A ideia relativa à influência de Pinheiro Ferreira (1769-1846) nos Direitos Humanos, é reforçada pela sua defesa sobre a independência das nações, embora estas necessitem da cooperação entre elas: indiscutivelmente que o Brasil não era exceção, muito embora estivesse sob o domínio Português. O facto de ele desejar permanecer naquele território, com D. João VI, em nada minimiza a sua abertura e apoio a uma independência tranquila.
Quando ele defende a interdependência entre as
Nações, estaria também a desejar que a cooperação entre Portugal e Brasil se
mantivesse, sem prejuízo das suas identidades e autonomias: «Parecia a
Silvestre Pinheiro de todo inevitável a reforma das instituições. Contudo,
entendia que a revolução não era o veículo propício a esse fim. Incumbiria,
portanto, antecipar-se à hecatombe e preparar a transição sem maiores choques e
lutas. Com esse espírito redigiu, em 1814-1815, as normas que deveriam presidir
a reforma da monarquia.» (CARVALHO, 1989:75).
O processo ligado à Independência do Brasil, e as
medidas então delineadas pelos vários grupos políticos intervenientes,
constitui um período fecundo da história comum dos dois países irmãos, durante
o qual e na sua fase mais crítica, Silvestre Pinheiro Ferreira exerceu um papel
muito profícuo, no sentido de se evitarem rupturas violentas, e manter a
dignidade do monarca D. João VI.
Sabe-se que o Brasil suscitara grande interesse,
designadamente, à Grã-Bretanha, que a partir da abertura dos portos
brasileiros, em 1808, retirara da então colónia portuguesa vantagens
económicas.
Não seria correto que Portugal deixasse de
manifestar o apoio e solidariedade possíveis: «A Independência do Brasil foi
uma revolução legítima: nada quis destruir. Apenas construir. O Brasil passou
de monarquia absoluta a monarquia constitucional, de reino unido a nação
soberana, tudo isto graças à acção de instrumentos de governo e instituições
vindas da situação anterior. A independência não podia ser uma ruptura, uma
quebra da tradição, mas antes representar uma filiação contínua desde Ourique
(1140): Fundação de Portugal) ao Ipiranga 1822.» (MOREIRA, 1985:221,
Apud TORRES, 1964)
Sabia-se das intenções de Napoleão da conquista da Península Ibérica e
verificou-se, mais tarde, que tal desiderato se concretizaria pelas invasões
francesas. Pinheiro Ferreira, atento a tais incursões, e porque não estaria nas
boas graças do imperador francês, não tinha dúvidas sobre o que viria a
acontecer, caso não fossem tomadas medidas, a principal das quais: colocar-se a
Corte a salvo, evitando a humilhação e a perda da soberania.
Isto mesmo se confirma através da seguinte passagem: «Em 1803 advoga
calorosamente igual solução D. Rodrigo de Sousa Coutinho – e Silvestre Pinheiro
Ferreira é de parecer que à lusitana monarquia nenhum outro recurso restava
senão o de procurar quanto antes nas suas colónias um asilo contra a hidra tão
crescente, que jurara inteira destruição das antigas monarquias da Europa.
(...) e Tomás António de Vila Nova Portugal quer que pelo menos D. Pedro, ainda
Príncipe Real, parta para o Brasil: fulminado o trono em Lisboa, a árvore da
pátria refloresceria no seu ramo do Rio de Janeiro.» (AMARAL, 1979:493).
O papel influente, porque moderado, sensato e exercido com uma postura
de Estado, por parte de Silvestre Ferreira, continuaria a ser invocado.
Disse-se antes, qual foi a sua posição relativamente a D. Pedro que, então,
estaria a ser influenciado por grupos políticos brasileiros,
pró-independentistas, a qualquer preço, ao sugerir a D. João VI que mandasse
encerrar o príncipe na Fortaleza de Santa Cruz.
De facto, o que mais tarde alguns autores comprovariam é que: por um
lado, D. Pedro pretendia tornar-se Imperador do Brasil; mas, por outro,
continuava mantendo hábitos e postura portugueses e, neste pormenor, Pinheiro
Ferreira teceu alguns comentários: «O desprezo que o príncipe manifestara
por nossos compatriotas (pelos brasileiros) era um sentimento pouco nobre, com
que os portugueses frívolos e enfatuados, do alto da sua imaginária
superioridade, olhavam para o povo que eles supunham acorrentado ao carro
desconjuntado do poder real bragantino.» (GAMA, s.d.:10).
Poder-se-ia continuar a desenvolver, até à
exaustão, a influência de Pinheiro Ferreira, no domínio relacionado com os
Direitos Humanos, nas diversas e complexas intervenções que teve,
fundamentalmente no Brasil, de forma pessoal, direta e frontal, convicto da
justeza das suas posições. Não é de estranhar a constante alusão que, por parte
dos investigadores brasileiros e portugueses, lhe fazem, em inúmeras obras, em
sucessivas e atualizadas edições.
Na verdade, importa realçar, pela positiva, o
contributo deste ilustre luso-brasileiro. E quando, em 9 de Janeiro de 1822,
dia do Célebre «FICO», uns
davam vivas a Portugal, outros ao Brasil, outros ainda à união de Portugal com
o Brasil, alguns apoiavam as Cortes em Lisboa, outros desobedeciam-lhe, enfim,
uma completa confusão, se reconhece, uma vez mais, a lúcida visão, deste amigo
do Brasil.
