não o é, na medida em que a objetividade, supostamente existente nas aspirações das populações-alvo, tem de ser trabalhada, pelos homens da ciência, pelos teóricos, pensada pelos nossos filósofos, de tal forma que os dados concretos recolhidos junto das comunidades tenham em conta as suas culturas, os diálogos culturais entre culturas diferentes, conceitos e princípios diversos e até divergentes. Torna-se essencial ter em conta que o discurso antropológico vem sendo objecto de intensa mudança, as dicotomias corpo-alma, matéria-espírito, também enfrentam graves problemas.
Nesta linha de pensamento, parece-me pertinente a tese de DINIS quando nos ensina que : «... A ciência, mesmo a ciência da natureza, do universo material é, de facto, uma grande investigação acerca da humanidade. Na verdade, quando perscrutamos o espaço intergaláctico, não estamos apenas à procura de estrelas ou planetas semelhantes à Terra, ou de buracos negros ou estrelas... Estamos à procura de nós mesmos. Andamos permanentemente inquietos em busca de nós, movidos por uma inquietação talvez inconsciente, por uma inquietação que tem no mais íntimo de nós a sua nascente, naquela profundidade misteriosa como um santuário onde nem mesmo nós ousamos penetrar. E lançamo-nos então para fora de nós, à procura de nós, lá longe, muito longe, mergulhados como ébrios no infinitamente distante dos espaços siderais, ensaiando talvez os mergulhos que sonhamos no infinitamente perto que está em nós. (...) É precisamente neste sentido que entendo que toda a ciência é, ultimamente, antropologia, e que todo o progresso científico só tem sentido se for visto como uma categoria antropológica. Mas tudo isto exigirá, certamente, um novo modelo de saber.» (DINIS, III Parte)
A reflexão que antecede, conduz-nos, efetivamente, a uma posição que devemos aceitar como de grande humildade, no sentido em que, não basta haver uma Declaração Universal dos Direitos do Homem, alegadamente de matriz ocidental, se ignorarmos as tradições, as culturas, os hábitos, usos e costumes, o direito natural e consuetudinário de outros povos, noutros pontos do mundo. Quem somos nós, para criticarmos outros seres humanos, cujos valores e princípios, nós, ocidentais, preconceituosamente pretendemos negar.
A mantermos esta mentalidade, certamente a Declaração Universal dos Direitos do Homem, dever-se-ia denominar, “Declaração Ocidental dos Direitos de Alguns Povos” porque, mesmo no ocidente, existem divergências quanto à importância de certos valores, como por exemplo a vida. O direito à vida, em quaisquer circunstâncias, ainda não foi absolutamente conseguido, veja-se o que se passa em alguns Estados Norte Americanos, onde a pena de morte vigora.
Na origem dos Direitos Humanos estão alguns valores que, por sua vez, têm a sua própria fundamentação: «... a tradição ocidental que conjuga o altruísmo e o individualismo. O dualismo apresenta duas faces: uma necessária e outra convencional (...) Em sua face convencional temos as regras sociais fundamentadas nos interesses humanos. (...) O ocidente foi fundado por dois acidentes históricos, o milagre grego e o cristianismo. (...) Quanto ao cristianismo o advento de Deus na história forneceria uma resposta que, no entanto, foge ao escopo Popperiano.» (PEREIRA, 1993:173-175).
Na passagem acabada de citar é evidente uma opção pelo racionalismo, como uma opção moral, que cria os valores e se ilustra muito bem no seguinte trecho extraído da obra: A Sociedade Aberta: «Acredito que a nossa sociedade ocidental deve seu racionalismo, sua fé na unidade racional do homem e na sociedade aberta, e especialmente sua feição científica, à antiga crença socrática e cristã na fraternidade de todos os homens e na honestidade e responsabilidade intelectual.» (Ibid.:168).
Ao longo desta reflexão epistemológica, tentei abordar vários aspetos que se prendem com a necessidade de implementarmos políticas que visem o respeito pelos Direitos Humanos, a partir da análise de diversas estruturas de valores, princípios, atitudes, comportamentos e a relação destes com a ciência, passando pelas faculdades humanistas do homem, a partir da tradição grega.
Concluiria, pois, esta minha breve reflexão com o aspeto religioso na estrutura de paz, porque de facto, temos assistido ao longo dos séculos, a conflitos terríveis, alguns dos quais com base em fanatismos religiosos. Ora, como cristão que sou, penso que a minha religião tem, pelo contrário, dado, um contributo muito importante não só para a paz como também para o cumprimento dos Direitos Humanos, sejam estes de primeira, segunda ou terceira gerações.
Com efeito, a nível mundial, a Igreja Católica possui mais de 110 mil Instituições de Solidariedade Social, segundo um estudo de 1997, difundido na Televisão Portuguesa (SIC, Jornal da Tarde, 13/02/2000); por outro lado é do conhecimento público, o papel decisivo desempenhado pela Igreja Católica Timorense ao longo de 25 anos de luta de libertação do Povo Maubere, em que os mais altos dignitários da Igreja, correram inequívocos riscos de vida ao protegerem a população martirizada de Timor, com expressão relevante na atribuição do Prémio Nobel da Paz a um Bispo Católico, de língua Portuguesa: D. Carlos Ximenes Belo, a quem todos devemos prestar sincera homenagem.
Parece-me, portanto, que caberá não só às ciências ditas positivas, mas inevitavelmente e por razões da complexidade humana, às ciências do espírito conjugadas com a sabedoria filosófica, encontrar e implementar as soluções práticas para o cumprimento do dever de observância dos Direitos Humanos Universais, independentemente, embora respeitando-as, das tradições, usos, costumes, ideologias político-religiosas, e culturais de cada povo.
Haverá, certamente, valores e princípios universais que é necessário respeitar, em todo o mundo, para o que se postulam atitudes de tolerância, de interculturalismo, de solidariedade e de fraternidade e, nesse sentido, cabe-nos, também a nós filósofos, um papel de maior intervenção, consubstanciado no exercício das actividades docentes e na praxis quotidiana das diversas áreas das atividades humanas: Políticas, Religiosas, Económicas, Profissionais, Culturais, Sociais e de Lazer. O homem terá de encontrar, dentro de si, em primeiro lugar, a paz que procura e pretende estender a todo o mundo. Só quem está em paz consigo mesmo é que pode transmitir este sentimento para o exterior. A tranquilidade de consciência, certamente, facilita o diálogo, o encontro de soluções e a implementação das mesmas, em termos práticos na realidade social.


