sábado, 17 de julho de 2021

Protagonismos que Humilham

 

Começa a ser preocupante a frequência com que se esquecem princípios, valores, sentimentos e emoções, depois de serem atingidos objetivos, estes, quantas vezes delineados em equipa onde, supostamente, todos os elementos estarão de boa-fé, se revelam sem máscaras, sem “falinhas mansas”, “sem filtros”, de aparente boa-educação, sem palmadinhas nas costas, que se destacam por condutas de respeito, de camaradagem, de consensos, no âmbito dos valores da solidariedade, da amizade que entretanto se estabelece, da lealdade e da cumplicidade.

O mundo, as nações, as comunidades, as instituições, os grupos, as famílias e as pessoas funcionam em cadeia, em rede, em equipas, especializadas numa determinada matéria, ou multidisciplinarmente, com grande interdependência dos elementos entre si considerados, desejando-se que não haja ninguém insubstituível, reconhecendo-se, porém, que existem pessoas de maior ou menor dificuldade de substituição, seja pela perfeição com que exercem as suas funções, e/ou pela especificidade dos respetivos conhecimentos e experiências.

Atualmente, vive-se numa sociedade de interesses, de resto, como tem acontecido ao longo da História, todavia, a sofisticação para concretizar objetivos inconfessáveis é uma especialização que supõe o que vulgarmente se designa, em certos ambientes, e por especialistas na matéria, como o “jogo de cintura”, significando tal “jogo” que se deve “dar uma no cravo, outra na ferradura”, prometendo-se a um e faltando-se a outro, porque o importante é atingir o objetivo, um resultado, nem que para isso: se tenha de apunhalar, pelas costas,  quem nos lançou no caminho do sucesso e nos ajudou, com todos os riscos; quem nos deu a mão; quem esteve solidário e fielmente ao nosso lado; quem nos facultou todos os meios, recursos materiais e sugestões, para se preparar o “combate”.

Na verdade: «É triste ficar oscilando descontroladamente para aqui e para ali, com tal instabilidade que desemboca, infalivelmente, naquela fossa tão nauseante como a expressão catastrófica da “pessoa que morreu e esqueceu de ser enterrada” (…) O homem oco e vazio é caracterizado por atitudes de total passividade e de apatia, obedecendo a uma rotina enfadonha e enfastiante, com normas e espaços rigidamente reservados para tudo, sem alterar aquele surrado e batido programa, geralmente medíocre, pouco importando o interesse e os desejos das pessoas que vivem ao seu lado. Tudo na sua vida gira em torno dele próprio, com uma rotina só sua, massificante e doentia, que o acompanha até à morte.» (FRANCESCHINI, 1996:29-30).

Hoje existem muitos líderes, nas mais diversas instituições, que se consideram o “foco central e luminoso”, à volta do qual devem “esvoaçar” os restantes colaboradores, não enquanto pessoas titulares de inquestionável dignidade, mas como meros objetos, ou servidores das mais absurdas e inaceitáveis elites, ou, ainda, como meros executores de ordens arbitrárias e desumanas.

Hoje, alguns líderes, pretendem afirmar-se: pela intransigência das suas posições; pela unilateralidade das suas decisões; pela alegada “exemplaridade” das resoluções; pela inqualificável insensibilidade social e profissional; enfim, pensam que humilhando quem deles, ou das instituições que dirigem, precisam, se tornam exemplo de excelentes lideranças, de executivos fortes e eficazes.

Ao contrário do passado, hoje: a palavra dada; a decisão escrita, e assinada; não oferecem qualquer garantia, porque: os “trocadilhos” da linguagem; a semântica dos vocábulos; os contextos; a intencionalidade sub-reptícia que se dá à frase; as interpretações das entrelinhas, levam a situações verdadeiramente perversas, nas quais as pessoas, que agem de boa-fé, são apanhadas, julgadas, condenadas e sem direito à legítima e justa defesa. O contraditório, pura e simplesmente, não existe e a mentalidade do “quero, posso e mando”, impõe-se violentamente, ainda que sob a capa de um qualquer aparente legalismo e/ou de aparentes “boas-maneiras

Muitas pessoas procuram o protagonismo, o exacerbar do egoísmo, contudo, recorrendo aos mais incompreensíveis processos de conduta humana, à deslealdade e ao abuso de confiança, porque o importante é o “triunfo” do indivíduo, mesmo que para o obter recorra a uma qualquer supremacia estatutária, legal, elite, profissional, de um cargo mais elevado na sociedade, na instituição e na equipa.

Em bom rigor: «O individualismo é a crença na autoconfiança e na independência. Aqueles que acreditam no individualismo, enfatizam a realização e o sucesso pessoais sem precisar depender dos outros. Se qualquer coisa (ou pessoa, sublinhado do autor) viola seus direitos individuais, eles se livram dela. Sentem que têm o direito de alcançar excelência pessoal a qualquer custo. Os seres humanos, na verdade, não funcionam dessa maneira. Nós, seres humanos precisamos fundamentalmente das outras pessoas para poder saber quem somos.» (BAKER, 2005:42).

A importância do se saber lidar com as pessoas, numa perspetiva antropológica, é essencial para um bom relacionamento interpessoal, e também para se evitarem conflitos e ofender os nossos semelhantes os quais, quantas vezes, ou em algum momento, nos ajudaram, deram a cara por nós, em projetos que, beneficiando um determinado público-alvo, ou resolvendo uma situação, praticamente arriscaram muito nos diferentes contextos de suas vidas, e até de seus familiares, são depois ignoradas, afastadas, através de estratégias de autoritarismo, teimosias delirantes, recusa sistemática do diálogo e não-aceitação de pontos de vista diferentes.

