domingo, 23 de dezembro de 2018

Ensino para a Mudança, com Dominação e Dever

Neste primeiro quarto do século XXI, tem-se verificado algumas evidências que podem explicar, em parte, a situação mundial de permanente conflitualidade, possivelmente, a um exacerbar dos diversos individualismos e egoísmos que, por sua vez, não serão alheios aos sistemas político-educativos vigentes, nos últimos 40/50 anos, fundados em alguns novos valores materiais e esquecimento, preconceituoso, daqueles que, secularmente, vinham sendo ensinados e transmitidos.
 Uma educação, com objetivos técnico-científicos, justificada pela necessidade do saber-fazer que não foi, equitativamente, acompanhada pelos desígnios axiológicos, ético-morais do Saber-ser e do Saber-estar. Optou-se por uma educação para a mudança tecnológica, para uma sociedade do conhecimento, da informação e do consumo, certamente, muito importante, mas relativamente empobrecida pela pouca insistência e relevância dos domínios humanísticos e clássicos.
A educação e formação profissional que hoje for ministrada às crianças, adolescentes e jovens, serão responsáveis pelo que no futuro venha a acontecer, quando estas gerações ocuparem os diversos poderes de decisão, porque: «A cultura de individualismo é uma fonte de preocupações para a experiência escolar dos alunos, para a sua satisfação com a mesma e para a vontade de continuar. É, também, uma preocupação a longo prazo, antecipando-se o tipo de adultos em que se podem tornar estes estudantes isolados e individualistas. Farão parte de uma “geração eu” futura – individualista, materialista, hedonista e autocentrada.» (HARGREAVES, EARL & RYAN, 2001:48).
E se por um lado, a educação para a mudança, que se deseja e se considera inadiável, deverá incluir a família, como o primeiro e grande agente socializador da criança, porque é na família que ela vai adquirir os primeiros hábitos, regras, valores, comportamentos e, desejavelmente, um Saber-estar e um Saber-ser, na vida;
 Por outro lado, coloca-se, entretanto, a grave situação em que a instituição familiar vem mergulhando, desde há várias décadas. Por razões várias, a família nuclear – pai, mãe, filhos – cada vez se dissolve mais rapidamente, ou nem sequer chega a constituir-se, sendo substituída pelas famílias monoparentais e pelas uniões de facto.
As famílias nucleares, que ainda se mantêm completas e coesas, comungando objetivos comuns de segurança, afetividade, alimentação, parentesco, solidariedade e união amorosa, por sua vez, muitas delas, não estão suficientemente preparadas para darem uma educação compatível com a mudança que se preconiza.
Igualmente se deve considerar, ainda, o exercício da autoridade no seio da família, a qual também terá sido bastante enfraquecida, não tanto pela partilha de tarefas entre os cônjuges, talvez mais porque a ocupação dos pais e encarregados de educação os obrigam a longas ausências perante os filhos, procurando, depois, compensá-los com um conjunto de facilidades e objetos do gosto das crianças, reduzindo, muito, até por uma questão moral, a imposição de determinados valores, princípios e regras, o que prejudica o exercício da autoridade.
A mudança de certos paradigmas educacionais, deve ser um objetivo de todos os responsáveis pela educação, e não apenas da escola e da família, embora se reconheça que na atual situação, caracterizada por uma certa mentalidade excessivamente positivista, relegando para segundo plano outras dimensões e valores, não ser fácil às famílias e à sociedade, porque também, de alguma forma, já interiorizaram os paradigmas vigentes, não sendo garantido que se consiga alterar mentalidades, já bem cristalizadas e, mesmo ao nível da escola, as áreas humanísticas, não serem suficientemente desenvolvidas, principalmente nas escolas técnico-profissionais.
A alegada infalibilidade da ciência e da técnica; a tão propalada insubstituabilidade destes domínios; um certo preconceito de superioridade reinante em algumas comunidades, dificultam a urgente interdisciplinaridade entre ciência, técnica, conhecimentos abstratos, subjetividade de análises e posições, quando, em boa verdade, não parece existir incompatibilidade entre aqueles domínios.
O princípio a partir do qual todos devem trabalhar, é considerar que a pessoa humana é um todo: indivisível, único, irrepetível e não uma qualquer máquina, composta por várias peças, comandadas à distância e programada para determinadas tarefas, num tempo previamente fixado. É esta mudança que urge introduzir na educação das crianças, dos adolescentes, dos jovens, dos adultos e até dos mais idosos.
Uma educação para a mudança, em termos de valores que jamais deveriam ter sido esquecidos, como a Autoridade. O exercício da Autoridade Democrática permite: criar, e manter um clima de segurança, de confiança e de proteção.
Autoridade também na execução de funções profissionais, enquanto sinónimo de competência, de conhecimento, de eficácia na obtenção de resultados. Autoridade, ainda, como cidadãos, membros de instituições, a começar na instituição mais antiga e importante: a família, mesmo com todas as dificuldades que ela atravessa.
O exercício da autoridade dos pais não anula a autoridade dos filhos, porque o cumprimento dos deveres de uns equivale à fruição dos direitos dos outros. Com efeito: «Para poderem cumprir dignamente esta difícil tarefa, os pais têm de fazer sentir a sua autoridade amorosa, obrigando os filhos a comportarem-se de certa maneira, impondo-lhes determinados princípios de actuação ou submetendo-os a uma vida disciplinada. Todavia, se se deve fazer sentir a autoridade paterna e materna, esta não se pode considerar como um peso que esmaga ou abafa a personalidade infantil ou que estrangula o espírito de iniciativa e a confiança em si mesmo.» (ALVES, 1991:9).
