A
interpretação gramatical e histórica dos textos, cientificamente designada por
exegese, tem uma íntima ligação à Hermenêutica, no sentido de permitir a
compreensão dos mesmos. A faculdade de interpretação não é, porém, alheia ao
problema de entendimentos incorretos, daí que a compreensão se tenha tornado
num processo de análise e explicitação do texto.
A
génese da Hermenêutica está, portanto, intimamente associada à ideia inicial de
exegese, e hoje constitui uma indiscutível exigência de interpretação universal,
quaisquer que sejam as culturas, ideologias e sistemas.
A
explicitação do que diz o texto, concretiza-se numa estrutura circular que
implica, simultaneamente, a pré-compreensão – experiência acumulada,
pré-conceitos – e o horizonte – Texto (objeto) -, sendo desencadeada pela
interpretação – dialética pergunta/resposta. Existe compreensão quando: há um
entender-se com…; quando se dá uma fusão de horizontes, entre a Hermenêutica e
o que o texto revela.
O
círculo hermenêutico: o passado – pré-compreensão, tradição -; o presente –
compreensão atual, horizonte do interpretante –; e o futuro – horizonte
antecipado -, são os três vetores que definem e caraterizam o círculo
hermenêutico, no qual se encontra objetivada a compreensão. O objeto histórico
(texto) é inteligível porque se põe em relação com o intérprete, através de um
fundo temporal e linguístico, que permite a comunicabilidade, o relacionamento
e o entendimento.
A
hermenêutica tem, forçosamente, de partir do facto de que toda a compreensão
está vinculada a uma tradição, ou seja, a tradição é uma transmissão efetiva,
pela qual os objetos históricos têm uma influência na nossa consciência
presente e numa certa antecipação do futuro. Sem tradição não há condições para
compreender, porque não se pode anular a distância temporal, pelo contrário,
constitui o meio pelo qual se revela o sentido de uma coisa em toda a sua
plenitude, ou, por outras palavras, não se verifica o facto consumado, mas um
processo infinito.
A
historicidade e a existencialidade da experiência humana, no seu mundo
relacional (relação de pertença), podem construir a perspetiva pela qual se
aborda o presente da compreensão, embora esta não se remeta única e
exclusivamente a tal projeto.
Tradição
e Cultura são aspetos do mesmo enquadramento humano no mundo, porque,
efetivamente, a cultura acumula-se pela tradição, pela experiência, pelo
intercâmbio entre os povos, ela é, afinal, o modo de ser, agir e pensar de um
povo e, só na posse desse conhecimento, tão rico e profundo, é que a compreensão
se torna possível. A cultura é, acima de tudo, um estudo prolongado, sempre
renovado, sempre atualizado aos seus temas, no contexto histórico-social.
Na
sua base estão sempre pressupostos, é impossível qualquer captação sem algo
previamente dado, na medida em que a ausência de preconceitos e pressupostos,
parece tornar-se incomportável com o modo como a compreensão opera, porque ela,
além de ser uma apropriação do sentido de um texto, é, também, compreensão
realizada por alguém inserido no seu próprio contexto histórico-cultural que,
afinal, lê e interpreta com os seus próprios pré-conceitos. Neste aspeto, a
atividade de interpretar envolve algo de ontológico, algo do seu próprio ser
integrado numa cultura.
a)
Perspetivas Contemporâneas – A compreensão não pode entender-se como um
método, como um processo subjetivo e psicológico do homem, face a um objeto,
mas, pelo contrário, como um modo de ser do próprio homem.
Não
negar a importância da formulação dos princípios interpretativos corretos e,
saber como é possível a compreensão, não apenas nas humanidades, mas em toda a
experiência humana no mundo.
Numa
outra abordagem, verifica-se uma inversão na relação epistemologia- -ontologia,
ou seja, a compreensão passa da psicologia à ontologia (ao mundo), pretende
explicitar a estrutura ontológica, na qual se suportam as ciências da natureza
e as ciências humanas, e assim assiste-se à passagem duma compreensão parcial
(ciências humanas) duma compreensão histórica, separada de uma compreensão
científica, para uma compreensão ontológica.
