sábado, 28 de abril de 2018

Uma Expressão Existe Que Transcende a Arte

Podemos encontrá-la no misticismo, isto é, na atitude que conduz a pessoa ao êxtase, à profundeza dos seus sentimentos, ao elevar-se das suas aspirações, ao fervor com que defende as suas convicções.

O místico manifesta, também ele, uma expressão vital em todos os atos objeto da sua sinceridade, mas é uma expressão vital de tal forma profunda e concentrada, que em nada se assemelha àquela outra expressão vital espontânea, desarticulada, irrefletida.
Assim, e a título de exemplo, o autor investigado alude que «… pela sua intensidade e profundeza, pode o amor místico inspirar (…) acentos cuja vibração ultrapasse a da mais viva expressão do amor humano; da própria expressão ou paixão sensual.» (RÉGIO, 1980:33). Um místico pode coexistir no artista e, nesta situação, poderia dar expressão artística às suas experiências místicas, mas é como artista que ele exprimirá o seu misticismo, mas nunca, simultaneamente, as duas atitudes, isto é, místico e artista.
A expressão mística transcende a expressão artística, porque o místico deixará de o ser, quando tentar explicar e comunicar aos homens aquele estado tão íntimo em que se encontra, sempre que em silêncio, ou em oração, muda perante Deus, ou num envolvimento de Graça com Deus, enfim, sempre que numa dádiva profunda e entrega total a Deus, porque tais expressões, profundamente íntimas, não são traduzíveis pela arte, não são explicáveis, nem comunicáveis para os vulgares humanos, por mais artísticas que sejam.
O conceito de místico, até agora discutido é, talvez, demasiado seletivo, e por isso, se degradarmos um pouco tal conceito, então, poderemos admitir o artista místico, se ele realiza a sua obra a partir de uma vida intensa e profunda, de autêntica inspiração, encontrando-se tais estados envolvidos em algum mistério, deixando, porém, de o ser quando o artista se mistura à vida, e desta adquire uma experiência que vai permitir-lhe realizar uma obra, para cuja concretização se tem de especializar, ou seja, separar-se e elevar-se da vida, encerrar-se numa “torre de marfim”, e esquecer tudo o que não seja aquela realização.
Ora, o autor considera que: «sem torre de marfim não chegaria a haver expressão conseguida, obra de arte realizada. Sem a descida à vida, nem essa expressão seria expressão artística: pois seria o continente sem conteúdo, a expressão sem o expresso – expressão retórica em seu sentido pejorativo.» (Ibid. 43).

Bibliografia

RÉGIO, José, (1980). Três Ensaios sobre a Arte. Em Torno da Expressão Artística. 2ª Ed. Porto: Brasília Editora.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
  

