Parece
existir grande consenso sobre a determinação espácio-temporal da génese da
História, e que segundo o mesmo assentimento, ela terá surgido da antiga
Grécia, a partir de uma tentativa para passar de uma explicação mitológica dos
factos para uma interpretação mais racional, mais humana, o que implica que nas
origens da História se possa encontrar a influência da Filosofia, tendo sido
Heródoto o seu principal impulsionador, que toma a seu cargo a tarefa de
consultar as testemunhas oculares dos acontecimentos que narra, resultando numa
maior dose de verdade das narrativas, às quais ele próprio resolve chamar de
História.
A
historiografia grega não ultrapassou muito a crónica, predominando uma
orientação filosófica sustentada por Platão e Aristóteles, e porque os
principais historiadores, Heródoto e Tucídides não foram capazes de fornecer, em relação
ao passado, mais que informações imprecisas.
A finalidade do estudo histórico
nos gregos era contribuir para a formação da polis, através da memória da ação
do homem no passado, verificando as causas da guerra. De uma maneira geral, os
historiadores gregos, já apontados e ainda um outro chamado Políbio, não
conseguiram libertar-se, totalmente, dos efeitos da Mitologia e da Filosofia, conferindo
às suas narrações um certo cunho determinista, subordinando, excessivamente, a
ação do homem ao meio e aos deuses.
Apesar de tudo, os gregos deram
passos significativos para a elaboração de uma teoria da história e,
paulatinamente, foram passando de um teocentrismo crítico para um
antropocentrismo racional, colocando o homem no centro das preocupações
filosóficas, sendo de realçar o contributo dos sofistas e de Sócrates.
Na época cristã medieval, a
História assume uma nova dimensão, face à influência dos textos sagrados da
Bíblia, que se tornaram relevantes para a teoria da história, afirmando-se,
claramente, a unidade da espécie humana, a irreversibilidade do tempo, em
oposição ao tempo mitológico, cíclico, tornando-se num tempo linear, procurando
alcançar uma meta, no sentido do progresso, defendendo-se a dualidade da sua
fundação, porque se considera que a História é obra de Deus e do Homem e,
finalmente, a defesa do conceito cristão da incomparável dignidade da pessoa
humana. Sempre a pessoa em destaque, na sua dimensão mais humanista.
Durante esta época, a História
desenvolve-se muito à volta da vida dos santos, é a chamada Hagiografia, e que
tinha como principal interesse e objetivo, descrever a vida de grandes homens,
cujos exemplos de abnegação e sacrifício, em defesa duma religião e de Cristo,
deveriam servir de guias orientadores para os vindouros, tal como os gregos a
perspetivaram para a formação dos governantes da polis.
Com o Renascimento a História
comporta novas influências, no sentido da revolução da mentalidade, encaminhada
agora para que o homem atingisse a maioridade e que, segundo Kant, seria
alcançada no século XVIII, com o iluminismo. É assim que o homem se desprende
mais da divindade, para se agarrar à vida terrena, reduzindo-se o papel de Deus
e dando-se ênfase à condição humana.
É no período das Luzes e, como
consequência, de todo um movimento expansionista da Europa que se verificam
grandes acontecimentos, dignos de registo histórico: o desenvolvimento das
ciências, os grandes inventos, enfim, todo um conjunto de factos que
impulsionam as técnicas a todos os níveis. A História teve de acompanhar este
movimento ascensional.
No campo religioso acentua-se a
mentalidade iniciada no Renascimento, no Humanismo e na Reforma, difunde-se uma
religião sem dogmas. Verifica-se um grande desnível entre os séculos XVII e
XVIII. No primeiro, o homem é profundamente cristão, dogmático; pelo contrário,
o homem do século XVIII é anticristão, defende o direito natural e relega para
segundo plano o direito divino.
Estes movimentos repercutem na
História algumas dificuldades na sua evolução, já que os iluministas eram
a-históricos, não lhes interessando o passado, apenas consideravam o presente,
como ponto de partida. Não obstante esta posição anti-histórica, o século XVIII
produziu alguns historiadores, tais como David Hume, Condorcet, Montesquieu.
Fizeram-se reflexões sobre a
História, pretendeu-se explicar a História através da razão, acentua-se a
corrente naturalista. A História vai, assim, evoluindo no sentido mais profano,
mais tecnicista para, finalmente, desembocar no positivismo de Augusto Comte,
no século XIX e aqui sofre, pela primeira vez, a sua grande transformação: quer
no que se refere aos seus objetivos; quer quanto aos métodos. É o Positivismo,
período de grande salto histórico, a partir do qual a História entra,
definitivamente, no grande mundo das ciências.
Os positivistas exigem da
História filiação racional, elevação para além do individual, formulação de
leis absolutas, objetivas e universais. Eles, os positivistas, partem das
fontes e da sua crítica interna para delas extrair os factos. A erudição
afirma-se, a formação profissional do historiador apura-se e desenvolve-se,
exaustivamente, a crítica da proveniência, da autenticidade e da exatidão das
fontes.
