O
ponto de partida para uma vida-boa poderá estabelecer-se numa filosofia geral
de existência, através das diversas especializações filosóficas, e domínios das
ciências sociais – axiologia, ética, estética, filosofias da: educação, saúde,
trabalho; religião, antropologia, psicologia, sociologia, direito, história,
economia, entre outras áreas disciplinares que tocam aspetos sociais.
Importa,
neste receituário filosófico, para uma vida-boa, considerar as reflexões que
conduzam à idealização e implementação de projetos verdadeiramente humanistas,
porque os beneficiários diretos são os indivíduos humanos, bem como, outros
seres que coabitam com a pessoa humana.
A
ciência, a técnica, a tecnologia e seus instrumentos são condições Indispensáveis
para o sucesso das teorias e das críticas, produzidas pela reflexão filosófica,
contudo, interessa dotar cada pessoa, desde o seu nascimento à sua morte
biológica, da capacidade de pensar, livre e responsavelmente, numa perspetiva
de construção de uma sociedade moderna, confortável, tolerante, solidária,
produtiva e justa.
A
aproximação dos polos, e/ou situações antagónicas, é um processo complexo,
difícil, imprevisível nos seus resultados e moroso, mas impõe-se tentar
implementá-lo, melhorá-lo e avaliá-lo permanentemente e, em face da necessária
apreciação, corrigir se a tal houver essa carência.
Recorre-se
muito pouco e, em culturas tecnocratas, positivistas e científicas, quase nada,
aos “remédios” produzidos pela
filosofia do espírito: seja por preconceito; seja por descrença; seja ainda por
alegada superioridade e eficácia de alguns dos outros ramos do saber e da
ciência.
A
verdade, porém, é que não está provado, pelo menos ao nível da ciência e da
técnica, que a reflexão filosófica seja prejudicial à resolução de um qualquer
problema individual, ou mesmo coletivo. Pelo contrário, quantas soluções se têm
encontrado, para diversos problemas, após longas e produtivas reflexões,
discussões, críticas, contracríticas e opiniões, filosoficamente fundamentadas?
Seguramente
que em todos os domínios, quando há debate (democrático e intelectualmente
honesto), as melhores soluções aparecem, são aplicadas e os resultados obtidos,
normalmente, configuram-se como os melhores. A Filosofia poderá constituir, nos
tempos modernos, conturbados, violentos e impregnados de injustiças e de ódios,
uma forte alternativa para a resolução de conflitos pessoais, comunitários e
internacionais.
A
Filosofia não tem pretensões a um estatuto científico, possivelmente, nem haverá
benefícios com a introdução de novos conceitos ou objetivos e, reciprocamente,
a seu respeito, além de que, nem tudo o que é, alegadamente, científico e
técnico, constitui o melhor processo, para resolver determinadas situações.
Por
vezes, são os especialistas mais liberais que, perante problemas do foro mais
íntimo das pessoas, aconselham outros “caminhos”,
outras “alternativas”, porém, sem
indicar quais, porque se o fizessem, estariam a reconhecer, de alguma forma,
estatuto idêntico, ou superior aos seus.
Será
muito difícil, ou mesmo improvável, ouvir um cientista ou um técnico dos domínios
das ciências, ditas exatas, ou do positivismo materialista, sugerir uma
consulta filosófica (embora aconselhe, se for o caso, uma consulta de
psicologia, psiquiatria, sociologia, etc.), para solucionar uma situação não
estudada pelo método científico tradicional: observação, experimentação,
formulação da hipótese e verificação.
A Filosofia
Clínica, está, porém, a ganhar “terreno”, no domínio científico: «…foi criada em fins da década de 1980, pelo psicanalista
e filósofo
Lúcio Packter, no Rio Grande do
Sul. Segundo Packter, a Filosofia Clínica "direciona e elabora,
a partir da metodologia filosófica, procedimentos de diagnose e tratamento
endereçados a questões existenciais encontradas em hospitais, clínicas, escolas
e ambulatórios. Técnicas que diferem dos métodos e fundamentos da Psicologia,
da Psiquiatria
e da Psicanálise:
não existe o conceito de normalidade, de patologia; não existem concepções a
priori como ‘o homem é um ser social’, ‘o homem busca a felicidade’. Tudo parte
da historicidade da pessoa atendida, percorrendo-se desde o logicismo formal
até a epistemologia
nas questões focadas no diagnóstico dos problemas.» (PACKTER, 2001).
O
preconceito antifilosófico existe, ainda que envergonhadamente encapuzado,
precisamente por muitos daqueles que, na sua formação superior, tiveram de
estudar alguma variante da filosofia, como por exemplo: Filosofia do Direito,
Filosofia da Educação; Filosofia da Saúde; Filosofia do Ambiente; Ética e Deontologia
Profissional (Filosofia dos Deveres Profissionais), Axiologia (Filosofia dos
Valores), Filosofia Política, entre outras disciplinas.
