domingo, 17 de março de 2019

A Autoridade

A pessoa humana é um ser relacional, orientada para outras pessoas e, nessa relação, cada um toma posição relativamente aos outros, por isso, só relacionando-se, corretamente, é que o homem verdadeiramente se realiza com autenticidade. A sociabilidade implica deveres e garante direitos, mas: para que estes sejam usufruídos, plenamente; e aqueles cumpridos, com rigor, é necessário que cada um trate o outro como pessoa, numa dinâmica de “Justiça-e-Amor”.

Estes dois termos do binómio, “Justiça-Amor”, serão fundamentais para a formação da pessoa, e como tal, para o desempenho do papel que socialmente lhe cabe, no âmbito da defesa e dignificação do ser humano, na convivência quotidiana e no relacionamento geral.
De entre os inúmeros papéis que se oferecem ao indivíduo em sociedade, naturalmente que interessará focar, aqui e agora, o que cabe à Autoridade no aspeto em que, vulgarmente, é invocada, ou seja, no sentido da manutenção da ordem, da segurança, da defesa dos direitos que a cada um e a todos compete.
Desde já importa definir, numa primeira abordagem, como devem ser as relações do Agente da Autoridade na sociedade em que se integra e, nessa perspetiva, tal Agente não pode ignorar que a relação social, ou societária, se define em termos de Direito e de Justiça, de Respeito e de Cooperação, devendo ver no cidadão um associado solidário e cooperante, e não apenas um meio exclusivo para atingir determinados fins, isto é: solidário, porque face a uma atuação incorreta; cooperante, porque poderá colaborar na investigação da verdade.
Admite-se, todavia, que tal indivíduo possa ser um meio, quando utilizado para serviços e ajudas em ordem ao bem-comum sendo, nesse sentido, legítimo que cada um em geral e o polícia em particular, procure nos outros os dados necessários ao cumprimento de missões altruístas, para satisfação de todos e por isso, jamais o polícia deve ver no cidadão uma “coisa”, um objeto descartável, um criminoso, que poderá servir para quaisquer tipos de arbitrariedades, para realização pessoal, ou para proveito próprio.
 O Agente da Autoridade deve solidificar as relações “Eu-Tu” para uma ampliação do “Eu-Nós”, nunca esquecendo que a melhor forma de homenagear o cidadão, o Outro, o Tu, é, precisamente, pedir-lhe a sua colaboração, o seu saber, reconhecer-lhe o seu valor e os seus direitos, a par dos respetivos deveres, como é óbvio. No fundo, e em observância do papel que a cada um cabe, a verdadeira “máxima” que se deve ter presente é aquela que nos diz: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”.
Da análise que se vem fazendo da Autoridade, um ou outro aspeto se poderá considerar, nomeadamente, aquele que se prende com a sua atividade científica, ao nível da investigação, consistindo num conjunto de diligências, no sentido de se poder esclarecer a verdade judicial, sobre determinado ato abrangido pela lei. Este aspeto da atividade da Autoridade, que é quase exclusivo da competência policial, visa obter as provas que conduzem a um resultado de certeza.
A investigação dos factos é uma missão melindrosa e difícil, havendo total necessidade de ter ao seu serviço mulheres e homens de bem, que encarem o seu trabalho como um apostolado, dispostos a jogar a sua própria vida, a sua carreia e a sua honra, pela verdade, pela justiça, pela razão, pelos deveres e pelos direitos.
Esta postura significa o drama diário do profissional pundonoroso, num meio que lhe é hostil, e onde pouco tem existido para o defender. O investigador tem como principal dever profissional a sua lealdade à verdade, ao objeto de investigação, à pessoa investigada, aos seus superiores, enfim, à Lei, porque a ação policial é, afinal, uma cadeia de colaborações, que começa no serviço perspicaz do agente policial, quer em patrulha, quer na prevenção da criminalidade quer, ainda, na simples mas necessária colheita de dados e observações que passa à brigada especializada, confirma nos laboratórios e termina na competência jurídica dos magistrados.