terça-feira, 24 de abril de 2018

Honrar a Democracia


É crível que a maioria dos países do mundo, possuam os seus dias simbólicos, alusivos a efemérides que, de algum modo, tenham marcado a História, o Povo, a Cultura dessa Comunidade nacional como, igualmente, se recordam os dias internacionais e mundiais, a propósito de acontecimentos marcantes para a Humanidade. Comemorar tais eventos, com objetivos histórico-pedagógicos, poderá ser importante para corrigirmos o que foi mal feito no passado, e/ou melhorarmos para o presente.
Portugal não foge à regra e, a História nacional, de quase nove séculos de independência, apesar do domínio Filipino Espanhol de 1580-1640, é bem rica em acontecimentos, desde a subida ao trono português do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques, em 1143, aos dias de hoje, primeiro quarto do século XXI.
Os Portugueses: consolidaram-se no tempo e no seu espaço territorial continental e Regiões Autónomas da Madeira e Açores; na sua História; na sua Língua, esta, uma das seis mais faladas em todo o mundo, um idioma considerado e assumido oficialmente nos grandes areópagos mundiais; na sua Cultura; na Política Democrática; e na Religião, ainda, maioritariamente, Católica.
O Povo Português vive, há várias décadas, numa Democracia representativa, sob as regras de uma Constituição progressista e, indubitavelmente, uma das mais avançadas do mundo, ao nível dos valores humanistas. A Liberdade, nas suas diferentes dimensões é, praticamente, total, porque, em geral: é possível as pessoas desenvolverem as suas atividades sociais, profissionais, políticas, religiosas e culturais; constituírem-se em associações legítimas e legais; expressarem-se sobre o que entenderem; manifestarem a sua concordância ou divergência, sobre os mais diversos assuntos.
Os Portugueses já iniciaram o período correspondente à quinta década da vivência democrática, sempre com elevado civismo, grande maturidade política e, frequentemente, com o necessário sentido de Estado, no que respeita aos diferentes atores governamentais e/ou das oposições. Pode-se afirmar que este Povo Lusitano, mantém os seus brandos costumes, até com alguma elegância e subtileza quanto baste, sempre que necessário.
A “Revolução dos Cravos”, assim conhecida nacional e internacionalmente, ocorrida a vinte e cinco de abril de mil novecentos e setenta e quatro, restituiu aos Portugueses a Democracia, a Descolonização e o Desenvolvimento. Graças ao Movimento das Forças Armadas, liderado por jovens militares, aos quais se uniu o Povo anónimo, Portugal é, hoje, um país respeitado, com futuro promissor desde que as classes: política, financeira, empresarial, laboral, científica, técnica, cultural e religiosa conjuguem os seus esforços para objetivos nacionais, tendo como meta final o bem-comum, na sua expressão máxima que é a “Felicidade”.
Ao longo de mais de quatro décadas de regime democrático, nem sempre tem sido possível usufruir-se, plenamente, de todos os valores que a Democracia confere, pelo menos a nível prático-constitucional, na medida em que na vida dos cidadãos, os direitos, liberdades e garantias, em determinados períodos, não têm sido, inequivocamente, cumpridos e, pelo contrário, no que respeita a direitos adquiridos, alguns dos quais, ainda no tempo da ditadura, foram retirados, apesar das promessas eleitorais de então, apontarem em sentido contrário.
Até certo ponto, compreende-se que os valores cívicos, inerentes à Democracia, nem sempre possam ser exercidos até ao limite, provavelmente, nem isso seria exequível, porque sempre existe alguma subjetividade e relativismo, no entanto também se afigura extremamente redutor quando: valores, deveres e direitos são de tal forma minimizados e/ou abolidos, que até podem ferir normas jurídico-constitucionais e interesses legais e legítimos, já instalados, quantas vezes, há décadas.
Num Estado Democrático de Direito, todos são iguais perante a Lei e ninguém está acima dela, sendo certo que, por isso mesmo, a Justiça terá de ser igual para todas as pessoas, independentemente dos seus estatutos sócio-profissionais, ou de qualquer situação de revelo na sociedade, porque quem não pode “pagar” as despesas que ela, a Justiça, envolve, então deve ser o Estado a assumir tais encargos.
A Democracia é um regime político dispendioso, mas “compensador”, quando se verifica que os cidadãos, por ela abrangidos, beneficiam de inúmeras condições para exercerem, substancialmente, a cidadania, desejavelmente livre de: represálias sub-reptícias; de inclusão em “Listas/Unidades de Queimados”; sem receio do que lhes possa vir a acontecer, assim como aos próprios familiares e amigos, por causa das posições político-partidárias públicas que tomam.
