Neste primeiro quarto do século XXI, tem-se
verificado algumas evidências que podem explicar, em parte, a situação mundial
de permanente conflitualidade, possivelmente, a um exacerbar dos diversos
individualismos e egoísmos que, por sua vez, não serão alheios aos sistemas
político-educativos vigentes, nos últimos 40/50 anos, fundados em alguns novos
valores materiais e esquecimento, preconceituoso, daqueles que, secularmente,
vinham sendo ensinados e transmitidos.
Uma
educação, com objetivos técnico-científicos, justificada pela necessidade do
saber-fazer que não foi, equitativamente, acompanhada pelos desígnios
axiológicos, ético-morais do Saber-ser e do Saber-estar. Optou-se por uma
educação para a mudança tecnológica, para uma sociedade do conhecimento, da
informação e do consumo, certamente, muito importante, mas relativamente
empobrecida pela pouca insistência e relevância dos domínios humanísticos e
clássicos.
A educação e formação profissional que hoje for
ministrada às crianças, adolescentes e jovens, serão responsáveis pelo que no
futuro venha a acontecer, quando estas gerações ocuparem os diversos poderes de
decisão, porque: «A cultura de
individualismo é uma fonte de preocupações para a experiência escolar dos
alunos, para a sua satisfação com a mesma e para a vontade de continuar. É,
também, uma preocupação a longo prazo, antecipando-se o tipo de adultos em que
se podem tornar estes estudantes isolados e individualistas. Farão parte de uma
“geração eu” futura – individualista, materialista, hedonista e autocentrada.» (HARGREAVES,
EARL & RYAN, 2001:48).
E se por um lado, a educação para a mudança, que se
deseja e se considera inadiável, deverá incluir a família, como o primeiro e
grande agente socializador da criança, porque é na família que ela vai adquirir
os primeiros hábitos, regras, valores, comportamentos e, desejavelmente, um Saber-estar
e um Saber-ser, na vida;
Por outro
lado, coloca-se, entretanto, a grave situação em que a instituição familiar vem
mergulhando, desde há várias décadas. Por razões várias, a família nuclear –
pai, mãe, filhos – cada vez se dissolve mais rapidamente, ou nem sequer chega a
constituir-se, sendo substituída pelas famílias monoparentais e pelas uniões de
facto.
As famílias nucleares, que ainda se mantêm completas
e coesas, comungando objetivos comuns de segurança, afetividade, alimentação,
parentesco, solidariedade e união amorosa, por sua vez, muitas delas, não estão
suficientemente preparadas para darem uma educação compatível com a mudança que
se preconiza.
Igualmente se deve considerar, ainda, o exercício
da autoridade no seio da família, a qual também terá sido bastante
enfraquecida, não tanto pela partilha de tarefas entre os cônjuges, talvez mais
porque a ocupação dos pais e encarregados de educação os obrigam a longas
ausências perante os filhos, procurando, depois, compensá-los com um conjunto
de facilidades e objetos do gosto das crianças, reduzindo, muito, até por uma
questão moral, a imposição de determinados valores, princípios e regras, o que
prejudica o exercício da autoridade.
A mudança de certos paradigmas educacionais, deve
ser um objetivo de todos os responsáveis pela educação, e não apenas da escola
e da família, embora se reconheça que na atual situação, caracterizada por uma
certa mentalidade excessivamente positivista, relegando para segundo plano
outras dimensões e valores, não ser fácil às famílias e à sociedade, porque
também, de alguma forma, já interiorizaram os paradigmas vigentes, não sendo
garantido que se consiga alterar mentalidades, já bem cristalizadas e, mesmo ao
nível da escola, as áreas humanísticas, não serem suficientemente
desenvolvidas, principalmente nas escolas técnico-profissionais.
A alegada infalibilidade da ciência e da técnica; a
tão propalada insubstituabilidade destes domínios; um certo preconceito de
superioridade reinante em algumas comunidades, dificultam a urgente
interdisciplinaridade entre ciência, técnica, conhecimentos abstratos, subjetividade
de análises e posições, quando, em boa verdade, não parece existir
incompatibilidade entre aqueles domínios.
O princípio a partir do qual todos devem trabalhar,
é considerar que a pessoa humana é um todo: indivisível, único, irrepetível e
não uma qualquer máquina, composta por várias peças, comandadas à distância e
programada para determinadas tarefas, num tempo previamente fixado. É esta
mudança que urge introduzir na educação das crianças, dos adolescentes, dos
jovens, dos adultos e até dos mais idosos.
Uma educação para a mudança, em termos de valores
que jamais deveriam ter sido esquecidos, como a Autoridade. O exercício da
Autoridade Democrática permite: criar, e manter um clima de segurança, de
confiança e de proteção.
Autoridade também na execução de funções profissionais,
enquanto sinónimo de competência, de conhecimento, de eficácia na obtenção de
resultados. Autoridade, ainda, como cidadãos, membros de instituições, a
começar na instituição mais antiga e importante: a família, mesmo com todas as
dificuldades que ela atravessa.
O exercício da autoridade dos pais não anula a
autoridade dos filhos, porque o cumprimento dos deveres de uns equivale à
fruição dos direitos dos outros. Com efeito: «Para poderem cumprir dignamente esta difícil tarefa, os pais têm de
fazer sentir a sua autoridade amorosa, obrigando os filhos a comportarem-se de
certa maneira, impondo-lhes determinados princípios de actuação ou
submetendo-os a uma vida disciplinada. Todavia, se se deve fazer sentir a
autoridade paterna e materna, esta não se pode considerar como um peso que
esmaga ou abafa a personalidade infantil ou que estrangula o espírito de
iniciativa e a confiança em si mesmo.» (ALVES, 1991:9).
