O direito à paz constitui um dos direitos da
chamada terceira geração, segundo a estrutura estabelecida, tais como outros
direitos ecológicos. Parece, contudo, cada vez mais, um objetivo, importante e
necessário a alcançar e salvaguardar, não fossem os inúmeros conflitos
regionais de guerra declarada ou latente: seja por motivos políticos; seja por
razões de ordem religiosa, ou outras.
A “Instituição da Guerra” apresenta-se como uma
ordem de tal magnitude que transcende qualquer agressor-vítima particular, na
medida em que faz mais sentido responsabilizar um país por uma agressão sobre
outro, do que imputar culpas a indivíduos isolados, além de que existe,
obviamente, violência estrutural, na medida em que danos não intencionais são
infligidos, frequentemente, a indivíduos ou países em todo o mundo, porque o
opressor está incrustado nas estruturas, com culturas que não deixam outras
alternativas.
A agressão é provocada e algumas das causas são
estruturais, outras culturais: o colonialismo é uma dessas estruturas que ligam
a colónia ao poder colonial, de tal forma que aquela pode revoltar-se para se
libertar. Ora, o caminho para a paz passa, necessariamente, por resoluções
imaginativas dos conflitos, o que pode significar a transformação de algumas
estruturas através da substituição de culturas de violência por mecanismos de
apoio ao desenvolvimento Sócio-Cultural, científico e económico dos povos, até
então oprimidos.
O homem tem o dever de procurar e construir um
mundo melhor, porque: «O direito de viver
em paz também pode ser interpretado como o direito de não ser vítima da
agressão. Mas se assumirmos que a agressão não é aleatória, mas causada por
factores estruturais e culturais entre e dentro dos actores, então o direito de
viver em paz é o direito de viver num cenário social (...) onde se faz qualquer
coisa sobre factores e não só sobre actores...» (HAARSCHER, 1993:213).
A construção de um mundo melhor, no sentido de
promover e preservar a paz, quaisquer que sejam os conceitos deste valor
inestimável (mesmo o mais rudimentar, como aquele que define paz como ausência
de guerra), passa, certamente, pelo conhecimento dos valores universais
constantes na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e dos instrumentos
legais, técnicos e científicos para os defender.
É necessário
combater o irracionalismo que tanto parece estar na moda, sendo certo que
atitudes irracionais, não se fundamentam na observância dos direitos humanos e,
mesmo aceitando que todo o conhecimento humano é falível e incerto, também não
é menos verdade que o conhecimento é uma procura da verdade, de teorias
explicativas e, objetivamente, verdadeiras.
Neste contexto, não é
difícil compreender que qualquer violação dos Direitos Humanos constitui um
erro grave, contudo: «combater a falha, o
erro, significa, pois, procurar uma verdade mais objectiva e fazer tudo para
detectar e eliminar tudo o que é falso. (...). Ao reconhecermos a falibilidade
do conhecimento humano, reconhecemos, simultaneamente que nunca podemos estar
completamente seguros de não termos cometido algum erro.» (POPPER, 1992:18).
As boas-práticas de deveres que conduzem a soluções
pacíficas de conflitos humanos, naturalmente, carecem de profundos
conhecimentos ético-morais, de cidadania, de Saber-ser e Saber-estar no mundo
com os outros, numa permanente postura de tolerância e responsabilidade
intelectual.
Infelizmente, o número de casos e de vítimas não
para de aumentar: campos de concentração, assassinatos, violação de mulheres e crianças,
deportações, emigração forçada, enfim, destinos terríveis, horrores que matam
pelo medo. Seres humanos: homens, mulheres, crianças, idosos, são vítimas de
fanáticos inebriados por um qualquer poder fundamentalista.
O homem intelectual, culto e responsável tem hoje,
mais do que no passado, o dever inalienável de rejeitar o relativismo radical,
na medida em que há valores que jamais se podem relativizar: Deus, verdade,
bem, justiça, paz, liberdade e tantos outros, aliás, as posições radicais não
conduzem, geralmente, a soluções equilibradas, afigurando-se do mais elementar
bom-senso, optar por atitudes moderadas.
Com efeito: «O
pluralismo crítico apresenta uma posição de acordo com a qual, no interesse da
verdade, cada teoria – e quanto mais teorias tanto melhor – deve ser posta em
plano de concorrência com as demais. Esta concorrência consiste na discussão
racional: isto significa que o que está em causa é a verdade das teorias
concorrentes. Aquela teoria, que na discussão crítica parecer aproximar-se mais
da verdade é a melhor e a melhor teoria prevalece sobre as menos boas. O mesmo
se passa com a verdade.» (Ibid.:178).