E, muito embora, por vezes, se tente fazer passar a mensagem de que existe liberdade, a realidade nem sempre corrobora aquela afirmação, na medida em que a mentalidade política, em muitas pessoas, defende a posição, segundo a qual as leva a agir de acordo com a máxima: “Quem não é por mim; é contra mim”, portanto, para tais criaturas, é necessário, se possível, “destruir” as pessoas que discordam de certas situações vigentes.
Decorridas mais de quatro décadas, após a “Revolução Democrática Portuguesa” e, sabendo-se que muitas estruturas e recursos humanos, utilizados pela ditadura, foram desmantelados, ainda assim, fica-se com a ideia de que algumas pessoas, saudosistas do passado, ou influenciadas por determinadas práticas do exercício do poder ditatorial, comportam-se, eventualmente, bem pior, sob a capa de uma “Democracia Travestida”.
Hoje, os valores democráticos da Cidadania, como: a Fraternidade, a Solidariedade, a Gratidão, o Civismo, a Liberdade, a Coragem Política, o Humanismo, a Lealdade, a Humildade, entre outros, utilizam-se, prolixamente, nos períodos eleitorais, na sedução dos eleitores, para que estes  votem nesta ou naquela força política, neste ou naquele candidato que, depois de vencer o ato eleitoral, e assumir o respetivo cargo, raramente cumpre o que prometeu e, frequentemente, retira direitos conquistados e aumenta deveres que dificultam a vida às pessoas: impostos, por exemplo.
Uma democracia não pode, em circunstância alguma, ser avaliada como tal, se ela, através dos seus representantes, legítima e legalmente eleitos e/ou nomeados, acrescenta deveres, retira direitos e desqualifica ou altera princípios, valores e regras democráticas, legítimas, legais e justas.
A Democracia tem de estar ao serviço do Povo anónimo, do Povo que, no Portugal de Abril, ajudou a restaurá-la. A Democracia é esse conjunto de Deveres, Direitos, Liberdades e Garantias que são pertença do Povo, porque todos somos Povo, mesmo que titulares de estatutos diferentes, de altos cargos e posições económico-financeiras determinantes.
Ao celebrarmos mais um vinte e cinco de Abril, seria bom que todas as pessoas fizessem uma introspeção ético-política, e que esse resultado fosse confrontado com os valores democrático-constitucionais, um tal exercício, naturalmente, a começar na classe política e, dentro desta, daquelas pessoas que nos governam, poderá contribuir para a melhoria do relacionamento cívico entre governantes e governados, como também a qualidade da nossa Democracia sairia ganhar, com toda a certeza.
Só existirá verdadeira Democracia quando as pessoas puderem: exprimir publicamente o que sentem e pensam; quando forem totalmente livres de tomarem opções, sem receio de represálias para elas próprias, famílias e amigos. A Democracia não é um regime perfeito, será, porventura, o menos mal, de todos os outros que são bem piores, porque ela está, deve estar, em permanente aperfeiçoamento, assim o desejem e façam por isso todas as pessoas.
É neste contexto que se defende o “imperativo categórico”, um pouco ao jeito Kantiano, segundo o qual, a ética na política é fundamental, mas para isso não basta ser-se, alegadamente, íntegro, é necessário preparar, educar, formar as pessoas em geral e, particularmente, quem vai exercer cargos políticos de eleição e/ou nomeação legal, por via de competências reconhecidas.
Neste vinte e cinco de Abril, eleitores e eleitos, deem as mãos, unam esforços para que possamos ter uma Democracia com melhor qualidade, que nos permita: exteriorizarmos os pensamentos e projetos, sem receios de perseguições encapuzadas; que qualquer pessoa possa, livremente, defender as suas ideias, tendo a certeza de que, pelo menos, serão respeitadas, mesmo que não sejam aceites e seguidas.
A Democracia implica: bom-senso; respeito pelas ideias contrárias; dignidade da pessoa humana, independentemente do estatuto sócio-profissional. Pretende-se, neste “Vinte e Cinco de Abril Português”, quando se celebra mais um aniversário da “Revolução dos Cravos”, transmitir ao “Universo Democrático” que os nossos princípios, valores, cultura, sentimentos e emoções, são tão importantes como os de quaisquer outras grandes e/ou superpotências.
A nossa História comum é um exemplo para o Mundo, porque soubemos sempre assumir os condicionalismos, os erros e os êxitos que nos caracterizam ecumenicamente. Este Património tem de continuar a ser honrado, respeitado e dignificado, por todos os Portugueses: cá dentro ou na Diáspora; por nós e por aqueles que escolhem Portugal para melhorarem as suas condições de vida.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Jornal: “Terra e Mar”