A História torna-se ciência de
laboratório, em que o historiador é um observador passivo, uma espécie de
fotógrafo do passado, o dado histórico é perfeitamente objetivo, basta
apreendê-lo e reconstruir com “tesoura e cola”. A História positivista dá
primazia ao facto político e secundariza os aspetos económicos, sociais e
culturais.
É uma História factual, que
reconhece que os fenómenos políticos dominam os fenómenos profundos da vida
económica, intelectual e social. Não obstante as transformações que os
positivistas tentaram introduzir, a caraterística da História do século XIX é a
da História Normativa, tal como no século XVIII, onde, por vezes, romanesco e
histórico se confundem. Esta História é uma história objetiva, individualizante,
evoca a Idade Média e glorifica a Pátria.
Valerá a pena tentar interpretar
o conceito de História, através de alguns autores, deste século XIX. Assim,
para Alexandre Herculano: «História, não tanto dos
indivíduos como da nação; História que não ponha à luz do presente o que se
deve ver à luz do passado; História que ligue os elementos diversos que
constituem a existência de um povo em qualquer época, em vez de ligar um ou
dois desses elementos, não com os outros que com ele coexistirem, mas com os seus
afins na sucessão dos tempos, graduados pelos topos cronológicos, com massa de
papel feita das folhas da arte de verificar as datas.» (HERCULANO, 1842: 37-38;
100-103).
Para outro autor, Hegel, que não
sendo propriamente um historiador, deu, no entanto, o seu conceito sobre a
História, e que para o qual a História seria a “odisseia do Espírito”. Apesar de tudo, a História ainda não é a História
do passado humano, não é a História do homem ou dos homens e, como tal, ela
procura evoluir no sentido de cumprir o melhor possível os objetivos que lhe
são próprios, pelos métodos científicos que a caracterizam e que melhor se
adequem à concretização da sua objetividade.
O século XX ficará na história da
História como o século do arranque final de uma nova História, contra uma
pseudo-História, contra a História dos privilegiados, contra os métodos
tendenciosos, comprometidos e corruptos, utilizados por certo tipo de
historiadores.
De facto, a História assumiu,
definitivamente, o seu lugar entre as ciências humanas. Uma História que se viu
apoiada no início daquele século pela Sociologia de Émile Durkheim, pela Geografia Humana de Albert Demangeon e Vidal de
la Blache, ela evoluiu na Sociologia, na Economia e no Espaço.
Em consequência da grande crise
do mundo capitalista de 1929, Lucien Febvre e Mark Block lançaram
a revista "Annales d'histoire
économique et sociale”, reagindo, firmemente, ao monopólio da
História política institucional, factual e determinista dos positivistas.
É
uma História explicativa, renovadora da problemática das suas fontes, técnicas
e métodos, captando a realidade social e eleva-se até à história comparada das
civilizações. É uma História Total, interessando-se tanto pelo passado como
pela atualidade.
Ela
trata de promover o conhecimento da situação económica, chama a atenção para os
grupos sociais, sua estratificação e relações entre si, para as interações
existentes entre os diferentes níveis da realidade histórica – o económico, o
social, o cultural, o religioso.
Entretanto,
em 1946 os “Annales”
tomam nova designação: “Annales, Economies, Sociétés, Civilizations”.
Mais do que nunca os “Annales” querem fazer compreender, pôr problemas,
construir uma História Problemática.
Uma
História regressiva, que permita compreender o presente pelo passado e,
igualmente, o passado pelo presente: «De
entre as coisas passadas, mesmo aquelas – crenças desaparecidas sem deixar o
menor rasto, formas sociais malogradas, técnicas mortas – que, como parece,
deixaram de dirigir o presente, iremos considerá-las inúteis para a sua
compreensão? Seria esquecer que não há verdadeiro conhecimento sem um certo
teclado de comparabilidade ao mesmo tempo diferentes e, contudo, apresentadas.
Ninguém poderá dizer que não seja assim.» e, ainda: «A incompreensão do presente, nasce fatalmente, da ignorância do passado»
(cf. BLOCK, 1982:39-46)
Uma
História explicativa, comparada. Ela renova-se integralmente, quer a nível da
problemática, quer a nível da metodologia quer, ainda, pela aparição no campo
da História, aliás, já em 1869, Michelet faz uma referência à Nova História,
apelando para duas orientações essenciais: uma, História da cultura material,
interessando-se pelo clima e alimentação; a outra, uma História mais
espiritual, dos costumes, anunciando a História Antropológica.
A
Nova História, é a História de todos, de todos os homens, sem privilégios,
História de estruturas de movimentos. Esta História destrona facilmente a
História Política e aproxima-se da Antropologia, Economia, Geografia,
Sociologia, Psicologia, Ciências Exatas.