Educar crianças com autoridade significa incutir-lhes, simultaneamente, um outro valor que é o Respeito. A autoridade dos pais, exercida com tolerância e firmeza, amor e disciplina, liberdade e obediência, contribuirá para, no futuro, aquela criança saber exercer, quando adulta, este valor superior, com idênticos parâmetros, em quaisquer papéis que vier a desempenhar, sabendo, sempre, colocar-se na posição que lhe compete, sem usurpar os direitos dos seus semelhantes.
A criança que hoje se educar será o adulto que amanhã governará o mundo, por isso, todo o investimento será pouco para a mudança que se impõe, para uma nova família, uma nova escola, uma nova sociedade.
Tudo passará pela instrução integral, assumindo-se a pessoa como a entidade mais importante entre todos os seres existentes neste planeta. Aos educadores das crianças de hoje, pede-se-lhes que as preparem para a mudança, com autoridade nas técnicas, nas estratégias e nas avaliações, com responsabilidade, moderação e generosidade.
No futuro exigir-se-á, não só uma especialização, mas o desenvolvimento de muitas outras capacidades e competências, que completam a pessoa em toda a sua dignidade, de resto, uma preocupação que não é de hoje, mas que, na prática, parece não ter, ainda, produzido resultados que ajudem a construir um mundo melhor.
As crianças, e também os educadores, devem ser orientados para: «Princípios, técnicas, conhecimentos, métodos de análise e de solução de problemas, interpretação dos resultados e enunciado correcto das respostas com projecto de colocá-las em aplicação implicando, por sua vez, em reflexão, tais as capacidades gerais a particularizar de acordo com os imperativos da mudança.» (BONBOIR, 1977:188).
A responsabilidade de educadores, professores e formadores é imensa,  não há mais tempo a perder. Naturalmente que as primeiras medidas ao nível legislativo, recursos humanos, financeiros e infra-estruturas competem aos poderes constituídos,  ao nível do aparelho do Estado, em cuja composição devem ter lugar, e voz ativa, todos os representantes do sistema educativo-formativo.
Educar para a mudança, com responsabilidade, significa inclusão de toda a sociedade, cabendo, porém, aos decisores e aos executores, promoverem uma política que, estrategicamente, prepare as crianças atuais (e também adolescentes e jovens) para: quando assumirem a cidadania plena, estarem dotadas de todas as capacidades e competências, que as tornem melhores profissionais, governantes e cidadãos, do que as gerações que as precederam e que têm vindo a ocupar os vários poderes, nas diversas estruturas políticas, empresariais, governamentais e até religiosas.
Indiscutivelmente que compete aos adultos darem o exemplo, na circunstância, o bom-exemplo, aquele que leva a criança a querer imitar, portanto, um modelo que possa trazer algo de melhor em relação ao que existe, porque, independentemente da subjetividade dos valores e dos gostos, sempre haverá um conjunto de procedimentos que servem o interesse do maior número possível, logo, da sociedade em geral. É pelo exemplo responsável e generoso que as crianças de hoje poderão ser os adultos que as gerações dos diversos poderes atuais não o foram.
A reflexão efetuada há mais de cinquenta anos, mantém-se, incomodamente, atual: «O espectáculo constante de adultos que se impõem deveres e os cumprem; não fogem às obrigações, por menores e aparentemente insignificantes, pois sabem o quanto é misterioso e fugidio o momento da influência; não procuram inocentar suas faltas com razões fúteis; não mentem aos outros nem a si mesmos; não gracejam com as coisas sérias; em suma, são exigentes consigo próprios e obedecem com amor a certas leis que lhes são superiores; esse espectáculo é o instrumento por excelência e infalível de formação do senso de responsabilidade.» (SCHMIDT, 1967:296).
Se a situação em que neste primeiro quarto do século XXI, vive a humanidade, é da responsabilidade de gerações anteriores, que não educaram convenientemente as atuais, a questão que aqui fica, para reflexão, é a seguinte: Então por que esperam os responsáveis, diretos e indiretos para, de imediato, desenvolverem os projetos que visem a mudança para uma nova educação com autoridade e responsabilidade?
Uma educação para a preparação de cidadãos, capazes de proporcionarem o bem-estar geral, quando no exercício de funções politico-governativas? Para a assunção dos deveres e direitos de cidadania? Para o exercício da autoridade democrática, partilhada entre educadores e educandos? Enfim, por uma nova sociedade dos valores altruístas, do pluralismo a todos os níveis, do multiculturalismo e da livre circulação das pessoas e bens? Pela tolerância e pela solidariedade.


Bibliografia

ALVES, A. Martins, (1991). Autoridade Educativa na Família, Porto: Editorial Perpétuo Socorro.
BONBOIR, Anna, (Dir.). (1977). Uma Pedagogia para Amanhã. Tradução, Frederico Pessoa de Barros. São Paulo: Cultrix.
HARGREAVES, Andy; EARL, Lorna; RYAN, Jim, (2001) Educação para a Mudança: Reinventar a escola para os jovens adolescentes, Tradução, Inês Simões. Porto: Porto Editora
SCHMIDT, Maria Junqueira, (1967). Educar para a Responsabilidade, 4ª edição, Rio de Janeiro RJ: Livraria Agir Editora

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo


Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal


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