A
experiência ontológica que o homem tem do seu mundo, fundamenta o “círculo
hermenêutico”, implicado na compreensão, porque: «A situação fundamental do homem no mundo pode desenvolver-se em termos
de implicação e explicitação e, o chamado “círculo hermenêutico” quer designar
esta situação fundamental do homem.» (ORTIZ-OSÉS, 1983:75).
A estrutura dialética não é a do sujeito/objeto, mas
a de mundo e homem, porque a peculiaridade do homem não se coloca na mera
inteligência, mas no seu entendimento (compreensão), isto quer dizer que a
postura do homem, no seu mundo, não é de inexperiência (tábua rasa, ponto
zero), mas de portador de uma pré-compreensão da realidade, o homem compreende:
«A partir da própria experiência
auto-interpretativa humana» (Ibid:76).
Com
efeito, o “círculo hermenêutico” mostra que a antecipação de um horizonte
depende, efetivamente, do passado. O compreender será atual, formulando o
horizonte do presente, em comunicação efetiva com a tradição, o que denota que
não há compreensão. Sem os pressupostos (ligação matriarcal) que existe por
detrás de tudo.
Compreende-se,
através de uma constante referência à experiência vivida (ontologia), na medida
em que se percebe sempre a partir do nosso próprio horizonte. A compreensão
pressupõe constantemente um movimento às coisas, ao mundo, às origens: «Uma
teoria da compreensão torna-se extremamente significativa quando considera a
experiência vivida – o evento da compreensão – como seu ponto de partida.» (PALMER, 1969:76-77), e o pensamento torna-se uma
fenomenologia deste evento.
b) A linguagem
Envolvida na Compreensão – Na verdade, a compreensão envolve sempre a
linguagem, confrontação com um outro horizonte humano, um ato de penetração
histórica e, exatamente por isso, o hermeneuta também se ocupa de uma teoria da
compreensão linguística e histórica, tal como funciona na interpretação do
texto.
Com efeito: «Compreender
é uma operação essencialmente referencial; compreende-se algo quando se compara
com algo que já se conhece. O homem não realiza o seu conhecimento a partir do
zero, mas por meio de uma reestruturação, correcção e integração dos seus
próprios ‘a prioris’ e ‘a posterioris’, por isso a interpretação é um
conhecimento simultaneamente: reconstrutivo e integrativo.» (cf.
ORTIZ-OSÉS, op. cit.)
O processo que permite a tensão presente/passado, a
dialética pergunta/resposta, a fusão de horizontes, a revelação ontológica é,
precisamente, a linguagem. Esta é o meio em que a tradição se esconde e é transmitida.
Toda a experiência ocorre na e pela linguagem, há como que um acordo, ou
apalavramento, originário na constituição linguística do mundo.
É neste apalavramento linguístico que se encontra a
condição “sine qua non” para toda a
comunicação e compreensão: «Uma
antropologia que reconhece que a condição humana repousa neste acordo profundo
pode, então, interpretar em função dele, a variedade de discursos sobre o
homem, aliás, engendrados e geridos pela natureza dialógica deste acordo.»
(ORTIZ-OSÉS, 1983:13).
Portanto, a pertença e a participação na linguagem,
como meio da experiência no mundo é a verdadeira base da experiência
hermenêutica. Esta, encontra a sua total realização na condição da linguagem, é
uma compilação do passado, na medida em que ouvir é um poder muito maior do que
ver: «A linguagem é finita e histórica, é
um repositório e um condutor da experiência do ser que se tornou linguagem no
passado. A linguagem tem que nos levar a compreender o texto, a tarefa da
Hermenêutica é tomar a sério a linguicidade da linguagem e da experiência e
desenvolver uma Hermenêutica verdadeiramente histórica.» (PALMER,
1969:215).
c) Estrutura Histórica da Compreensão -
Seguramente que a compreensão possui uma estrutura intrinsecamente histórica e:
«… não precisamos cair numa atitude
psicologizante para defender que a compreensão não pode ser concebida
independentemente das relações significativas que tem com a nossa experiência
anterior» (PALMEIR, 1969:102), porque esta, como ato histórico, está sempre
relacionada com o presente.