A Paz constrói-se a partir de um conhecimento cada
vez mais profundo das realidades humanas e, todas as ciências serão poucas,
todos os cientistas e intelectuais não serão bastantes para prosseguirem na
busca de um mundo melhor, no sentido, não apenas de ausência de guerra, mas
também, e principalmente, no que respeita ao dever do cumprimento dos Direitos
Humanos, sejam estes individuais ou coletivos, pelo que, de facto, urge
refletir sobre o que as ciências cognitivas podem fazer por um mundo em
efervescência. Afinal, onde é que está localizado, no cérebro humano o
“bom-senso”? Questão, aparentemente simples e inócua, cuja resposta parece que
ainda não é conhecida.
Poder-se-á colocar aqui a questão da vontade e
liberdade suficientes, para se resolver a deprimente situação da violação dos
Direitos Humanos? Será que, também aqui, o homem está determinado por
circunstâncias que não controla nem domina? Ou, pelo contrário, tem o homem a
capacidade para alterar alguma coisa?
Porque segundo Searle: «A liberdade humana é precisamente, um facto de experiência. Se desejar
alguma prova empírica de tal facto, podemos sem mais aludir à possibilidade que
sempre nos cabe de falsificar quaisquer predições que alguém possa ter feito
acerca do nosso comportamento. Se alguém prediz que eu vou fazer alguma coisa,
posso muito bem não fazer essa coisa.» (SEARLE, 1987:107).
E, ainda nesta mesma linha, o autor prossegue, mais
adiante, afirmando o seguinte: «A ciência
não deixa espaço para a liberdade da vontade (...). Por outro lado, somos
incapazes de abandonar a crença na liberdade da vontade.» (Ibid.:113).
A liberdade da vontade não depende, portanto, do
determinismo porque, de acordo com o raciocínio de Searle: «A forma de determinismo que em última análise é incómoda não é o
determinismo psicológico. A ideia de que os nossos estados da mente, são
suficientes para determinar tudo, o que fazemos é provavelmente falso. (...).
Se a liberdade é uma ilusão, porque é que é uma ilusão que, aparentemente,
somos incapazes de abandonar? A primeira coisa a observar a propósito da
liberdade humana é que ela está essencialmente ligada à consciência. Apenas
atribuímos liberdade aos seres conscientes (...) a maior parte dos filósofos
pensam que a convicção da liberdade humana está essencialmente ligada ao
processo da decisão racional. (...)».
«A experiência característica que nos dá a convicção da liberdade
humana, é uma experiência da qual somos incapazes de arrancar a convicção da
liberdade, é a experiência de nos empenharmos em acções voluntárias e
intencionais. (...) É esta experiência a pedra basilar da nossa crença na
liberdade da vontade (...)» porque: «No comportamento normal
cada coisa que fazemos suscita a convicção válida ou inválida de que poderíamos
fazer alguma coisa mais, aqui e agora, isto é, permanecendo idênticas todas as
outras condições», donde e concluindo:
«(...) a evolução deu-nos uma forma de experiência da acção voluntária onde a
experiência da liberdade, isto é, a experiência do sentido de possibilidades
alternativas, está inserida na genuína estrutura do comportamento humano,
consciente e intencional.» (Ibid.:114-120).
Será legítimo e correto afirmar-se que a construção
de um mundo de paz depende muito mais do homem, que na sua liberdade e vontade,
não estará sujeito ao determinismo absoluto, porque pode voluntária e
intencionalmente criar as condições, através das ações concretas, para um
entendimento global, naturalmente que tal intencionalidade pressupõe abdicar de
interesses diversos que possam colidir com a arquitetura de uma paz duradoira,
num mundo moderno, solidário e fraterno, onde todos os homens tenham uma
oportunidade de cooperar mutuamente.
Bibliografia
POPPER, Karl R, (1992). Em Busca de
um Mundo Melhor, 3a
Ed. Tradução, Teresa Curvelo. Lisboa: Editorial Fragmentos.
SEARLE, J., (1987).
Mente, Cérebro e Ciência, Lisboa:
Edições 70, (pág. 105-121)
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do
Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
Blog Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
https://www.facebook.com/ermezindabartolo
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