Aceitando-se
como premissa, que os direitos do homem são a resultante principal, e o sinal
mais revelador da relação entre o Poder e a Pessoa Humana, então a problemática
nasce, em princípio, no poder estabelecido, mas, por outro lado, a conduta dos
homens, em sociedade, depende do reforço da responsabilidade individual, a qual
é tanto mais significativa quanto mais livre essa sociedade for.
Igualmente se
admite, nos meios moderados, uma construção socratária, suportada por quatro
fortes pilares: Educação, Filosofia, Política e Religião. Silvestre Pinheiro
Ferreira congregou, na sua pessoa, na vida e na obra, aquelas quatro dimensões
do homem em sociedade. No âmbito religioso, o autor dá a indicação de quais são
as virtudes que, na religião cristã, o homem deve observar: Fé, Esperança e
Caridade, cuja caracterização ele procura fazer, em linguagem acessível.
O interesse
em se abordar a religião, qualquer que ela seja, reside no facto de esta componente
do ser humano, pelo menos na maioria das pessoas, fazer parte dos direitos
humanos, universalmente reconhecidos, ou seja, a liberdade de religião a que
cada cidadão tem direito.
Com efeito,
Pinheiro Ferreira defendendo e dando primazia à religião católica,
implicitamente, reconhece, pelo direito natural da liberdade, outras religiões,
de resto, como cristão que era, certamente praticava as virtudes que defendia e,
através da caridade, teria a obrigação de ser tolerante e desenvolver o amor ao
próximo.
Retomando,
porém, os outros aspetos, a partir dos quais se procura demonstrar que as
Filosofias: Social, Educacional e Política de Silvestre Pinheiro Ferreira têm
interesse para os Direitos Humanos, na atualidade, anotam-se mais estas três
vertentes:
Primeira: Quanto à
Filosofia Social, verifica-se que o conceito de direitos sociais, neste autor,
deriva do estabelecido pelas leis sociais ou positivas, que constituem decisões
tomadas pelos homens, reunidos em sociedade. Nesse sentido, apontam os seus projetos
de construção de associações, de criação de bancos, de fundação de sociedades
de socorros mútuos, de estabelecimentos de educação industrial. Pensamento e ação
para a resolução dos problemas da comunidade.
Na sociedade
Silvestrina todos os cidadãos têm direito ao trabalho ou, na falta deste, aos
apoios oficiais para a sua sobrevivência, no entanto, é obrigação do indivíduo
prover os meios da sua subsistência, através do trabalho, numa profissão para a
qual tenha capacidade física e moral. Deve o cidadão estar inscrito numa
profissão, que se integre num dos três estados ou setores da atividade
económica: Comércio, Indústria e Serviço Público. (cf. FERREIRA, 1834).
Silvestre
Pinheiro Ferreira, na idealização do sistema social, não faz discriminação
entre cidadãos nacionais e estrangeiros, no que concerne aos direitos civis
naturais e sociais, porque eles são parte constituinte da natureza humana. Ora
como todos os homens se compõem da mesma natureza, então todos devem usufruir
dos direitos de: Segurança, Liberdade e
Propriedade, garantidos pelo pacto social. Por conseguinte, nacionais e
estrangeiros, enquanto residentes no mesmo país, todos têm que se movimentar
sob as mesmas leis, seja no campo dos direitos seja no âmbito dos deveres. Atualmente,
esta situação constitui um desafio para a CPLP – Comunidade de Países de Língua
Portuguesa.
É consabido
que o homem só pode viver em sociedade. Para isso é necessário um conjunto de
normas, de regras diversas, de uma ciência social que lhe permita saber viver
em sociedade. A relevância de Pinheiro Ferreira no domínio social será
compreendida a partir da interiorização do conceito de homem, enquanto ser
moral. A partir deste conceito, pode-se articular o homem com a política que é,
afinal, uma outra dimensão do ser humano.
Num sistema
social assim idealizado, também não faltam as medidas para satisfazer as
necessidades da sociedade, principalmente das classes industriosas que ele
considera as mais desfavorecidas. Entre várias medidas destacam-se: a) garantir
aos homens os meios de ganharem a sua vida, procurando proporcionar a produção
ao consumo; b) adiantar os meios indispensáveis de subsistência aos
desempregados, bem assim como aos inválidos e carenciados por motivos alheios
às suas vontades; c) premiar a virtude e punir o vício; d) prover à educação
das crianças.
Considerada a
mentalidade da época, ainda pouco esclarecida para a maioria da população, e
atendendo ao programa social apresentado por Silvestre Pinheiro Ferreira,
aceitar-se-á que, mesmo descontando os devaneios do socialismo utópico, dos
finais do século XVIII e primeiras décadas do séc. XIX, o seu sistema social
contemplava aspetos que hoje estão consagrados nas diversas declarações
universais, internacionais e nacionais, sob a designação de Direitos Humanos:
liberdade de direito ao trabalho, à educação, à assistência social, ao lazer e
tantos outros. Neste sentido, Pinheiro Ferreira poder-se-á incluir no lote dos
inspiradores e precursores da implementação das normas constitucionais para os
direitos humanos.
Segunda: No quadro da
Filosofia da Educação, a relevância silvestrina reside no facto de, entre
outros, contribuir para recolocar esta disciplina no lugar a que tinha direito
(e continua a ter) de forma a separá-la das ciências positivas. Depois da recuperação
autonómica da Filosofia e a partir dela, desenvolveria os restantes sistemas:
social, educacional, político.
Também
abordou a religião católica, obviamente, com a máxima delicadeza, porém, tal
intervenção trouxe-lhe alguns dissabores com a polémica que desenvolveu com
António Feliciano de Castilho.