É um trabalho árduo, o de Agente da Autoridade policial, pleno de responsabilidades, exaustivo e, normalmente, culmina com a única recompensa do dever cumprido, isto é, eventualmente, os deveres são mais que os direitos.
A Autoridade garante a realização do bem-comum, numa sociedade atuante e concreta e, como garante dessa realização ela é, também, função mediadora entre os diversos níveis do agir social, numa convergência de pluralidades individuais e de ações que devem ser normativas e progressivas, em ordem ao bem-estar social.
Há uma dependência mútua de relações entre a sociedade, a Autoridade e o bem-comum. Neste contexto de poder social, a Autoridade seria como que o “Princípio impulsionador das vontades particulares para o bem-comum social”, todavia, enquadrada como detentora do domínio, a Autoridade seria a «pessoa (física ou moral) com poder de dirigir os membros da sociedade para o bem-comum».
Modernamente, a Autoridade é encarada como a capacidade de influir noutros, graças a certa superioridade, por estes reconhecida. Este entendimento de Autoridade verifica-se em duas ordens que são: a Autoridade Intelectual e a Autoridade Social, sendo esta a que mais diretamente influi no comportamento alheio.
Apesar da atualidade de conceitos, a Autoridade fundada não só na origem humana mediata, mas também numa origem que transcende o nível humano, derivando ultimamente de Deus, satisfaz as duas principais aporias da Autoridade, que se traduzem na sua compatibilidade com a liberdade e com a igualdade dos homens.
Esta aparente contradição, é superada pela origem que a coloca fundamentada por Deus, fonte de toda a verdadeira Autoridade, salvaguardando a dignidade de quem obedece, e aumentando a responsabilidade de quem manda, deixando intacta a igualdade fundamental.
Nesta linha clássico-cristã de caracterização da Autoridade, e como já foi afirmado, ela é o indispensável fator de unidade de qualquer grupo ou sociedade, porque visa e procura o bem, numa didática constante e dinâmica, entre aquela e os que lhe estão subordinados.
Porque a Autoridade visa o bem, é ela própria beneficiada por esse bem, que é de todos e que ela procura garantir pela mediação, cuja importância vital é indispensável na vida societária, na medida em que os interesses a conciliar e o ponto de equilíbrio a alcançar, tornam a eficácia da Autoridade muito difícil de conseguir, mas possível de atingir, desde que a Autoridade seja compreendida, pronta e corretamente acatada, dentro de limites racionais de inter-relacionamento entre Autoridade e subordinados.
Atualmente, a autonomia da razão e a promoção da liberdade, poder-se-ão compatibilizar com o respeito devido à Autoridade. Não obstante um certo utilitarismo e funcionalismo que afetam a Autoridade, e em certa medida podem desprestigiar os seus detentores, importa, isso sim, que os seus Agentes estejam preparados para assumir o papel de mediadores, de auxiliares do comportamento ético e cívico de toda uma sociedade em geral e, quando necessário, de cada cidadão em particular: não numa atitude paternalista; não numa posição de docente sapientíssimo; não como pastor religioso, em atitude beatificante; não numa posição de força, mas tão-somente numa postura fraternal, tolerante, pedagógica, concreta, objetiva, coerente e firme, em todos os aspetos quotidianos.
A Autoridade e os seus agentes, quaisquer que sejam as suas especializações: deve aquela; e devem estes, merecer a total confiança da sociedade que servem, e da qual fazem parte integrante. Os Agentes da Autoridade, como símbolos vivos e atuantes dos respetivos poderes, merecem, indiscutivelmente, melhor estatuto e, se não todos, a maior parte tem sido ignorada em direitos fundamentais de aplicação de justiça igualitária entre eles.


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal


Portugal: http://www.caminha2000.com (Link Tribuna)

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