Portugal: http://www.caminha2000.com (Link’s Cidadania e Tribuna)

domingo, 15 de abril de 2018

Uma Expressão Existe Que Não Chega a Ser Arte.

Toda a Arte é expressão, mas nem toda a expressão é Arte, porque, efetivamente, não há Arte no deficiente que é mudo, como não há Arte naquele que, emotivamente, se exprime de forma inarticulada. A Retórica no sentido depreciativo, deturpando a palavra, simulando expressão, também não é arte.
A expressão artística não pode ser deficiente, nem transcendente, nem insuficiente, nem excessiva, mas pode haver arte na introdução intencional do teatro, da pintura, da escultura, da arquitetura. No estudo sobre a arte, o autor destas três situações, José RÉGIO, destaca igual número de aspetos eliminatórios de arte.
Uma expressão existe que não chega a ser Arte, pela qual se pode imaginar uma pessoa que, visivelmente emocionada, não consegue exprimir-se com clareza e rigor, por mais compreensível que seja a mímica, por mais profunda que seja a sua dor, no entanto, tais manifestações são uma forma de expressão.
Toda e qualquer expressão vital: desde o silêncio ao grito angustiado; da tristeza à alegria; da alteração da fisionomia à descompostura do corpo; exprime, a cada instante, a infinita complexidade da vida psíquica do ser humano, mas tais expressões vitais não são expressão artística, porque lhes faltam a intencionalidade, porque revelam sinceridade, porque denotam espontaneidade, porque não há o compromisso de suscitar a admiração, nem a preocupação do receio da crítica.
A expressão artística é uma representação mediata, indireta, em relação à expressão vital, tendo, apesar disso, de comum o ser humano, daí que a reciprocidade entre as duas expressões seja uma realidade, na medida em que o artista precisa de ser uma pessoa superiormente dotada, em experiência humana, isto é, rica em sentimentos, emoções e ideias.
A arte vai beber à expressão vital quando um simples gesto humano é captado, descrito ou interpretado por um pintor, romancista ou ator, ela até complementa a expressão vital, tornando-se, por vezes, uma substituta da vida.
Com efeito: «muitas vezes a expressão artística se afirma suplente duma expressão vital frustrada ou incompleta (…) ganhando mais força e realidade, atingirem superior profundeza e superior subtileza (…) aqueles instintos, tendências, impressões, emoções, sentimentos, ideias a que o artista não soube, não pôde ou não quis dar expressão vital.» (RÉGIO, 1980:25). Apesar de tudo, a expressão artística não substitui a expressão vital, nem tão pouco uma se reduz à outra.
A expressão artística é interessada, intencional, dirigida, ao contrário da expressão vital, que é espontânea, reflexiva e imprevidente, todavia, certas atitudes da expressão vital, como o rir, o chorar e o gritar, podem transformar-se em expressão artística, se a intenção é, efetivamente, fixar e comunicar, dentro dos mais amplos limites, no espaço e no tempo, porém, a pura expressão vital, no seu aspeto mais rudimentar, espontâneo, não chega a ser expressão artística, precisamente por lhe faltar intencionalidade, premeditação, fixação e comunicação.
Naturalmente que tais limites definidores, são-no dentro de um relativismo mais ou menos dilatado e subjetivista.

Bibliografia

RÉGIO, José, (1980). Três Ensaios sobre a Arte. Em Torno da Expressão Artística. 2ª Ed. Porto: Brasília Editora.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Jornal: “Terra e Mar”

Portugal: http://www.caminha2000.com (Link’s Cidadania e Tribuna)

domingo, 8 de abril de 2018

Arte e Beleza



A Estética é uma ciência: recente, na sua estruturação quanto ao método e ao objeto; antiquíssima, quanto à sua etimologia. A História da Estética está ligada à História da Filosofia, enquanto que é compreensão hermenêutica da arte e, neste contexto, temos uma Filosofia da Arte, ou seja, uma Estética Filosófica, aquela que, verdadeiramente, interessa a este trabalho.
Etimologicamente, e no seu sentido originário grego, a “aisthesis” é sinónimo de sensação e perceção, no âmbito da cultura helénica. Ao nível da compreensão, verificam-se duas linhas: a dos filósofos e a dos poetas, consistindo em a primeira, numa capacidade de perceber, conhecimento inferior ao da razão, eminentemente epistemológico e inferior à lógica. Nesta estética o respetivo campo estético é inferior ao intelecto.
Quanto à segunda compreensão, a dos poetas, o seu sentido é fornecido pela perceção dos sentidos, o que implica que o seu objeto tenha as mesmas caraterísticas que o objeto da perceção, igual à assunção pelo sujeito, sendo necessário que, do ponto de vista do objeto, este seja dotado das caraterísticas do sujeito, isto é, clareza, proporção, medida. Os poetas revalorizam assim o poder da perceção sensitiva nas pessoas que têm todas as faculdades.
Além dos níveis de compreensão na cultura grega, que são o gnosiológico e o epistemológico, há, ainda, um nível existencial que significa que a Estética, como perceção sensível, é uma experiência racional integradora, completa e englobante, e é esta relação sujeito-objeto que resulta na harmonia estética, que evidencia o sentido do belo, da arte e do prazer estético.
A tarefa da Estética a nível histórico é procurar esclarecer os problemas relacionados com a Arte e a Beleza, ela representa o próprio desenvolvimento do pensamento humano, no entanto, como disciplina filosófica, o positivismo admitia-a como ciência positiva, contudo, haveremos, hoje, 2018, de considerar que o positivismo terá, eventualmente, uma visão redutora da ciência e, portanto, nele não cabem os valores estéticos universais de Arte e da Beleza, por isso, não tem lugar a Estética Filosófica como ciência especulativa, que busca explorar, sobre certos valores, mas que não é uma axiologia, porque não são valores do agir, mas do fazer da Arte e da Beleza, logo a especulação estética não se identifica com a Ética.
A Arte tem por fim exprimir a beleza, e produzir na alma dos espetadores a emoção estética, que o artista sentiu, e por meio desta emoção estética a Arte moraliza e inspira a virtude. Na verdade, a emoção estética desapega a alma de tudo o que é pequeno e mesquinho.
A Arte é um refúgio, onde o homem encontra o repouso para as suas preocupações vitais, nascendo nele o sentimento da adoração e da admiração, desenvolvendo a simpatia, produzindo o respeito, contribuindo para uma melhor educação individual e coletiva, local, nacional, comunitária e universal.
A Arte, destinada por essência a elevar o homem, pode também produzir efeitos nocivos, mas cuja responsabilidade cabe, exclusivamente, ao espetador ou ao artista. A arte-pela-arte será sempre verdadeira, quanto se pretende exprimir um fim próprio, orientada no sentido último do homem que é Deus, sem O qual o homem não pode viver, para O qual o homem procura convergir, precisamente pela Arte, que é cultura, síntese do que há de mais perfeito, numa época, num país, numa sociedade, por isso, país sem arte é país sem cultura, sem perspetivas, sem sentido último supremo.