A Filosofia
em Silvestre Pinheiro vai, portanto, ter uma dignidade merecida, na medida em
que se converte numa atividade prática, em ordem ao bem-comum. A sociedade
portuguesa atravessava, então, tal como as outras, profundas alterações e a uma
velocidade extraordinária. Além disso, no momento anterior à independência do
Brasil, verificava-se uma certa bifurcação da problemática filosófica nos dois
países. Silvestre Ferreira encontra-se nesta encruzilhada.
A sua
influência no país irmão, reside no facto de ter proporcionado a fundamentação
filosófica moderna ao estado liberal constitucional, do qual derivará a
construção de nova sociedade e, consequentemente, o modelo do projeto educativo
para esta mesma sociedade.
Reconhece-se,
cada vez mais com muito entusiasmo, que a educação é uma das necessidades tão
óbvias que qualquer país, que se pretenda desenvolver no respeito pelos valores
da cidadania e dos direitos humanos, procura consolidar a sociedade.
No sistema
político-constitucional e na ótica liberal de que Pinheiro Ferreira foi um
grande apologista, o ideal fundamental da educação consiste no princípio
segundo qual, a escola não deve estar ao serviço dos privilegiados, mas das
capacidades de cada um.
Conhecem-se
diversas teses sobre a educação defendida em finais do séc. XVIII, na sequência
da Revolução Francesa. Teorias que certamente foram analisadas pelos pedagogos
e ideólogos da educação, de todo o mundo. Vários planos educativos eram, então,
esboçados e neles, dito embora de forma diferente, defendia-se: a) a
gratuitidade do ensino para todas as crianças; b) educação igual para todos com
apoios alimentares, didáticos e outros, iguais para todos; c) obrigação dos
pais em facilitar aos filhos a frequência da escola; d) a educação como um objetivo
para o trabalho, para a cidadania, para a formação física; e) preparação para a
vida ativa.
Inicialmente, a educação a ministrar às crianças,
proposta por Silvestre Ferreira, tem subjacente um nítido cunho elitista,
porque prevê a separação das crianças O autor explica esta discriminação com
base em argumentos de ordem social que derivam de uma hierarquia onde os chefes
de família são graduados em função da atividade que desempenham. Esclareceu
Pinheiro Ferreira que as crianças tendo hábitos, tradições, alimentação e
educação materna diferentes, não seria conveniente juntá-las, nesta fase, numa
mesma sala/escola.
O sistema educativo Silvestrino tem mecanismos para
eliminar quaisquer sentimentos aristocráticos e de superioridade, na medida em
que se qualquer aluno demonstrar capacidades para prosseguir estudos
superiores, então, a este nível, ele encontra-se nas mesmas instituições
escolares, independentemente da sua origem.
Resulta deste sistema educativo, idealizado por
Silvestre Pinheiro Ferreira, a implementação prática de um ideal técnico
polivalente, para o que se torna necessário que todos os alunos tenham uma
iniciação profissional na fase do ensino secundário: «valorização técnica da
massa, está claro, mas integração profissional das elites, do mesmo modo.»
(cf. PEREIRA, 1986b)
Apesar de
algumas alegadas injustiças, no início da formação educacional, o sistema
educativo de Silvestre Pinheiro Ferreira, pela sua persistência e visão futura,
no que respeita aos direitos humanos, para a época contemporânea, já se insere,
por antecipação, no espírito da Declaração Universal dos Direitos Humanos
quando proclama os valores da dignidade humana a exercitar, precisamente,
através da educação e do trabalho.
Terceira: No contexto
da Filosofia Política, a relevância de Pinheiro Ferreira não é, de modo algum,
possível de se ignorar. O autor luso-brasileiro que se vem analisando,
insere-se desde logo num sistema político que, principalmente no Brasil,
deixaria marcas e inspiraria as primeiras gerações pós-independência. Com
efeito, o sistema político-ideológico Silvestrino é realizado através da
implementação de uma Monarquia Constitucional Representativa.
Silvestre
Pinheiro Ferreira era contrário ao absolutismo real como igualmente não
concordava com a total independência do Congresso Nacional, porque entendia que
o Rei, como entidade representativa do povo, e por este aclamado, deveria ter
lugar no órgão deliberativo e competência para a feitura das leis.
Mas, por
outro lado, as Cortes também não deveriam elaborar leis sem o consentimento e o
concurso do monarca. No primeiro caso estaríamos perante um despotismo régio e,
no segundo, a verificar-se a intromissão do rei no Congresso, caminhar-se-ia
para uma oclocracia. Estas foram as críticas mais contundentes ao projeto
elaborado por Pinheiro Ferreira.
Na construção
do seu sistema político, Silvestre Ferreira parte do pressuposto filosófico do
estado liberal, entendido como estado limitado em contraposição ao Estado
absoluto.
É a doutrina
dos direitos do homem, segundo a qual, o homem, todos os homens,
indiscriminadamente, têm por natureza certos direitos fundamentais como o
direito à vida, à liberdade, à segurança e à felicidade.
Foi com base
em tais princípios, valores e direitos que o Brasil teria iniciado o seu
percurso como país independente. Em Portugal, como já foi anteriormente
referido, o projeto político de Pinheiro Ferreira não foi bem recebido pelo
Congresso em sessão de 4 de Julho de 1821.
Bibliografia
FERREIRA, Silvestre Pinheiro, (1834a). Manual do Cidadão em um
Governo Representativo. Vol I,
Tomo I, Introdução António Paim, (1998a) Brasília: Senado Federal.
PEREIRA, José Esteves, (1996b). Textos Escolhidos de Economia
Política e Social (1813-1851).
Introdução e direcção José Esteves Pereira, Lisboa: Banco de Portugal.
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do
Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
Blog Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
Sem comentários:
Enviar um comentário