Possivelmente
estes cientistas, técnicos, profissionais e executores, quantas vezes já terão
recorrido aos ensinamentos e à sabedoria milenar que receberam através da
disciplina de Filosofia, e suas variantes que, eventualmente, tenham
frequentado, durante o seu itinerário académico, embora, o tal preconceito da
“inutilidade” da Filosofia, leve a que nem todos os cursos beneficiem deste
ramo do saber, tão importante nos dias de hoje.
Nesta
linha de pensamento regista-se o que já se vai fazendo, por exemplo em terras
de “Vera Cruz”, a propósito da importância da Filosofia, na formação da pessoa,
como na resolução de problemas: «O
trabalho filosófico, visto em sua objetividade como o conjunto de formas de
expressão cultural e acadêmica, já tem, pois, significativo desenvolvimento no
Brasil das últimas décadas. A Filosofia entre nós já não se limita aos
escolásticos ambientes dos conventos e seminários nem às iniciativas isoladas
de pensadores positivistas. Expandiu-se em todas as instituições de ensino
públicas e privadas, nos vários graus, em cursos específicos ou integrando, sob
a forma de disciplinas filosóficas, os currículos de cursos de outras áreas do
ensino superior. Por outro lado, com a implantação do sistema de pós-graduação
no país, vários centros de pesquisa se consolidaram, muitos projectos de estudo
e de investigação filosófica foram e estão sendo desenvolvidos, contando,
inclusive, com o apoio institucional dos poderes públicos. Tudo isso tem
contribuído para que se consolidem, igualmente, uma tradição de pesquisa.» (SEVERINO,
1999: contra-capa)
O
mundo humano vive um período conturbado, onde a força das armas, dos interesses
materiais e das grandes concentrações, quaisquer que elas sejam, perturbam toda
uma humanidade que já não tem força para fazer prevalecer o diálogo racional,
moderado, apaziguador, embora se continue a acreditar numa oportunidade que possibilite
alterar o rumo que muitos dirigentes mundiais, suportados num poderio bélico,
económico, estratégico, político ou religioso, têm vindo a imprimir a partir
das suas próprias comunidades.
Tudo
funciona à volta de interesses, dos mais nobres e altruístas aos mais
inconfessáveis desígnios. Poucos dão importância ao diálogo, às soluções
pacíficas, ao pensamento dos filósofos, e às propostas que apresentam, para
ajudar a solucionar os mais complexos problemas, muitos outros rejeitam a
sabedoria dos mais velhos, a prudência dos mais experientes, alegadamente,
porque estarão desatualizados, porque são idosos e o seu tempo passou.
O resultado de todo um ostracismo à
Filosofia está à vista, e pode ser entendido por um qualquer leigo, ao qual,
porém, não se pode pedir explicações, contudo, outro tanto não acontece com
aqueles que, considerando-se especialistas de uma parte da realidade, rejeitam,
complexadamente, outras alternativas que sejam oriundas da Filosofia.
A prova, mais que científica, que a
Filosofia é necessária ao mundo e às pessoas, regista-se no elevado número de
conflitos nacionais e internacionais. O sentido do filosofar torna-se, assim,
um imperativo categórico universal porque:
«O discurso filosófico é necessariamente um discurso sobre o ser, enquanto
fundamento de todas as coisas. Na sua inquirição sobre a inteligibilidade
radical do mundo, do homem e de Deus, versa o fundamento do valor da verdade do
conhecimento e do valor da bondade da ação humana. E o fundamento de todo o
valor é o ser. (Ibid:43).
Também, numa perspetiva do ser-cidadão:
«… o ser-sujeito é o cidadão-consciente dos
seus direitos e deveres – ser que reivindica, que luta por superar a
dependência, ser responsável, capaz de compreender a cidadania como
participação social e política, ser capaz de assumir seus deveres políticos,
civis e sociais, adoptando no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação
e repúdio às injustiças…» (GONÇALVES, 1999:13).
Bibliografia
GONÇALVES, Francisca dos
Santos (Org.), (1999). Formação do ser-sujeito:
desafio à prática da cidadania, Belo Horizonte: Imprensa
Universitária/UFMG.
PACKTER, Lúcio. (2001). Filosofia Clínica: propedêutica. 3ª Ed.
Florianópolis: Garapuvu. (in: http://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia_cl%C3%ADnica).
SEVERINO, Antônio Joaquim, (1999). A Filosofia Contemporânea do
Brasil, Petrópolis: Vozes
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do NALAP - Núcleo Académico
de Letras e Artes de Portugal
Sem comentários:
Enviar um comentário