sábado, 21 de setembro de 2019

Ser e Verdade

O Essente (essência) como ponto de partida do objeto da Ontologia, é o Ser que, não abrangendo o absoluto, permite, contudo, uma primeira reflexão filosófica que, evoluindo por várias vias, atinge, inevitavelmente, o Ser Absoluto e Supremo, no qual se consubstancializam os valores universais de unidade, verdade e bondade.
A Ontologia é, portanto, a ciência do Ser enquanto Ser, isto é, do Essente enquanto Ser, logo, excluindo o absoluto. O Ser está implicado em tudo, invade tudo e, como tal, está no Essente, embora este não permaneça no Ser Absoluto porque, de contrário, deixaria de ser Essente.
O Homem é um Essente, diferente de todos os outros Essentes, ou até mesmo um Ser em Potência, a caminho da absolutização, principalmente no que se refere à sua parte espiritual. Não pode o homem aceitar incluir-se, apenas, no mundo animal, pelo facto de apresentar uma bioestrutura orgânica, com movimentos próprios e específicos e, por razões diferentes, não pode, agora, aspirar à perfeição do seu Criador.
Entre os dois extremos desta verticalidade ontológica, digamos que o homem tenta situar-se na compreensão do mistério do Ser, saber o que é Ser e como o Ser se espelha nos essentes. A sua posição é, assim, como que a de uma ponte, entre a Natureza e a Divindade. Portanto, se o homem não é Ser absoluto, mas é mais do que Essente, então o homem é Ser como tal, tomado onticamente.
O Ser Absoluto, é aquele que possuindo a verdade ontológica, tem consciência da sua presença, e conhece da existência e essência de todos os essentes, porque enquanto alguns destes apenas conhecem a verdade lógica, aquele conhece a verdade em toda a sua extensão, eles identificam-se com a verdade, ela é a verdade.
O Ser mesmo em si, possui a verdade projetiva, porque ela projeta-se na criação, como um artista projeta a sua verdade, o seu objeto, realizando-se, também e primeiro, o Ser mesmo a realizou. Mas o Ser mesmo, por outro lado, transparece no juízo pois ele é condição da sua possibilidade. O juízo é o característico ato de pensar humano, logo o Ser revela-se no homem, ele é o laço unitivo sujeito-predicado, expresso pelo verbo “ser”.
O Ser Absoluto é revelado na síntese do juízo, porque o Ser que se cause para que possa ser pensado, não é um ser lógico, um ser real, mas também, e principalmente, um ser absoluto, porque é válido para qualquer ser cognoscente, de uma maneira absoluta, é uma síntese absoluta, carácter absoluto de verdade e, ainda que relativize a verdade, é uma relatividade absoluta.
A Verdade, numa concepção tradicional, só se entende como uma coincidência entre a faculdade pensante e a coisa em si, a mente. Numa posição teórico-académica, pode-se distinguir várias modalidades de verdade, designadamente: a verdade projetiva ou constitutiva, quando não pressupõe nenhum objeto dado, pelo contrário, quando o pressupõe, então diz-se objetiva ou apreensiva e ainda, neste caso, poderá apresentar três formas distintas: a verdade lógica, que está na mente enquanto relacionada com o objeto, será o intelecto em ato; a verdade ôntica, se apenas está na coisa e é susceptível de se tornar acessível à mente, isto é, de ser inteligível; finalmente, a verdade ontológica, se está, simultaneamente, na mente e na coisa, coincidindo o inteligível em ato com o intelecto em ato.
Em última análise, a verdade implica sempre uma relação de conformidade, entre a inteligência e o ser. Naturalmente que a verdade mais perfeita, mais incontestada, reside na união esplendorosa da mente e da coisa, é a verdade ontológica.
O Ser mesmo, é verdade porque aquilo que se opõe à verdade do ser mesmo, seria opaco, e a verdade é transparência absoluta, verdade ontológica, plena. O Essente também é verdade ontológica, porque se o Essente só é enquanto nele transparece o Ser, e o Ser é verdade, então o Essente é verdade em si, e é verdade ontológica no sentido análogo.
A humanidade caminha, inexoravelmente, para a Verdade, muito embora julgue poder encontrar verdades na satisfação das mais humilhantes futilidades. Pensa-se na “verdade do luxo”, na “verdade da ostentação”, na “verdade da gula”, na “verdade da vingança”, na “verdade pecuniária”, na “verdade da técnica instrumental”, na “verdade material”.