 BIBLIOGRAFIA

AMNISTIA INTERNACIONAL - SECÇÃO PORTUGUESA (1998). Relatório Anual de 1998, Revista Informação, Nº 22 (II Série), Lisboa, Secção Portuguesa
CRICK, F., (1998). A Hipótese Espantosa. Lisboa: Instituto Piaget
DINIS, A., (1998). Implicações de Desenvolvimento em Biologia e Ciências Cognitivas, in Revista Portuguesa de Filosofia, Tomo LIV, Braga, Fascs. 3-4
DINIS, A., (s.d.) O Progresso Científico como Categoria Antropológica, (Apontamentos), Faculdade Filosofia de Braga, S.A.
FEYERABEND, Paul, (1997). Tratado contra el Método, Terceira Edicion, Tecnos, Madrid,
GALTUNJ, Johan, (1994). Direitos Humanos: Uma Nova Perspectiva, Lisboa: Instituto Piaget,
HAARSCHER, Guy, (1983). A Filosofia dos Direitos do Homem, Lisboa: Instituto Piaget,
KÜNG, Hans, (1990). Projecto para Uma Ética Mundial, Lisboa: Instituto Piaget
MOURGEON, Jacques, (1982). Os Direitos do Homem, Mem Martins: Publicações Europa
ONU-ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, (1948). Declaração Universal dos Direitos Humanos
PEREIRA, J. C. R., (1993). Epistemologia e Liberalismo, (Uma Introdução à Filosofia de Karl R. Popper), Rio Grande do Sul: Pontifícia Universidade Católica; Porto Alegre: EDIPUCRS,
POPPER, Karl R, (1992). Em Busca de um Mundo Melhor, 3a ed. Trad. Teresa Curvelo. Lisboa: Editorial Fragmentos.
SEARLE, J., (1987). Mente, Cérebro e Ciência, Lisboa: Edições 70

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Telefone: 00351 936 400 689


Imprensa Escrita Local:
 

Jornal: “O Caminhense”
Jornal: “Terra e Mar”

 
Portugal: http://www.caminha2000.com (Link’s Cidadania e Tribuna)

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