Liderar uma situação, um projeto, uma equipa, não é capacidade de uma só pessoa, por muito “iluminada” que ela se julgue ser, por muitos conhecimentos que revele, por muita experiência que já tenha demonstrado, por mais avançada que seja a idade. O líder, por si só, nada vai conseguir, se a equipa de colaboradores não estiver motivada, se não for respeitada nos seus direitos, capacidades, princípios, valores, sentimentos e emoções.

O dirigente que se preze, tal como o árbitro de um jogo, deve passar despercebido, na circunstância, deve confiar nas equipas, deixá-las darem o seu melhor, respeitar as suas iniciativas, principalmente, quando estas visam melhorar os projetos, os objetivos, os resultados, enfim o prestígio da instituição, do grupo, da sociedade e dos cidadãos em geral.

Liderar pessoas, não é a mesma coisa que liderar objetos, conjugar números, manipular estatísticas, realizar “malabarismos” para impressionar e captar, dissimuladamente, simpatias, colher a adesão a determinadas ideias, para serem implementadas e, depois tirarem-se os dividendos dos respetivos resultados, como sendo fruto de uma inteligência superior.

E se é verdade que as experiências acumuladas noutros setores, tenham produzido bons resultados, isso não significa que em instituições diferentes, tais práticas e conhecimentos sejam os que se devem aplicar, podendo-se excluir aqui diversas normas ético-deontológicas, alguns princípios e valores essenciais ao bom relacionamento e válidos em quaisquer contextos porque: «As pessoas terão de compreender que somos todos iguais, que somos todos o mesmo, que todos nós lutamos por um pouco de paz, de felicidade e segurança no nosso quotidiano. Não podemos continuar a lutar e a matarmo-nos uns aos outros.» (WEISS, 2000:140).

A vontade desenfreada de protagonismos, não olhando a meios para se atingirem determinados fins, não é compatível, por exemplo, com atitudes de cariz social, religioso, caritativo, nem sequer com a política no seu sentido mais nobre, de resto nem deveria ser admissível, em nenhuma circunstância, todavia é o que mais se verifica nas sociedades modernas, ditas “civilizadas”, e, infelizmente, tais condutas já invadem instituições, grupos de amigos e muitas famílias.

É necessário que as pessoas que sofrem destes comportamentos, obcecadas pelo domínio sobre as outras, cuidem destes transtornos de personalidade, que tenham a humildade de reconhecer que não são mais, nem menos, do que os seus semelhantes, por mais destacados e exigentes que sejam os cargos que ocupam, o estatuto socioprofissional e económico que lhes sejam atribuídos.

Hoje, talvez mais do que no passado, o equilíbrio, o bom-senso, a moderação, a tolerância, o sentido da entreajuda, fazem-se tão necessários quanto determinantes para a resolução de inúmeros problemas, de diversa natureza e também para uma convivência sadia, aberta, amiga, cúmplice, não só interpares, como também na sociedade em geral. O conflito só é importante quando, pelas ideias em confronto, encontram soluções para os problemas e nos une cada vez mais.

Impor, de forma uniliteral, autocrática, humilhante e cruel quaisquer ideias, decisões e aplicar sanções injustas, ilegítimas e, eventualmente ilegais, por parte de um líder, diretor, presidente, chefe, administrador ou um qualquer superior hierárquico, sem se dar oportunidade ao alegado infrator, para se explicar, defender, esclarecer, ou até mesmo pedir desculpa, revela bem que se pode estar perante um dirigente impreparado para liderar pessoas, verdadeiramente humanas e dignas.

Pretende-se com a presente reflexão, apenas, e tão só, manifestar uma preocupação que atormenta muitas pessoas que, de alguma forma, dependem de lideranças imponderadas, porque não buscam a moderação, a tolerância, o bom-senso, a compreensão dos problemas individuais que, uma ou outra vez, agem de determinada forma, contrária aos superiores valores e interesses legítimos da dignidade da pessoa realmente humana.

É fundamental que tais chefias, à cabeça das quais os respetivos líderes, se esforcem por utilizar uma democracia de boas condutas, pelo respeito, pela iniciativa dos seus colaboradores, pela dignificação dos princípios, valores, sentimentos e emoções, que em cada momento eles manifestam.

É imprescindível atualizar procedimentos, verdadeiramente humanos, para que toda a pessoa se sinta confortável, estimulada no exercício das suas funções, quaisquer que estas sejam. Haja respeito pela dignidade da pessoa genuinamente humana.

 

Bibliografia.

 

BAKER, Mark W., (2005). Jesus o Maior Psicólogo que já Existiu. Tradução, Cláudia Gerpe Duarte. Rio de Janeiro: Sextante.

FRANCESCHINI, Válter, (1996). Os Caminhos do Sucesso. 2ª Edição, Revista e Ampliada. São Paulo: Scortecci.

WEISS, Brian L., M.D. (2000). A Divina Sabedoria dos Mestres. A Descoberto do Poder do Amor. Tradução, António Reca de Sousa. Cascais: Editora Pergaminho.

 

Venade/Caminha – Portugal, 2021

Com o protesto da minha permanente GRATIDÃO

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

NALAP.ORG

http://nalap.org/Directoria.aspx

http://nalap.org/Artigos.aspx

https://www.facebook.com/diamantino.bartolo.1

http://diamantinobartolo.blogspot.com

diamantino.bartolo@gmail.com 

Sem comentários: