domingo, 16 de dezembro de 2018

Direitos Humanos e a Paz para um Mundo Melhor

O direito à paz constitui um dos direitos da chamada terceira geração, segundo a estrutura estabelecida, tais como outros direitos ecológicos. Parece, contudo, cada vez mais, um objetivo, importante e necessário a alcançar e salvaguardar, não fossem os inúmeros conflitos regionais de guerra declarada ou latente: seja por motivos políticos; seja por razões de ordem religiosa, ou outras.
A “Instituição da Guerra” apresenta-se como uma ordem de tal magnitude que transcende qualquer agressor-vítima particular, na medida em que faz mais sentido responsabilizar um país por uma agressão sobre outro, do que imputar culpas a indivíduos isolados, além de que existe, obviamente, violência estrutural, na medida em que danos não intencionais são infligidos, frequentemente, a indivíduos ou países em todo o mundo, porque o opressor está incrustado nas estruturas, com culturas que não deixam outras alternativas.
A agressão é provocada e algumas das causas são estruturais, outras culturais: o colonialismo é uma dessas estruturas que ligam a colónia ao poder colonial, de tal forma que aquela pode revoltar-se para se libertar. Ora, o caminho para a paz passa, necessariamente, por resoluções imaginativas dos conflitos, o que pode significar a transformação de algumas estruturas através da substituição de culturas de violência por mecanismos de apoio ao desenvolvimento Sócio-Cultural, científico e económico dos povos, até então oprimidos.
O homem tem o dever de procurar e construir um mundo melhor, porque: «O direito de viver em paz também pode ser interpretado como o direito de não ser vítima da agressão. Mas se assumirmos que a agressão não é aleatória, mas causada por factores estruturais e culturais entre e dentro dos actores, então o direito de viver em paz é o direito de viver num cenário social (...) onde se faz qualquer coisa sobre factores e não só sobre actores...» (HAARSCHER, 1993:213).
A construção de um mundo melhor, no sentido de promover e preservar a paz, quaisquer que sejam os conceitos deste valor inestimável (mesmo o mais rudimentar, como aquele que define paz como ausência de guerra), passa, certamente, pelo conhecimento dos valores universais constantes na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e dos instrumentos legais, técnicos e científicos para os defender.
 É necessário combater o irracionalismo que tanto parece estar na moda, sendo certo que atitudes irracionais, não se fundamentam na observância dos direitos humanos e, mesmo aceitando que todo o conhecimento humano é falível e incerto, também não é menos verdade que o conhecimento é uma procura da verdade, de teorias explicativas e, objetivamente, verdadeiras.
Neste contexto, não é difícil compreender que qualquer violação dos Direitos Humanos constitui um erro grave, contudo: «combater a falha, o erro, significa, pois, procurar uma verdade mais objectiva e fazer tudo para detectar e eliminar tudo o que é falso. (...). Ao reconhecermos a falibilidade do conhecimento humano, reconhecemos, simultaneamente que nunca podemos estar completamente seguros de não termos cometido algum erro.» (POPPER, 1992:18).
As boas-práticas de deveres que conduzem a soluções pacíficas de conflitos humanos, naturalmente, carecem de profundos conhecimentos ético-morais, de cidadania, de Saber-ser e Saber-estar no mundo com os outros, numa permanente postura de tolerância e responsabilidade intelectual.
Infelizmente, o número de casos e de vítimas não para de aumentar: campos de concentração, assassinatos, violação de mulheres e crianças, deportações, emigração forçada, enfim, destinos terríveis, horrores que matam pelo medo. Seres humanos: homens, mulheres, crianças, idosos, são vítimas de fanáticos inebriados por um qualquer poder fundamentalista.
O homem intelectual, culto e responsável tem hoje, mais do que no passado, o dever inalienável de rejeitar o relativismo radical, na medida em que há valores que jamais se podem relativizar: Deus, verdade, bem, justiça, paz, liberdade e tantos outros, aliás, as posições radicais não conduzem, geralmente, a soluções equilibradas, afigurando-se do mais elementar bom-senso, optar por atitudes moderadas.