Segundo
Jaime Cortesão: «Uma antiquada conceção,
cuja carreira não terminou de todo em Portugal, faz consistir a História na
evocação dos homens e dos eventos singulares, faustosa galeria de retratos e
painéis de batalhas, a que se acrescenta quando muito o quadro das instituições»
(CORTESÃO, 1964:13). Esta História já não tem justificação moral, verídica e
científica.
Numa
linha de orientação muito semelhante, REGLÁ defende que: «No nosso tempo os historiadores protagonizam uma autêntica revolução
metodológica, destinada, primordialmente a alcançar a maior aproximação possível
entre a História como ciência e a vida humana como realidade, que consiste em
adequar a História à vida.» (1970:13-14).
Por
outro lado, Simiand, em 1903 denuncia os três ídolos da tribo dos
historiadores: o ídolo político – preocupação geral pela história política; o
ídolo individual – hábito de conceber a História como a história dos indivíduos
e, por fim, o ídolo cronológico – costume dos historiadores se perderem nos
estudos das origens. (cf. SIMIAND, 2003)
Finalmente,
a Nova História, relaciona-se com o Marxismo, o qual apela à noção de
estrutura, periodizando a História em: Esclavagismo, Feudalismo e Capitalismo
que, segundo ele, constitui uma teoria de longa duração.
A Nova História
interessa-se pelo que é constante, durante longo espaço de tempo, prefere o
facto regular, daí que em 1932, Labrousse distinga três tipos de movimentos:
Longa Duração, Oscilação Cíclica e Variações Sazonais. É necessário estudar o
que muda lentamente, a estrutura.
Segundo
Braudel, pode-se distinguir no tempo histórico três níveis diferentes: «À superfície, uma História dos eventos,
inscreve-se no tempo curto; é uma micro-história. A meia encosta, uma história
da conjuntura, desenvolve-se a um ritmo mais largo e mais lento. Até hoje ela
foi estudada no plano da vida material, dos ciclos ou intercíclos económicos.
Para além de tal recitativo da conjuntura, a história estrutural, ou de duração
longa, respeita a séculos inteiros, situa-se no limite do movente e do imóvel
e, pelos seus valores estáveis durante muito tempo, parece invariável
relativamente às outras histórias, que se escoam e realizam mais rapidamente e
que, em suma, gravitam em torno dela». (BRAUDEL, 1958, in: GURVITCH, 1977:
92-93).
É possível resumir os três níveis diferentes do
tempo histórico, da seguinte forma: a) Acontecimentos – Factos ocasionais,
efémeros, aparentemente independentes, localizando-se a tempo curto, ou de
curta duração; b) Conjunturas – Acontecimentos que interessam enquanto
elementos de uma série que se interrelacionam na medida em que permitem chegar
às variações conjunturais. As conjunturas dizem respeito às oscilações
cíclicas, ao tempo de média duração. Há conjunturas sociais, políticas,
económicas, culturais, religiosas, etc. São pedaços da História; c) Estruturas
– São realidades estáveis e permanentes, quase imóveis. Nestas realidades,
aceitam-se as sujeições impostas pelo meio geográfico, pelas hierarquias
sociais, pelas mentalidades coletivas, pelas necessidades económicas. O estudo
da estrutura, é o estudo do residual.
Pode-se considerar, portanto, que a História
Tradicional, a História Conjuntural e a História Estrutural, constituem
unidades de medida diferentes. A História Tradicional seria a história de
boatos; a História Conjuntural, história de blocos e a História Estrutural,
história de movimentos plurisseculares.
A evolução historiográfica foi influenciada pela técnica, métodos e
vocabulário de sociologia, da linguística, da política, da economia, surgiu a
história serial, a história qualitativa e quantitativa.
A Nova História ou História Total, tende para a História Global, com o
auxílio das séries e das estatísticas, muito ficando a dever à quantificação
que passa da curta para a longa duração.
BLOCK,
Marc, (1982). Introdução à História. 4ª Edição. Tradução, Maria Manuel e Rui
Grácio. Sintra: Publicações Europa-América
CORTESÃO,
Jaime, (1964). Os Factores Democráticos
na Formação de Portugal. Lisboa:
Livros Horizonte. (1ª ed. 1930).
GURVITCH, Georges, (1977). Histoire et Sociologie,
in: Traité de Sociologie. Tomo I. São
Paulo-Brasil: Livraria Martins Fontes
HERCULANO,
Alexandre, (1842). Cartas sobre a História de Portugal. Opúsculos. Tomo V, 4ª
ed. Carta I 37-38; Carta IV 100-103.
REGLÁ,
Juan, (1970). Introdução à História. Barcelona: Teide.
SIMIAND,
François, (1903). Método Histórico e Ciências Sociais. Tradução, José Leonardo
do Nascimento. Bauru/SP: Edusc.2003.
Com o protesto da minha perene GRATIDÃO
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de
Portugal
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