domingo, 9 de dezembro de 2018

Objetivo dos Direitos Humanos: Luta Contra a Submissão

Invoca-se, com demasiada frequência, (correndo-se o risco da banalização) a propósito e, algumas vezes, a despropósito, os Direitos Humanos, contudo, nem todos sabem, objetivamente, o que isto é e, vários conceitos surgem, em função de determinadas ideologias político-institucionais, dizendo uns que: «se trata de prerrogativas concedidas ao indivíduo/grupo, tidas por essenciais que toda a autoridade política (e todo o poder em geral) teria obrigação de garantir o seu respeito, constituindo os direitos do homem as protecções mínimas que permitem ao indivíduo/grupo viver numa vida digna desse nome, defendido das usurpações do arbítrio estatal.» (HAARSCHER, 1993:13); e, mais à frente: «Os direitos do homem representam as regras do jogo mínimas que devem ser respeitadas pelos governos e pelos governados para que uma vida digna desse nome seja possível.» (Ibid.:14).
Qualquer que seja a conceptualização do tema, a verdade é que os Direitos Humanos pressupõem, necessariamente: uma relação, não só interpessoal, mas também e, fundamentalmente, entre Governos e Governados; entre Povos e Nações, ou seja, uma relação ambivalente, partindo do Estado o dever de: por um lado, evitar, a todo o custo, limitar a liberdade dos governados; mas, por outro lado, deve pôr em causa quando essa liberdade se torna criminosa, atentatória dos direitos de outrem, porque os direitos do homem estão subjacentes a uma Filosofia individualista, e o Poder só será legítimo se respeitar um determinado número de prerrogativas concedidas ao indivíduo, como tal considerado: o indivíduo na superior condição de pessoa humana.
Indiscutivelmente que os Direitos Humanos pressupõem valores que a sociedade organizada e convencionada procura respeitar, destacando-se, qualquer que seja a sua perspectiva, a liberdade, esta considerada nas suas multiplicas dimensões, de entre outras: a liberdade de expressão, a liberdade de religião, a liberdade de educar.
A Civilização Ocidental, neste domínio, tem sido pioneira: «O ocidente foi fundado por dois acidentes históricos, o milagre grego e o cristianismo. Podemos expressar isto com a palavra “sorte” porque estes fenómenos não foram planeadamente criados, simplesmente surgiram.» (PEREIRA, 1993:175).
Numa interpretação, certamente criticável, à Epistemologia de Popper que explicita a partir da intuição sociológica alguns valores, a ideia de liberdade associa-se ao conceito ético, ligado à tradição racionalista grega, permitindo uma relação entre: realismo enquanto pressuposto importante; e racionalismo enquanto atitude de repercussões éticas e gnosiológicas.
Os valores liberais estão assim relacionados com a Gnoseologia Popperiana, que se insere na tradição ocidental, que articula o altruísmo e o individualismo, numa realidade que o ser humano não consegue disfarçar.
A partir do dualismo crítico, na fundamentação implícita aos valores, Racionalismo e Irracionalismo, Popper transmite a ideia de que é impossível a redução de normas a factos, porque a opção por determinadas regras é sempre uma decisão humana.
Na verdade: «Popper não afirma que o irracionalismo esteja errado na sua ênfase, na passionalidade fundamental da natureza humana (...), já que essa irracionalidade deixaria em aberto um vasto campo para a utilização da violência como critério de resolução de conflitos. Mesmo que partíssemos do postulado de que o impulso básico da natureza humana é o amor esta emoção não resolveria questões políticas, pois ninguém pode amar no abstracto. Tal emoção tenderia a dividir os homens entre aqueles que amamos e aqueles a quem não amamos, ou seja, teremos uma ameaça ao igualitarismo político. Esta afirmação não deve ser interpretada, como uma crítica à ética fundada no amor, mas apenas que tal emoção não conduz à imparcialidade e nem faculta a possibilidade de resolução racional de problemas.» (Ibid.:166-7).
Resulta que: «a opção pelo racionalismo crítico é para Popper uma decisão moral, porque o racionalismo implica a atitude de tolerância: ao admitir que o outro poder está certo o coloca em igualdade de circunstâncias. Isto é, admite o igualitarismo. Ora tanto o igualitarismo como a tolerância somente são possíveis numa Sociedade Aberta».
E conclui respondendo à questão: «Se a opção pelo racionalismo é uma opção moral, esta opção cria os valores ou é condicionada por eles?» A resposta de Popper é esclarecedora porque conduz a um “à priori” de valores que coloca a possibilidade do racionalismo crítico enquanto atitude quando diz: «(...) que a nossa civilização ocidental, deve o seu racionalismo, a sua fé na unidade racional do homem e na sociedade aberta, e especialmente sua afeição científica, à antiga crença Socrática e Cristã na fraternidade de todos os homens e na honestidade e na responsabilidade intelectual.» (Id. Ibid. 168).