Com efeito: «O pluralismo crítico apresenta uma posição de acordo com a qual, no interesse da verdade, cada teoria – e quanto mais teorias tanto melhor – deve ser posta em plano de concorrência com as demais. Esta concorrência consiste na discussão racional: isto significa que o que está em causa é a verdade das teorias concorrentes. Aquela teoria, que na discussão crítica parecer aproximar-se mais da verdade é a melhor e a melhor teoria prevalece sobre as menos boas. O mesmo se passa com a verdade.» (Ibid.:178).
A Paz constrói-se a partir de um conhecimento cada vez mais profundo das realidades humanas e, todas as ciências serão poucas, todos os cientistas e intelectuais não serão bastantes para prosseguirem na busca de um mundo melhor, no sentido, não apenas de ausência de guerra, mas também, e principalmente, no que respeita ao dever do cumprimento dos Direitos Humanos, sejam estes individuais ou coletivos, pelo que, de facto, urge refletir sobre o que as ciências cognitivas podem fazer por um mundo em efervescência. Afinal, onde é que está localizado, no cérebro humano o “bom-senso”? Questão, aparentemente simples e inócua, cuja resposta parece que ainda não é conhecida.
Poder-se-á colocar aqui a questão da vontade e liberdade suficientes, para se resolver a deprimente situação da violação dos Direitos Humanos? Será que, também aqui, o homem está determinado por circunstâncias que não controla nem domina? Ou, pelo contrário, tem o homem a capacidade para alterar alguma coisa?
Porque segundo Searle: «A liberdade humana é precisamente, um facto de experiência. Se desejar alguma prova empírica de tal facto, podemos sem mais aludir à possibilidade que sempre nos cabe de falsificar quaisquer predições que alguém possa ter feito acerca do nosso comportamento. Se alguém prediz que eu vou fazer alguma coisa, posso muito bem não fazer essa coisa.» (SEARLE, 1987:107).
E, ainda nesta mesma linha, o autor prossegue, mais adiante, afirmando o seguinte: «A ciência não deixa espaço para a liberdade da vontade (...). Por outro lado, somos incapazes de abandonar a crença na liberdade da vontade.» (Ibid.:113).
A liberdade da vontade não depende, portanto, do determinismo porque, de acordo com o raciocínio de Searle: «A forma de determinismo que em última análise é incómoda não é o determinismo psicológico. A ideia de que os nossos estados da mente, são suficientes para determinar tudo, o que fazemos é provavelmente falso. (...). Se a liberdade é uma ilusão, porque é que é uma ilusão que, aparentemente, somos incapazes de abandonar? A primeira coisa a observar a propósito da liberdade humana é que ela está essencialmente ligada à consciência. Apenas atribuímos liberdade aos seres conscientes (...) a maior parte dos filósofos pensam que a convicção da liberdade humana está essencialmente ligada ao processo da decisão racional. (...)».
«A experiência característica que nos dá a convicção da liberdade humana, é uma experiência da qual somos incapazes de arrancar a convicção da liberdade, é a experiência de nos empenharmos em acções voluntárias e intencionais. (...) É esta experiência a pedra basilar da nossa crença na liberdade da vontade (...)» porque: «No comportamento normal cada coisa que fazemos suscita a convicção válida ou inválida de que poderíamos fazer alguma coisa mais, aqui e agora, isto é, permanecendo idênticas todas as outras condições», donde e concluindo: «(...) a evolução deu-nos uma forma de experiência da acção voluntária onde a experiência da liberdade, isto é, a experiência do sentido de possibilidades alternativas, está inserida na genuína estrutura do comportamento humano, consciente e intencional.» (Ibid.:114-120).
Será legítimo e correto afirmar-se que a construção de um mundo de paz depende muito mais do homem, que na sua liberdade e vontade, não estará sujeito ao determinismo absoluto, porque pode voluntária e intencionalmente criar as condições, através das ações concretas, para um entendimento global, naturalmente que tal intencionalidade pressupõe abdicar de interesses diversos que possam colidir com a arquitetura de uma paz duradoira, num mundo moderno, solidário e fraterno, onde todos os homens tenham uma oportunidade de cooperar mutuamente.

Bibliografia

POPPER, Karl R, (1992). Em Busca de um Mundo Melhor, 3a Ed. Tradução, Teresa Curvelo. Lisboa: Editorial Fragmentos.
SEARLE, J., (1987). Mente, Cérebro e Ciência, Lisboa: Edições 70, (pág. 105-121)



Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal


                                                                              https://www.facebook.com/ermezindabartolo

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