Educar crianças com autoridade significa
incutir-lhes, simultaneamente, um outro valor que é o Respeito. A autoridade
dos pais, exercida com tolerância e firmeza, amor e disciplina, liberdade e
obediência, contribuirá para, no futuro, aquela criança saber exercer, quando
adulta, este valor superior, com idênticos parâmetros, em quaisquer papéis que
vier a desempenhar, sabendo, sempre, colocar-se na posição que lhe compete, sem
usurpar os direitos dos seus semelhantes.
A criança que hoje se educar será o adulto que
amanhã governará o mundo, por isso, todo o investimento será pouco para a
mudança que se impõe, para uma nova família, uma nova escola, uma nova
sociedade.
Tudo passará pela instrução integral, assumindo-se
a pessoa como a entidade mais importante entre todos os seres existentes neste
planeta. Aos educadores das crianças de hoje, pede-se-lhes que as preparem para
a mudança, com autoridade nas técnicas, nas estratégias e nas avaliações, com
responsabilidade, moderação e generosidade.
No futuro exigir-se-á, não só uma especialização,
mas o desenvolvimento de muitas outras capacidades e competências, que
completam a pessoa em toda a sua dignidade, de resto, uma preocupação que não é
de hoje, mas que, na prática, parece não ter, ainda, produzido resultados que
ajudem a construir um mundo melhor.
As crianças, e também os educadores, devem ser
orientados para: «Princípios, técnicas,
conhecimentos, métodos de análise e de solução de problemas, interpretação dos
resultados e enunciado correcto das respostas com projecto de colocá-las em
aplicação implicando, por sua vez, em reflexão, tais as capacidades gerais a
particularizar de acordo com os imperativos da mudança.» (BONBOIR,
1977:188).
A responsabilidade de educadores, professores e
formadores é imensa, não há mais tempo a
perder. Naturalmente que as primeiras medidas ao nível legislativo, recursos
humanos, financeiros e infra-estruturas competem aos poderes constituídos, ao nível do aparelho do Estado, em cuja composição
devem ter lugar, e voz ativa, todos os representantes do sistema
educativo-formativo.
Educar para a mudança, com responsabilidade,
significa inclusão de toda a sociedade, cabendo, porém, aos decisores e aos
executores, promoverem uma política que, estrategicamente, prepare as crianças
atuais (e também adolescentes e jovens) para: quando assumirem a cidadania
plena, estarem dotadas de todas as capacidades e competências, que as tornem
melhores profissionais, governantes e cidadãos, do que as gerações que as
precederam e que têm vindo a ocupar os vários poderes, nas diversas estruturas
políticas, empresariais, governamentais e até religiosas.
Indiscutivelmente que compete aos adultos darem o
exemplo, na circunstância, o bom-exemplo, aquele que leva a criança a querer
imitar, portanto, um modelo que possa trazer algo de melhor em relação ao que
existe, porque, independentemente da subjetividade dos valores e dos gostos,
sempre haverá um conjunto de procedimentos que servem o interesse do maior
número possível, logo, da sociedade em geral. É pelo exemplo responsável e
generoso que as crianças de hoje poderão ser os adultos que as gerações dos
diversos poderes atuais não o foram.
A reflexão efetuada há mais de cinquenta anos,
mantém-se, incomodamente, atual: «O
espectáculo constante de adultos que se impõem deveres e os cumprem; não fogem
às obrigações, por menores e aparentemente insignificantes, pois sabem o quanto
é misterioso e fugidio o momento da influência; não procuram inocentar suas
faltas com razões fúteis; não mentem aos outros nem a si mesmos; não gracejam
com as coisas sérias; em suma, são exigentes consigo próprios e obedecem com
amor a certas leis que lhes são superiores; esse espectáculo é o instrumento
por excelência e infalível de formação do senso de responsabilidade.» (SCHMIDT,
1967:296).
Se a situação em que neste primeiro quarto do
século XXI, vive a humanidade, é da responsabilidade de gerações anteriores,
que não educaram convenientemente as atuais, a questão que aqui fica, para
reflexão, é a seguinte: Então por que esperam os responsáveis, diretos e
indiretos para, de imediato, desenvolverem os projetos que visem a mudança para
uma nova educação com autoridade e responsabilidade?
Uma educação para a preparação de cidadãos, capazes
de proporcionarem o bem-estar geral, quando no exercício de funções
politico-governativas? Para a assunção dos deveres e direitos de cidadania?
Para o exercício da autoridade democrática, partilhada entre educadores e
educandos? Enfim, por uma nova sociedade dos valores altruístas, do pluralismo
a todos os níveis, do multiculturalismo e da livre circulação das pessoas e
bens? Pela tolerância e pela solidariedade.
Bibliografia
ALVES, A.
Martins, (1991). Autoridade Educativa na
Família, Porto: Editorial Perpétuo Socorro.
BONBOIR, Anna, (Dir.). (1977). Uma
Pedagogia para Amanhã. Tradução, Frederico Pessoa de Barros. São Paulo:
Cultrix.
HARGREAVES, Andy; EARL, Lorna; RYAN, Jim, (2001) Educação
para a Mudança: Reinventar a escola para os jovens adolescentes, Tradução, Inês
Simões. Porto: Porto Editora
SCHMIDT, Maria Junqueira, (1967). Educar
para a Responsabilidade, 4ª edição, Rio de Janeiro RJ: Livraria Agir
Editora
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo
Académico de Letras e Artes de Portugal
Blog Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
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