domingo, 20 de maio de 2018

Expressão que por Insuficiência, ou Excesso, Pretende e não Atinge a Arte

O significado da retórica vai ser aqui utilizado: primeiro, no seu sentido pejorativo, mais corrupto e, portanto, pode ser usado pelo músico, pelo escultor, pelo escritor, quando as suas artes são menos sinceras, mais pretensiosas.
A Retórica é, portanto, uma forma de expressão, diferente da expressão vital, e da expressão mística, a arte-pela-arte, segundo alguns, expressão retórica, defende RÉGIO, que considera: «Produto de um esforço e de um talento desacompanhados da necessária riqueza humana, vital, do sujeito.» (1980:51).
Há quem pense que o cultor da retórica é complicado, enfático e falso, ao contrário do verdadeiro artista, por isso, dizem, a expressão retórica é tão excessiva quanto deficiente, facto que face às suas produções nos leva, facilmente, a distinguir o fundo e a forma, o poeta e o artista.
Qualquer obra de arte denota as suas insuficiências e desequilíbrios, a partir da distinção entre fundo e forma, porque a obra de arte é exatamente uma síntese, uma unificação, uma solução do problema, posto por tal dualidade, isto é, uma solução que se baste e nos basta, ou seja, a “arte-pela-arte”, mas, a expressão retórica não chega, e por isso ela é insuficiente para ser arte, porque o que opõe a expressão artística à expressão retórica é que: aquela basta-se; e esta não, e o que permite aquela bastar-se é a sua dificuldade real de distinção entre fundo e forma, é ser ela uma unificação, uma síntese.
A dificuldade de distinção gera o equilíbrio, a correspondência profunda no criador de uma expressão vital, e uma expressão artística. A Retórica resulta da aspiração a grande artista do homem médio, o qual vai gerar a expressão Retórica que, por sua vez, vai simular a expressão artística, afigurando-se pobre e banal a experiência destes homens, logo, o seu fundo será, necessariamente, insuficiente, o desequilíbrio interno evidente, nítida a distinção entre fundo e forma.
Não poderemos exigir arte a quem não tem uma expressão vital individual, não deveremos exigir romances épicos da vida coletiva a um psicólogo do individual, porque de contrário teremos a falsidade da arte, expressão retórica, simulação daquela arte humana, que só a verdadeira arte pode dar.
Finalmente, a palavra retórica tomada no seu sentido mais puro, referir-se-á aos documentos que, não sendo arte, tão-pouco o pretendem ser, tais como compêndios de ensino, uma cópia fiel de qualquer quadro célebre, uma reprodução escultórica, poderão ser exemplos de expressão retórica no melhor sentido e, alargado o significado do vocábulo a ramos de arte, que não só a palavra escrita ou falada.
Os três aspetos da expressão – vital, mística e retórica – todos coexistentes numa mesma sociedade, em nada se podem equiparar à expressão artística, porque: ou ficam aquém, ou além, ou pretendem e não conseguem essa mesma expressão artística.
A expressão artística é, então, uma intenção profunda e jogo, imitação aparente e transfiguração do real. Sendo movimentos, sons, palavras, linhas, cores, volumes, a arte é um jogo que nos agrada enquanto desperta o bom gosto, o lindo, o formoso, enfim, o belo, segundo a formação íntima do recetor dessa obra de arte, ou seja, ser dotado de uma expressão vital profunda, embora o senso de obra de arte esteja reduzido ao mínimo, ou, pelo contrário, ser o apreciador da obra de arte um intelectual, alheio às vivências da vida, mas profundamente culto nas questões do teatro, um fino especialista nessa arte.
Assim: para o primeiro espetador, impõem-se os aspetos referentes à expressão vital, que se relaciona com a intenção profunda da arte, de fixação e comunicação; enquanto que, ao segundo espetador, pelo contrário, impõem-se os pormenores que, sendo jogo, opera sobre a realidade imitada, uma transfiguração do real, portanto, a arte é: intenção profunda e jogo; imitação e transfiguração do real; premeditação logo, na sua criação.
A arte não é um bloco hermético, uno e individual, mas pelo contrário, é uma multiplicidade de combinações, que no seu conjunto formam a totalidade do ser interior, cada ramo de arte há-de contribuir para o todo que é a arte, segundo o fim que o artista se propõe focar e comunicar.
Mas a arte tanto serve para enaltecer e divulgar a dignidade humana, pois ela é um produto do homem; como também é utilizada para fins específicos doutras atividades e: «seriam simplesmente ridículos a não serem perigosos por usarem de todos os meios, incluindo a violência e a difamação, quaisquer pretensões à imposição de qualquer vontade externa a vontade involuntária do artista criador.» (Ibid.:72).
A expressão artística é mediata, indireta, joga com elementos de vária ordem, implica escolha e é profundamente tendenciosa, porque se propõe fixar e comunicar; pelo contrário, a expressão mística é constituída pelas experiências incomunicáveis, inexprimíveis, silêncio e passividade, êxtase e inibição; por fim, existe uma outra expressão: a retórica, que pretende ser arte, mas que devido à distinção que opera entre estilo e ideia, forma e fundo, não chega a ser arte por insuficiente; nem chega a ser arte por excessiva fragmentação do ser total e interior.
A verdadeira arte está na coadjuvação entre a expressão e o expresso, em que o estilo é o homem, em que o grande artista é aquele que tem uma vida interior profunda, rica e intensa. Toda a arte começa por ser imitação da vida.
A terminar, poder-se-á afirmar e ainda com RÉGIO, que a arte é: «Uma expressão transfiguradora da mera expressão vital, um jogo em que se revelam todas as fundas intenções do homem» mais: «Toda a arte subentende comunicação (…) visa ao universal e ao eterno (…) a expressão vital e as intenções profundas (…) pertencem a todos os homens, de todos os tempos e lugares. Eis como toda a verdadeira arte é humana.» (Ibid.77-78)

Bibliografia

RÉGIO, José, (1980). Três Ensaios sobre a Arte. Em Torno da Expressão Artística. 2ª Ed. Porto: Brasília Editora.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo


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