domingo, 15 de julho de 2018

A Velha Sabedoria

Muitos pensadores têm definido a Filosofia, como a “Velha Sabedoria” ao longo de mais de dois milénios. Alguns responsáveis políticos, e educadores, com maior ou menor ênfase, procuram manter esta área do saber, algumas vezes, em função das intencionalidades ideológicas dos regimes políticos, consagrando-lhe os instrumentos legais e as orientações que em cada época são mais adequados, às situações e aos regimes que as suportam.
Naturalmente que a organização curricular e seus programas, devem obedecer a uma política de educação, delineada nas suas grandes linhas, na Constituição Política do País, nas leis específicas e sua regulamentação. A Filosofia deve inserir-se, inequivocamente, em qualquer política da educação, com objetivos bem definidos e que possam conduzir o homem para as atividades reflexivas, críticas, construtivas e responsáveis, sem demagogias, nem aproveitamentos político-partidários e ideológicos.
O curso elementar de Filosofia, elaborado por A. Ribeiro da Costa e cuja segunda edição data de 1866, da qual se resumiu o capítulo consignado à Filosofia do Direito – Direito Natural, certamente teve em conta as disposições constitucionais portuguesas da época e, possivelmente, os valores e princípios que foram proclamados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 em França.
Ao longo do período compreendido entre a Revolução Francesa de 1789 e a correspondente tradução na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, do mesmo ano, e a segunda década do século XIX, ou seja, durante cerca de cem anos, Portugal procurou sempre ampliar e aperfeiçoar o seu Direito, através dos instrumentos legais ao dispor dos seus Governantes, quer ao nível constitucional, quer no âmbito educacional.
Filosofia e Direito, parecem “condenados” a complementarem-se, independentemente de setores/áreas de atividade da sociedade humana, aos quais se poderia acrescentar um outro pilar que, de resto, já vem, igualmente, da antiguidade: a Religião. Verifica-se, inclusivamente, nas Constituições Portuguesas, uma forte referência legal ao instituto da religião, ainda que, por vezes, a imparcialidade do Estado não seja uma realidade, quando defende como religião oficial a “Católica, Apostólica, Romana”, não proibindo, embora condicionando quaisquer outras, pelo menos aos estrangeiros, conforme prescreve o «Artº 26º – A Religião Católica, Apostólica, Romana continuará a ser a religião do Reino. Todas as outras religiões serão permitidas aos estrangeiros com o seu culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de Templo.» (in: PEREIRA, 1993:74)
Acontece que, pese embora o esforço para se compreender a mentalidade da época, hoje, primeiro quarto do século XXI, não é correto conceber uma tal situação discricionária, designadamente no contexto da defesa dos Direitos Humanos e, efetivamente, através do Direito, da Filosofia e da Religião, evolui-se para uma sociedade moderna, tolerante, aberta aos valores e princípios que devem reger, em harmonia, as comunidades restritas e as sociedades alargadas.
A Organização Curricular e Programas de Filosofia para o Ensino Secundário, vem na linha dos grandes Valores e Princípios Constitucionais, em matérias que de facto podem contribuir para o desanuviamento e bem-estar da humanidade, contudo, há a sensação que a Filosofia não estará a ser devidamente considerada por alguma tecnocracia reinante, na medida em que, cada vez mais, há quem valorize as ciências exatas e a técnica, em detrimento das áreas socioculturais. Isto nota-se, de uma forma privilegiada, nas Escolas Profissionais e nos debates e avaliações que nelas ocorrem.