Esta linha de pensamento facilita a compreensão sobre a finalidade dos Direitos Humanos versus Deveres do Homem, partindo da noção do princípio da igualdade perante a lei, que é necessário existir em qualquer Estado de Direito Democrático. A este propósito o legislador definiu uma regra que atribui vantagens a uma qualquer categoria de indivíduos, ou a nenhuma delas, se possuir, evidentemente, o atributo descrito na lei, ou ser privado dos ditos benefícios. Uma tal exclusão seria equiparável a uma discriminação arbitrária, ao desrespeito por uma regra geral decretada por uma autoridade investida de legitimidade e competência.
Várias serão as respostas, desde a crítica marxista à volta dos direitos do homem, à interpretação daquilo a que se chamou a primeira geração dos direitos do homem, estes últimos considerados como um sistema de valores essencialmente individualistas, de onde se destacam, os que respeitam: a liberdade de circulação, a personalidade, a liberdade de consciência e de expressão e, nestas circunstâncias, toda a conceção dos direitos do homem deve considerá-las como fundamentais.
Assim, os Direitos Humanos acompanham, necessariamente, as transformações que se vêm operando nas sociedades “civilizadas”, verificando-se, neste domínio, uma permanente exigência de direitos. Esta evolução divide-se em direitos de:
a)  Primeira Geração dos Direitos Humanos – As grandes declarações dos finais do século XVIII têm a marca do aparecimento e desenvolvimento das burguesias europeias, da luta destas contraestruturas, instituições e mentalidades do antigo regime. Nesta fase, os direitos humanos têm um cunho eminentemente individualista, resultante da luta das classes mais desfavorecidas, não descurando, contudo, uma certa proteção dos interesses da classe burguesa. Nesta geração de direitos, destacam-se: «a liberdade de circulação, respeito pela personalidade (respeito pelo domicílio; segredo da correspondência), liberdade de consciência e de expressão, no essencial. (...). Outros direitos ligados à burguesia também integram esta primeira geração: direito de propriedade, como liberdade fundamental.» (Ibid.:45).
b) Segunda Geração dos Direitos do Homem – Aqui exige-se a intervenção do Estado, a sua prestação. Direitos ditos económicos, sociais e culturais, encontrámo-los nos direitos: à saúde, à educação, ao trabalho, à segurança social, a um nível de vida decente. Isto implica do Estado uma prestação substancial em apoios de diversa natureza: financeiros, infraestruturas, recursos humanos, ou seja, passam de um Estado mínimo criação e proteção às liberdades fundamentais para um Estado-Providência.
Esta segunda geração de Direitos do Homem é o produto de um conjunto de lutas e evoluções, que refletem uma filosofia em muitos aspetos diferente da que animava, pelo menos em parte, os redatores das Constituições e Declarações revolucionárias: «Uma tal Filosofia que se pode qualificar, globalmente, de socializante (...) chamando a atenção para um tema novo relacionado com a situação de finais do séc. XVIII: a miséria do proletariado operário, e em geral das classes e camadas dominadas.» (Ibid.:48).
c)  Terceira Geração dos Direitos do Homem – Esta fase da evolução dos Direitos do Homem, será classificada como uma “banalização dos direitos do homem”. Na verdade, proclamam-se, agora, direitos mais vagos, imprecisos tais como os direitos: à paz; a um meio ambiente protegido; a um desenvolvimento harmonioso das culturas: «Com efeito, para que os direitos do homem possuam um significado preciso (...) são necessárias quatro condições bem definidas: um titular que possa beneficiar deles; um objecto que dê um conteúdo ao direito; uma oponibilidade que permita que o titular faça valer o seu direito face a uma instância e uma instância organizada.» (Ibid.:51).
A banalização suave dos Direitos do Homem conduz a que cada grupo reivindique para si mesmo, nas situações mais diversas, vantagens especiais, corretoras para o seu estado desfavorecido. Depois: «Corre-se o risco de enfraquecer os direitos da primeira geração, esvaziando de todo o conteúdo o princípio de igualdade perante a lei; (...) suscita-se, inevitavelmente, um processo de arbitragem que, sem dúvida, terá os efeitos mais desastrosos: como não se pode satisfazer todas essas reivindicações ao mesmo tempo (...) é necessário recusar algumas (...). A consequência inevitável será um enfraquecimento da exigência inicial dos direitos do homem no espírito dos cidadãos: ter-se-á esquecido que a exigência primeira tinha a ver com a luta contra o arbítrio, que esse combate não pode ter excepções, que a segurança é ridicularizada na maior parte dos países do mundo, e no que respeita a esta última, nenhum acomodamento é aceitável, nenhuma transacção é legítima.» (Ibid.:213).



HAARSCHER, Guy, (1993). A Filosofia dos Direitos do Homem. Tradução, Armando F. Silva. Lisboa: Instituto Piaget.
PEREIRA, Júlio César Rodrigues, (1993). Epistemologia e Liberalismo, (Uma Introdução à Filosofia de Karl R. Popper), Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Colec. Filosofia – 9, EDIPUCRS, (pág. 163-177)


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal


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