O significado da retórica vai ser aqui utilizado:
primeiro, no seu sentido pejorativo, mais corrupto e, portanto, pode ser usado
pelo músico, pelo escultor, pelo escritor, quando as suas artes são menos
sinceras, mais pretensiosas.
A Retórica é, portanto, uma forma de expressão,
diferente da expressão vital, e da expressão mística, a arte-pela-arte, segundo
alguns, expressão retórica, defende RÉGIO, que considera: «Produto de um esforço e de um talento desacompanhados da necessária
riqueza humana, vital, do sujeito.» (1980:51).
Há quem pense que o cultor da retórica é complicado,
enfático e falso, ao contrário do verdadeiro artista, por isso, dizem, a
expressão retórica é tão excessiva quanto deficiente, facto que face às suas
produções nos leva, facilmente, a distinguir o fundo e a forma, o poeta e o
artista.
Qualquer obra de arte denota as suas insuficiências
e desequilíbrios, a partir da distinção entre fundo e forma, porque a obra de
arte é exatamente uma síntese, uma unificação, uma solução do problema, posto
por tal dualidade, isto é, uma solução que se baste e nos basta, ou seja, a “arte-pela-arte”, mas, a expressão
retórica não chega, e por isso ela é insuficiente para ser arte, porque o que
opõe a expressão artística à expressão retórica é que: aquela basta-se; e esta
não, e o que permite aquela bastar-se é a sua dificuldade real de distinção
entre fundo e forma, é ser ela uma unificação, uma síntese.
A dificuldade de distinção gera o equilíbrio, a
correspondência profunda no criador de uma expressão vital, e uma expressão
artística. A Retórica resulta da aspiração a grande artista do homem médio, o
qual vai gerar a expressão Retórica que, por sua vez, vai simular a expressão
artística, afigurando-se pobre e banal a experiência destes homens, logo, o seu
fundo será, necessariamente, insuficiente, o desequilíbrio interno evidente,
nítida a distinção entre fundo e forma.
Não poderemos exigir arte a quem não tem uma expressão
vital individual, não deveremos exigir romances épicos da vida coletiva a um
psicólogo do individual, porque de contrário teremos a falsidade da arte,
expressão retórica, simulação daquela arte humana, que só a verdadeira arte
pode dar.
Finalmente, a palavra retórica tomada no seu sentido
mais puro, referir-se-á aos documentos que, não sendo arte, tão-pouco o
pretendem ser, tais como compêndios de ensino, uma cópia fiel de qualquer
quadro célebre, uma reprodução escultórica, poderão ser exemplos de expressão
retórica no melhor sentido e, alargado o significado do vocábulo a ramos de
arte, que não só a palavra escrita ou falada.
Os três aspetos da expressão – vital, mística e
retórica – todos coexistentes numa mesma sociedade, em nada se podem equiparar
à expressão artística, porque: ou ficam aquém, ou além, ou pretendem e não
conseguem essa mesma expressão artística.
A expressão artística é, então, uma intenção
profunda e jogo, imitação aparente e transfiguração do real. Sendo movimentos,
sons, palavras, linhas, cores, volumes, a arte é um jogo que nos agrada
enquanto desperta o bom gosto, o lindo, o formoso, enfim, o belo, segundo a
formação íntima do recetor dessa obra de arte, ou seja, ser dotado de uma
expressão vital profunda, embora o senso de obra de arte esteja reduzido ao
mínimo, ou, pelo contrário, ser o apreciador da obra de arte um intelectual,
alheio às vivências da vida, mas profundamente culto nas questões do teatro, um
fino especialista nessa arte.
Assim: para o primeiro espetador, impõem-se os aspetos
referentes à expressão vital, que se relaciona com a intenção profunda da arte,
de fixação e comunicação; enquanto que, ao segundo espetador, pelo contrário,
impõem-se os pormenores que, sendo jogo, opera sobre a realidade imitada, uma
transfiguração do real, portanto, a arte é: intenção profunda e jogo; imitação
e transfiguração do real; premeditação logo, na sua criação.
A arte não é um bloco hermético, uno e individual,
mas pelo contrário, é uma multiplicidade de combinações, que no seu conjunto
formam a totalidade do ser interior, cada ramo de arte há-de contribuir para o
todo que é a arte, segundo o fim que o artista se propõe focar e comunicar.
Mas a arte tanto serve para enaltecer e divulgar a
dignidade humana, pois ela é um produto do homem; como também é utilizada para
fins específicos doutras atividades e: «seriam
simplesmente ridículos a não serem perigosos por usarem de todos os meios,
incluindo a violência e a difamação, quaisquer pretensões à imposição de
qualquer vontade externa a vontade involuntária do artista criador.»
(Ibid.:72).
A expressão artística é mediata, indireta, joga com
elementos de vária ordem, implica escolha e é profundamente tendenciosa, porque
se propõe fixar e comunicar; pelo contrário, a expressão mística é constituída
pelas experiências incomunicáveis, inexprimíveis, silêncio e passividade,
êxtase e inibição; por fim, existe uma outra expressão: a retórica, que
pretende ser arte, mas que devido à distinção que opera entre estilo e ideia,
forma e fundo, não chega a ser arte por insuficiente; nem chega a ser arte por
excessiva fragmentação do ser total e interior.
A verdadeira arte está na coadjuvação entre a
expressão e o expresso, em que o estilo é o homem, em que o grande artista é
aquele que tem uma vida interior profunda, rica e intensa. Toda a arte começa
por ser imitação da vida.
A terminar, poder-se-á afirmar e ainda com RÉGIO,
que a arte é: «Uma expressão
transfiguradora da mera expressão vital, um jogo em que se revelam todas as
fundas intenções do homem» mais: «Toda
a arte subentende comunicação (…) visa ao universal e ao eterno (…) a expressão
vital e as intenções profundas (…) pertencem a todos os homens, de todos os
tempos e lugares. Eis como toda a verdadeira arte é humana.» (Ibid.77-78)
Bibliografia
RÉGIO,
José, (1980). Três Ensaios sobre a Arte. Em Torno da Expressão Artística. 2ª
Ed. Porto: Brasília Editora.
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Blog
Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
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