Invoca-se, com demasiada frequência, (correndo-se o
risco da banalização) a propósito e, algumas vezes, a despropósito, os Direitos
Humanos, contudo, nem todos sabem, objetivamente, o que isto é e, vários
conceitos surgem, em função de determinadas ideologias político-institucionais,
dizendo uns que: «se trata de
prerrogativas concedidas ao indivíduo/grupo, tidas por essenciais que toda a
autoridade política (e todo o poder em geral) teria obrigação de garantir o seu
respeito, constituindo os direitos do homem as protecções mínimas que permitem
ao indivíduo/grupo viver numa vida digna desse nome, defendido das usurpações
do arbítrio estatal.» (HAARSCHER, 1993:13); e, mais à frente: «Os direitos do homem representam as regras
do jogo mínimas que devem ser respeitadas pelos governos e pelos governados
para que uma vida digna desse nome seja possível.» (Ibid.:14).
Qualquer que seja a conceptualização do tema, a
verdade é que os Direitos Humanos pressupõem, necessariamente: uma relação, não
só interpessoal, mas também e, fundamentalmente, entre Governos e Governados;
entre Povos e Nações, ou seja, uma relação ambivalente, partindo do Estado o
dever de: por um lado, evitar, a todo o custo, limitar a liberdade dos
governados; mas, por outro lado, deve pôr em causa quando essa liberdade se
torna criminosa, atentatória dos direitos de outrem, porque os direitos do
homem estão subjacentes a uma Filosofia individualista, e o Poder só será
legítimo se respeitar um determinado número de prerrogativas concedidas ao
indivíduo, como tal considerado: o indivíduo na superior condição de pessoa
humana.
Indiscutivelmente que os Direitos Humanos
pressupõem valores que a sociedade organizada e convencionada procura respeitar,
destacando-se, qualquer que seja a sua perspectiva, a liberdade, esta
considerada nas suas multiplicas dimensões, de entre outras: a liberdade de
expressão, a liberdade de religião, a liberdade de educar.
A Civilização Ocidental, neste domínio, tem sido
pioneira: «O ocidente foi fundado por
dois acidentes históricos, o milagre grego e o cristianismo. Podemos expressar
isto com a palavra “sorte” porque estes fenómenos não foram planeadamente
criados, simplesmente surgiram.» (PEREIRA, 1993:175).
Numa interpretação, certamente criticável, à
Epistemologia de Popper que explicita a partir da intuição sociológica alguns
valores, a ideia de liberdade associa-se ao conceito ético, ligado à tradição
racionalista grega, permitindo uma relação entre: realismo enquanto pressuposto
importante; e racionalismo enquanto atitude de repercussões éticas e
gnosiológicas.
Os valores liberais estão assim relacionados com a Gnoseologia
Popperiana, que se insere na tradição ocidental, que articula o altruísmo e o
individualismo, numa realidade que o ser humano não consegue disfarçar.
A partir do dualismo crítico, na fundamentação
implícita aos valores, Racionalismo e Irracionalismo, Popper transmite a ideia
de que é impossível a redução de normas a factos, porque a opção por determinadas
regras é sempre uma decisão humana.
Na verdade: «Popper
não afirma que o irracionalismo esteja errado na sua ênfase, na passionalidade
fundamental da natureza humana (...), já que essa irracionalidade deixaria em
aberto um vasto campo para a utilização da violência como critério de resolução
de conflitos. Mesmo que partíssemos do postulado de que o impulso básico da
natureza humana é o amor esta emoção não resolveria questões políticas, pois
ninguém pode amar no abstracto. Tal emoção tenderia a dividir os homens entre
aqueles que amamos e aqueles a quem não amamos, ou seja, teremos uma ameaça ao
igualitarismo político. Esta afirmação não deve ser interpretada, como uma
crítica à ética fundada no amor, mas apenas que tal emoção não conduz à imparcialidade
e nem faculta a possibilidade de resolução racional de problemas.» (Ibid.:166-7).
Resulta que: «a
opção pelo racionalismo crítico é para Popper uma decisão moral, porque o
racionalismo implica a atitude de tolerância: ao admitir que o outro poder está
certo o coloca em igualdade de circunstâncias. Isto é, admite o igualitarismo.
Ora tanto o igualitarismo como a tolerância somente são possíveis numa
Sociedade Aberta».
E conclui respondendo à questão: «Se a opção pelo racionalismo é uma opção
moral, esta opção cria os valores ou é condicionada por eles?» A resposta
de Popper é esclarecedora porque conduz a um “à priori” de valores que coloca a
possibilidade do racionalismo crítico enquanto atitude quando diz: «(...) que a nossa civilização ocidental, deve
o seu racionalismo, a sua fé na unidade racional do homem e na sociedade
aberta, e especialmente sua afeição científica, à antiga crença Socrática e
Cristã na fraternidade de todos os homens e na honestidade e na
responsabilidade intelectual.» (Id. Ibid. 168).