Em todo o caso, parece oportuno e justo destacar, no âmbito deste trabalho, alguns conteúdos programáticos, do Programa de Filosofia para o Ensino Secundário: I – Unidade Inicial – A Intenção Filosófica e a Diversidade dos Saberes: Do vivido ao Pensado; O lugar da Filosofia: II- Unidade Antropológico-Axiológico - A Dinâmica do Ser Humano no Mundo; A Acção e a Questão dos Valores: A Ação Humana; Os Valores; Multiplicidade dos Campos de Valores; Situações/Problemas do Mundo Contemporâneo: Conflito de Gerações; Responsabilidade Ecológica; Busca de Felicidade; Direitos Humanos; Violência e Agressividade; Manipulação e Mass Media; III - Unidade Histórico-Problemática - A Filosofia no Tempo: O Problema da Filosofia e da sua História; Tradição e Inovação em Filosofia
Pode-se aceitar que se trata de um programa interessante, contudo, dificuldades de vária ordem, nomeadamente: carga horária insuficiente, saídas profissionais excessivamente reduzidas (praticamente, para o ensino e que não abrange todos os licenciados), demasiada tecnocracia; maior importância dada ao saber fazer em detrimento do saber-ser e saber-estar, têm contribuído para que a Filosofia em Portugal não ocupe o lugar que por mérito, tradição ancestral e necessidade lhe cabe, de direito e de facto, nas atuais sociedades contemporâneas.
Importa incluir nesta reflexão justamente o que de mais importante sugere a advertência da 2ª. Edição, feita pelo autor do compêndio que se acaba de analisar, destacando-se, a título de reforço da defesa da vitalidade filosófica, a dimensão insubstituível da formação do homem, no início de um novo milénio. Refere A. Ribeiro da Costa: «o corpo da obra encontrarão também os leitores alguns acrescentamentos, tais como, na Introdução, a doutrina relativa à utilidade e relações de Philisophia com as outras sciências, e às condições e elementos da sciência;» (bid.:1)
Depois, mais à frente, sob a epígrafe “Índole e ponto de visa superior da Philosophia”, Ribeiro da Costa, reforça, obviamente, com total autoridade, praticamente, a século e meio do tempo atual, o que se pretende defender na Filosofia, ou seja, a faculdade superior que ela encerra na condução das vidas humanas, e, invocando a necessidade da divisão das ciências, refere a dado passo: «As explicações parciais não satisfazem plenamente; de porquê em porquê o espírito humano vai subsistindo, até chegar à razão última, à unidade ao que se chama synthese. É este ponto de vista superior, esta unidade, esta explicação ou synthese mais geral dos seres, que sempre a philosophia teve por missão achar. Neste sentido, a philosophia, para nos servirmos de uma imagem, é como o espectador que do alto da montanha, abraça com a vista as diversas porções do território, que se estendem até ao horizonte, e sem distinguir a diversidade dos seus produtos e habitantes, vê distinctamente brotar a seus pés as fontes da vida, que animam e vivificam essas diversas regiões.» (Ibid.:3)
Prosseguindo na sua apresentação introdutória, o mesmo autor tenta uma definição de Filosofia, dando, então, a sua posição: «A Philosophia é a sciência que se ocupa de resolver estes três problemas (Quem sou eu? Qual é a minha origem? O porquê da minha existência, ou onde está o meu fim ou o para quê da minha existência); solução que é o ideal a que o homem aspira e do qual se aproxima incessantemente, sem poder jamais chegar à solução completa. Deste modo, a philosophia pode definir-se a sciência que procura expor a natureza, atributos e faculdades das substâncias espirituais, consideradas em si mesmas, e nas suas relações geraes com as outras substâncias.» (Ibid.:7).
Finalmente, conclui a sua introdução, resumindo da seguinte forma: «I. A Philosophia como todas as sciências, provém d’uma inclinação natural que o homem tem de procurar conhecer-se a si e ao que o rodeia; (...) VII. A philosophia é para as outras sciências como o tronco para os ramos da árvore, ou como a vida para os diversos órgãos e funções do organismo humano.» (Ibid,: 12-13).

Bibliografia

COSTA, António Ribeiro da, (1866). Curso Elementar de Philosophia. 2a Ed. Porto: Typographia de António J. S. Teixeira.


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

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