Seria demasiado ingénuo falar-se de interpretações
objetivamente válidas e rigorosas, porque isso implicaria ser possível uma
compreensão que partisse de um ponto de vista exterior à História. O passado
não se nos pode opor como objeto de interesse puramente arqueológico, porque a
autointerpretação do sujeito é apenas uma luz trémula, na corrente fechada da
vida histórica, daí que os juízos prévios do indivíduo sejam mais que meros
juízos: eles são a realidade histórica do ser.
Os juízos prévios traduzem a capacidade que temos
para compreender a história, porque dentro ou fora das ciências não pode haver
compreensão sem pressupostos, resultantes da tradição em que nos inserimos.
A tensão presente/passado é, em si mesma, essencial
e frutífera em Hermenêutica. A distância temporal tem, simultaneamente, uma
função negativa e positiva, porque tanto permite a eliminação de juízos
prévios, como provoca o aparecimento daqueles que nos levam a uma compreensão
verdadeira. Os pressupostos não são absolutos, antes sujeitos a mudança e são:
positivos, quando conduzem à compreensão; negativos, quando originam mal
entendimento.
d) Dialética Questão/Solução, Pretérito/Presente
– Qualquer que seja a tentativa de compreender, ela implica, necessariamente, a
dialética pergunta/resposta, pelo que entender, significa, precisamente,
ajustar permanentemente, a pergunta, ou seja, pôr em jogo os pressupostos
próprios para melhor formular a pergunta, o que envolve um jogo dialético entre
leitor e texto, que faz parte da experiência mais originária do homem, cujo
modo de ser é compreender.
Assim, ao interpretar o objeto (texto) o
interpretante parte da sua experiência, que a coloca em jogo, por isso, os
objetos históricos e os seus efeitos, participam, e influenciam, o presente,
isto é, a compreensão não é uma atividade subjetiva (romantismo), mas uma
inserção no processo de transmissão. A experiência hermenêutica implica, antes
de mais, a participação e a pertença a uma tradição cultural, nasce da relação
entre o familiar (pré-compreensão) e o estranho (texto).
A
sua experiência hermenêutica realiza-se dentro de uma tradição, numa atitude de
escuta e interpretação. A estrutura dessa experiência assenta no acontecer da
linguagem, inserta numa tradição cultural. A História é a que primeiramente
interpreta. Importa trazer à linguagem os princípios determinantes da vivência
cultural do homem, o qual vive numa relação de pertença com a dialética
passado/presente, pergunta/resposta, pondo em confronto os pré-conceitos do
interpretante.
Ao falar-se da tradição cultural, como condição do
ato de compreender, é interrogar-se pelos últimos pressupostos, que tornam
possível o entender e a verdade enquanto tal. Sem a cultura não é mais possível
ao homem integrar-se num processo evolutivo; qualquer que seja o apadrinhamento
de tal processo; quaisquer que se verifiquem as ideologias que lhe estão
subjacentes. O analfabeto, o inculto, tal como o imbecil, não compreendem a
verdade do texto, precisamente porque lhes falta o alimento cultural.
Bibliografia
ORTIZ-OSÉS,
Andrés, (1983). Antropologia Hermenêutica. Tradução, L. Ferreira dos Santos.
Braga: Eros.
PALMER,
Richard E., (1969). Hermenêutica. Tradução, Maria Luísa Ribeiro Ferreira.
Lisboa: Edições 70
Por
favor aceitem: https://www.facebook.com/100005661551752/videos/1257179961147377/
Venade/Caminha –
Portugal, 2020
Com o protesto da minha
permanente GRATIDÃO
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do
Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
NALAP.ORG
http://nalap.org/Directoria.aspx
https://www.facebook.com/diamantino.bartolo.1
http://diamantinobartolo.blogspot.com
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