Esta linha de pensamento facilita a compreensão
sobre a finalidade dos Direitos Humanos versus
Deveres do Homem, partindo da noção do princípio da igualdade perante a lei,
que é necessário existir em qualquer Estado de Direito Democrático. A este propósito
o legislador definiu uma regra que atribui vantagens a uma qualquer categoria
de indivíduos, ou a nenhuma delas, se possuir, evidentemente, o atributo
descrito na lei, ou ser privado dos ditos benefícios. Uma tal exclusão seria
equiparável a uma discriminação arbitrária, ao desrespeito por uma regra geral
decretada por uma autoridade investida de legitimidade e competência.
Várias serão as respostas, desde a crítica marxista à volta dos direitos
do homem, à interpretação daquilo a que se chamou a primeira geração dos
direitos do homem, estes últimos considerados como um sistema de valores
essencialmente individualistas, de onde se destacam, os que respeitam: a
liberdade de circulação, a personalidade, a liberdade de consciência e de
expressão e, nestas circunstâncias, toda a conceção dos direitos do homem deve
considerá-las como fundamentais.
Assim, os Direitos Humanos acompanham, necessariamente, as
transformações que se vêm operando nas sociedades “civilizadas”,
verificando-se, neste domínio, uma permanente exigência de direitos. Esta
evolução divide-se em direitos de:
a) Primeira Geração dos Direitos Humanos – As grandes
declarações dos finais do século XVIII têm a marca do aparecimento e
desenvolvimento das burguesias europeias, da luta destas contraestruturas,
instituições e mentalidades do antigo regime. Nesta fase, os direitos humanos
têm um cunho eminentemente individualista, resultante da luta das classes mais
desfavorecidas, não descurando, contudo, uma certa proteção dos interesses da
classe burguesa. Nesta geração de direitos, destacam-se: «a liberdade de circulação, respeito pela personalidade (respeito pelo
domicílio; segredo da correspondência), liberdade de consciência e de
expressão, no essencial. (...). Outros direitos ligados à burguesia também
integram esta primeira geração: direito de propriedade, como liberdade
fundamental.» (Ibid.:45).
b) Segunda Geração dos Direitos do Homem – Aqui exige-se a intervenção do
Estado, a sua prestação. Direitos ditos económicos, sociais e culturais,
encontrámo-los nos direitos: à saúde, à educação, ao trabalho, à segurança
social, a um nível de vida decente. Isto implica do Estado uma prestação
substancial em apoios de diversa natureza: financeiros, infraestruturas,
recursos humanos, ou seja, passam de um Estado mínimo criação e proteção às
liberdades fundamentais para um Estado-Providência.
Esta segunda geração de Direitos do Homem é o produto de um conjunto de
lutas e evoluções, que refletem uma filosofia em muitos aspetos diferente da
que animava, pelo menos em parte, os redatores das Constituições e Declarações
revolucionárias: «Uma tal Filosofia que
se pode qualificar, globalmente, de socializante (...) chamando a atenção para
um tema novo relacionado com a situação de finais do séc. XVIII: a miséria do
proletariado operário, e em geral das classes e camadas dominadas.» (Ibid.:48).
c) Terceira Geração dos Direitos do Homem – Esta fase
da evolução dos Direitos do Homem, será classificada como uma “banalização dos direitos do homem”. Na
verdade, proclamam-se, agora, direitos mais vagos, imprecisos tais como os
direitos: à paz; a um meio ambiente protegido; a um desenvolvimento harmonioso
das culturas: «Com efeito, para que os
direitos do homem possuam um significado preciso (...) são necessárias quatro
condições bem definidas: um titular que possa beneficiar deles; um objecto que
dê um conteúdo ao direito; uma oponibilidade que permita que o titular faça
valer o seu direito face a uma instância e uma instância organizada.» (Ibid.:51).
A banalização suave dos Direitos do Homem conduz a que cada grupo
reivindique para si mesmo, nas situações mais diversas, vantagens especiais,
corretoras para o seu estado desfavorecido. Depois: «Corre-se o risco de enfraquecer os direitos da primeira geração,
esvaziando de todo o conteúdo o princípio de igualdade perante a lei; (...)
suscita-se, inevitavelmente, um processo de arbitragem que, sem dúvida, terá os
efeitos mais desastrosos: como não se pode satisfazer todas essas
reivindicações ao mesmo tempo (...) é necessário recusar algumas (...). A
consequência inevitável será um enfraquecimento da exigência inicial dos
direitos do homem no espírito dos cidadãos: ter-se-á esquecido que a exigência
primeira tinha a ver com a luta contra o arbítrio, que esse combate não pode
ter excepções, que a segurança é ridicularizada na maior parte dos países do
mundo, e no que respeita a esta última, nenhum acomodamento é aceitável,
nenhuma transacção é legítima.» (Ibid.:213).
HAARSCHER,
Guy, (1993). A Filosofia dos Direitos do Homem. Tradução, Armando F. Silva.
Lisboa: Instituto Piaget.
PEREIRA,
Júlio César Rodrigues, (1993). Epistemologia
e Liberalismo, (Uma Introdução à Filosofia de Karl R. Popper), Porto
Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Colec. Filosofia
– 9, EDIPUCRS, (pág. 163-177)
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de
Portugal
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