Sobre tais acontecimentos, se escrevia então: «Tinha
razão Silvestre Pinheiro Ferreira quando em 1822, na qualidade de Ministro dos
Negócios Estrangeiros do Governo Português, informado sobre os sucessos no
Brasil, afirmava desejarem as províncias apenas que (os negócios que só dizem
respeito a qualquer delas comecem e acabem dentro delas), sejam tratados,
julgados e decididos por homens aí residentes e por elas escolhidos. Era a
autonomia administrativa que desejava a maioria dos elementos conservadores e
não a total independência.» (MOTA, 1990:103).
Significativo, porque revelador da defesa de um dos
mais desejados Direitos Humanos: a Paz, é o ofício de Silvestre Pinheiro
Ferreira, já na qualidade de Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra,
comunicando a decisão de D. João VI regressar a Portugal, considerado “monumento histórico digno de ser conservado”
e que se transcreve na parte diretamente relacionada com o mais fundamental dos
Direitos Humanos, já invocado, a Paz.
Com efeito «Sendo por este modo, chegada a feliz
época marcada por sua Majestade ao momento da sua partida d’essa cidade, para o
desempenho da sua Real palavra, de que voltaria a felicitar com a sua augusta
presença a antiga capital da Monarquia, logo que restituída a paz geral, lhe
fosse lícito regressar, sem comprometimento dos interesses dos seus vassalos,
nem da dignidade da sua real Coroa.» (CONSTÂNCIO, 1839:238-239).
Do que antecede, fica-se agora em melhores condições
para refletir sobre a influência de Silvestre Pinheiro Ferreira, mesmo que
avaliada na sua quota-parte mínima. No que concerne à Independência do Brasil,
de uma forma praticamente pacífica e que, decorridos quase dois séculos,
verifica-se que não ocorreu qualquer tipo de descolonização indigna para os
colonizadores, e muito menos para os colonizados.
A mesma sorte, não tiveram os povos da Índia
Portuguesa, Angola, Moçambique, Guiné e Timor: onde verdadeiras atrocidades
foram cometidas; onde milhares de pessoas viram as suas vidas ceifadas em plena
juventude; onde milhões de pessoas lutam contra a fome, contra a doença, contra
as armas, contra a ignorância.
Estes povos buscam, incessantemente, a reconquista
de direitos perdidos, o exercício de Direitos Humanos fundamentais: Liberdade,
Segurança e Propriedade, suportados pela Saúde, pela Educação, pela Formação,
pelo Trabalho, pela Paz, pela Democracia, enfim, apoiados por Governos
verdadeiramente solidários com os mais desfavorecidos, representativos de todo
um povo que via na libertação colonial a sua felicidade.
O Brasil é, portanto, o paradigma do que se pode e
deve fazer, quando homens como Silvestre Pinheiro Ferreira divulgam e praticam
os mais elementares Princípios, Valores e Direitos Humanos. Parece ser este o
contributo do filósofo, publicista, jurisconsulto, diplomata e político
luso-brasileiro que, à sua época, foi considerado demasiado avançado nos seus
ideais.
Silvestre Pinheiro Ferreira bebeu o espírito das
luzes e, moderadamente, o quis incutir à sociedade do seu tempo, no sentido de
libertar o povo da opressão do absolutismo. Ele sabia que pela: Educação,
Trabalho, Formação Profissional, Liberdade, Segurança e Direito à Propriedade
Privada se chegaria a uma sociedade mais justa.
Uma sociedade sem privilégios, como sempre, e muito
bem defendeu, e que hoje se reconhece fundamental, justamente a partir de um
contemporâneo de Silvestre Pinheiro Ferreira: «As desigualdades admitidas seriam aquelas que comprovadamente
produzissem prosperidade comum, e que não resultassem apenas em privilégios
produzidos pela arte social.» (SILVA, 2004:53).
AMARAL,
João, (1979). História de Portugal,
das origens até 1940, Porto: Tavares Martins.
CARVALHO,
José Maurício de, (1989) “O Liberalismo de Silvestre Pinheiro Ferreira”, in: Convivium, Vol. 32, (1), São
Paulo: Convívio, jan./fev. págs. 64-77.
CONSTÂNCIO, Francisco Solano, (1839) História do Brasil: Desde o seu Descobrimento por Pedro Álvares Cabral
até a Abdicação do Imperador D. Pedro I, Tomo II. Paris: Portugueza
GAMA,
Aníbal, (s.d.). D. Pedro, na Regência.
Volumes CXXIX e CXXX. (Biblioteca
Militar). Rio de Janeiro: Gráfica Lammert Limitada, págs.7-21
MOREIRA, Earle Diniz Macarthy, (1985). “O Reconhecimento da
Independência do Brasil pela Espanha”, in:
Veritas, Porto Alegre: PUC-Rio Grande do Sul, Vol. 30, (118), junho,
págs. 217-239, Apud. João Camilo Torres, em A Democracia Coroada, 2ª. Ed.
Petrópolis: Vozes, 1964 e José Honório Rodrigues, Independência: Revolução e Contrarrevolução.
MOTA,
Carlos Guilherme, (organização e introdução), (1990). Brasil em Perspectiva, 19ª. Ed., São Paulo: Bertrand, Apud,
Silvestre Pinheiro Ferreira, in:
“Cartas Sobre a Revolução do Brasil”, Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, Tomo LI.
SILVA,
Sidney Reinaldo (2004). “Instrução e Civilização em Condorcet”, in: Revista de Educação, Campinas SP:
PUC-Campinas, Nº 17, págs. 47-55, novembro 2004
Venade/Caminha –
Portugal, 2020
Com o protesto da minha perene GRATIDÃO
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de
Portugal
NALAP.ORG
http://nalap.org/Directoria.aspx
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