Estes conceitos patológicos de verdade, que afetam a moderna civilização é, no fundo, a “verdade” da escravidão, do vício, da perversão, da deslealdade, da falta de solidariedade, da ausência da reciprocidade, da ingratidão, da desumanização.
Esta, ou estas, são em concreto as nossas verdades, pelas quais nos digladiamos e, até nos matamos. Este é o ser verdadeiro idolatrado pelas multidões, embriagadas pela ganância material. A verdade está, finalmente, na luta pelo poder, pelo domínio dos homens por outros homens, pelo esmagamento de tudo e de todos os que estorvam os nossos pérfidos desígnios.
Eis a verdade da falsidade, que um pouco por toda a parte se vai defendendo, como valor fundamental do êxito pessoal, profissional, social, político, económico e, até, veja-se bem, da cultura. Vale tudo para sermos importantes, notados, solicitados e dominadores. Viva o “Salve-se-quem-puder”.
Mas a verdade é coisa bem diferente, como bem diferente desta humanidade alienada é o Ser que lhe deu origem. Verdade e Ser são, antes de mais, duas dimensões éticas, profundamente imbricadas, e cuja ação humana jamais destruirá, por mais técnicas que invente e utilize.
O Ser é Verdade, porque Ele assim o disse. A Verdade é o Ser, porque ela é transparente, clarividente, infalsificável e plena de absolutização. Quer isto dizer que, por um raciocínio lógico, o homem pode, ainda, inverter a sua marcha de forma a encontrar o trilho que conduz à verdade, bastando que para tanto tenha bem acesa a chama interior da fé.
Sim, porque a fé é uma verdade que move multidões, porque a fé no sobrenatural é-nos revelada no quotidiano, porque a fé no Algo infinito e Misterioso nos incute respeito e temor e, por que não, nos subjuga perante a grandeza catastrófica dos fenómenos naturais e espirituais, por mais explicações científicas e técnicas que se lhes queiram dar.
Ser e Verdade são, portanto, como que a essência indestrutível do misterioso, do indecifrável, do divino, do infinito. Não significa isto, porém, que em cada homem não exista um ser pleno de verdade, mas pelo contrário, é no homem que devemos encontrar a imagem verdadeira transmitida por Ele, pelo Ser Supremo Absoluto. É no homem que a figura do “demiurgo” (Artífice ou criador, divindade responsável pela criação do universo físico) se materializa em tudo o que de verdadeiro se concretiza.
Ser e Verdade, Deus e Homem, são os binómios que jamais se poderão dissociar, de contrário correr-se-á o risco da total destruição. Poderá parecer que esta reflexão esteja influenciada pela verdade agostiniana, todavia, afigura-se mais correto afirmar-se que a verdade defendida se prende com a carência cada vez mais sentida da implementação dos valores fundamentais, a principiar pelos valores religiosos cristãos, porque, afinal, o homem para além de “homos philosophicos” é, também, “homo religious”.
Poderemos estar em condições para, face às convicções filosóficas de muitas pessoas, à profundidade da fé, ao espirito abnegado mas firme que se incute nos atos praticados, e ao repúdio que as atitudes extremistas sempre suscitam, se afirmar que a Verdade é a totalidade do Ser, que se encontra numa conduta reta, justa e favorável ao bem comum da humanidade.
Poder-se-á ser apelidado de utópico, sonhador, de irrealista mas, na verdade, quando com ela se é confrontado, através dos mais horrendos crimes, tais como: a guerra, a pedofilia, as violações dos direitos fundamentais de toda e qualquer pessoa, é impossível não se pensar que nos encontramos num mundo de falsidades, num mundo do “não-ser”, porque a Verdade que nos foi legada é totalmente diferente, é oposta à verdade apregoada pelos vendilhões de “valores e bem-estar”.
Seguramente que se deve procurar não se ser cético e, com otimismo, admitir que existe a Verdade, não a verdade matemática do tipo: ”dois mais dois, são quatro”, mas a verdade do que cada um pensa e manifesta pelas palavras, pelos seus atos, para que considere estar perante a verdade, pelo menos, perante a “sua verdade”.


Venade/Caminha – Portugal, 2019

Com o protesto da minha perene GRATIDÃO

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
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