A
ditadura política, que vigorou durante quase meio século, em Portugal,
constitui um período negro da nossa História, do qual não nos devemos afastar
e, muito menos, branquear, porque conforme nos podemos orgulhar de um outro
passado de glória, através da epopeia dos Descobrimentos, da Evangelização, da
Cultura e dos valores do humanismo, levados aos quatro cantos do mundo, ainda
que tal passado “glorioso” também tenha pingos de manchas censuráveis, como a
prática da escravatura, a inquisição e outros flagelos, o saldo, apesar de tudo,
será positivo, porque também é verdade que muito foi investido nos povos
autóctones, que ao longo dos séculos fomos contactando, bem como nos seus
territórios.
A História, não sendo uma ciência exata, ela tem um
objeto de estudo, que são os factos do passado, como, igualmente, utiliza uma
metodologia específica, com recurso à investigação, análise documental,
testemunhos e todo um conjunto de bens materiais e imateriais, que fundamenta as
suas conclusões. Ela, a História, é, também, uma ciência dinâmica, sempre em
busca da verdade.
A narrativa do período ditatorial, em Portugal,
ainda não está encerrada, e dificilmente, algum dia se chegará a uma epílogo
definitivo, porque cada instituição, cada governante, cada individualidade,
cada investigador, terá a sua versão dos factos, o conhecimento direto, ou não,
a circunstância em que os viveu, mas haverá alguma unanimidade quanto às
atrocidades que se terão cometido, com o recurso a meios de investigação,
repressão e punição, contra aqueles que ousavam manifestar-se contrários ao
regime imposto pelos ditadores.
Qualquer que seja o Poder: político, militar,
religioso, empresarial, desportivo, cultural ou outro, ele, o Poder, nunca será
bem-recebido e acatado, quando exercido com violência, despotismo, no desrespeito
pelos mais elementares direitos e valores humanos, atentando contra a
dignidade, a liberdade, a compreensão, a tolerância e a benevolência, em
relação aos governados.
A perseguição, repressão e punição dos cidadãos Portugueses,
que se assumiam contra o regime ditatorial, era permanente, a polícia política,
coadjuvada por um “batalhão” de colaboradores (então denominados, na gíria
popular, por bufos), não tinha “mãos a medir”, os julgamentos sumários, as
prisões arbitrárias e desterros eram o “pão-nosso
de cada dia”.
Felizmente, como em tudo na vida, sempre há um
princípio, um meio e um fim e, paulatinamente, os ditadores vão caindo dos
pedestais em que se colocaram, ilegítima e ilegalmente, porque a paciência, a
dor, o sofrimento e a humilhação têm limites, que não podem ser ultrapassados.
Os Portugueses atingiram esse limite e, só lhes restava derrubar um regime que
não cumpria com a maior parte dos mais elementares e sagrados Direitos Humanos.
É claro que a “Revolução dos Cravos” não foi apenas
de “flores”, também houve alguns “espinhos”, principalmente para os cerca de
meio milhão de Portugueses que tiveram de abandonar, à pressa, as então
colónias: a maior parte dos quais, perdendo tudo o que tinham conseguido, ao
longo de uma vida de trabalho, de sacrifícios, de riscos; outros,
inclusivamente, incentivados pelo governo ditatorial, venderam os seus bens em
Portugal continental, para investirem nos territórios ultramarinos.
A descolonização que se seguiu à “Revolução dos
Cravos”, com a justa independência dos territórios ocupados, não protegeu com
firmeza a integridade física, nem acautelou com determinação, os bens materiais
imóveis e financeiros dos empresários e colonos Portugueses, pese, embora, o
esforço realizado com as “pontes aéreas” para transportar, em segurança, para a
então denominada “metrópole”, os milhares de Portugueses que, em certos
círculos, foram apelidados, pejorativamente, de “Retornados”, adjetivação que
nunca foi utilizada, por exemplo, em relação aos restantes Portugueses
emigrados, quando regressavam definitivamente a Portugal.
Centenas de jovens, muitos colonos e autóctones,
que desejavam continuar a ser Portugueses, morreram vítimas de uma guerra sem
sentido, cujos corpos foram enterrados em “cemitérios” improvisados, no meio do
mato, abandonados às ervas daninhas e animais selvagens, sem o mínimo de
respeito pela dignidade da pessoa humana, independentemente da sua etnia,
convicção política, religiosa e cultural.
Apesar de todas as dificuldades, Portugal pode
orgulhar-se da sua “Revolução dos Cravos”, da implementação de um regime
democrático com amplos direitos, liberdades e garantias, que, ainda hoje, faz
inveja a muitos outros países. Não há dúvida que somos um “povo de brandos
costumes”, pacífico, hospitaleiro e humanista, um povo resiliente, sem dúvida
nenhuma.
A “Revolução dos Cravos” proporcionou aos Portugueses
uma vida nova, com esperança num futuro de desenvolvimento, emprego e justiça
social, porque Democracia é isto mesmo: igualdade de oportunidades,
redistribuição justa da riqueza nacional, cuidar de todos os cidadãos de igual
modo, sem discriminações negativas, nem marginalização dos mais fracos.
A “Revolução dos Cravos”, ainda não terminou todos
os projetos então prometidos, mas possibilitou retirar o país do isolamento
internacional, em que já se encontrava. Abriu as portas para a integração na
União Europeia, com todos os deveres e direitos que tal implica, reconhecendo-se,
hoje, primeiro quarto do século XXI, que valeu a pena correr os riscos que uma
revolução provoca para aqueles que nela se envolvem.
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente
do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
Blog
Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
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