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo


domingo, 1 de abril de 2018

Páscoa. Farol que nos ilumina

Acredita-se que na maioria dos países de civilização ocidental, com matriz religiosa católica, a Páscoa seja celebrada com os rituais, e a dignidade que a tradição nos vem transmitindo ao longo dos anos e, neste domínio, Portugal não fugirá às regas, ou seja: A Páscoa, designadamente nas aldeias é, ainda, celebrada como uma festa, não só da família, mas também comunitária.
Vivenciar a Páscoa nas suas dimensões religiosa e profana, numa aldeia portuguesa, nomeadamente na província do Minho, é uma experiência que não mais se esquece na vida. As cerimónias religiosas têm o seu tempo próprio e ritual ancestral, desde logo durante o longo período da Quaresma, que decorre durante os quarenta dias posteriores ao Carnaval, onde os preceitos católicos ainda vigoram, como jejuar de carne às sextas-feiras, a “queima do Judas”, entre outros.
Importará referir que haverá três dias que antecedem o dia de Páscoa que são respeitados e vividos com intensidade, pelos crentes mais fervorosos. Assim: na quinta-feira santa é o dia de endoenças, ou seja, o dia que antecede a celebração da morte e ressurreição de Jesus; segue-se a sexta-feira santa que corresponde a uma data religiosa católica, que recorda a crucificação de Jesus Cristo e sua morte no Calvário; no sábado de aleluia, é o último dia da Semana Santa, no qual os cristãos se aprontam para o festejo da Páscoa. Nele se celebra o dia que o corpo de Jesus Cristo permaneceu sepultado no túmulo e, finalmente, o domingo da ressurreição que, segundo a liturgia,  nos garante que a vida em plenitude, resulta de uma existência feita de um dom e serviço em favor dos irmãos. A ressurreição de Cristo é o exemplo concreto que confirma tudo isto.
É, justamente, no domingo que o “compasso pascal” visita as famílias nas suas casas, onde comparecem, também, os amigos, não havendo convites, porque neste ritual, a porta da casa está aberta para quem desejar entrar, e beijar Jesus crucificado na Cruz. Beijar a Cruz, é uma cerimónia em que o pároco dá a cruz a beijar ao dono da casa e depois a entrega para este percorrer os aposentos da casa e cumprir, igualmente, com este ritual, com todas as pessoas presentes.
Em seguida os convivas, dirigem-se para a mesa, onde foram colocadas as iguarias próprias da época, e assim se realizar a confraternização com alegria, tolerância e paz. Neste ritual profano, é normal que os donos da casa “caprichem”, no bom sentido, de apresentarem a melhor mesa de guloseimas. Faz parte da boa tradição das nossas aldeias.
A Páscoa Portuguesa é uma festa móvel, como em todo o mundo católico, muito interessante, que mobiliza milhares de pessoas que vivem nas cidades, para as aldeias onde possuem habitação, onde residem familiares e amigos, para matarem saudades e confraternizarem, entre si, com muita alegria, certamente, também com amizade e respeito, afinal, mais uma festa da família, de amor, de convívio, de exultação e, se quiserem, de ressurreição para uma nova vida.
O que fica exposto, em relação às várias dimensões positivas que a Páscoa nos oferece, infelizmente, ainda existem situações de nossos compatriotas que não têm quaisquer possibilidades de confraternizarem com familiares, amigos ou, talvez agora, sejam ex-amigos, neste dia tão especial para a comunidade dos crentes católicos.
É urgente, constitui um imperativo nacional, revela-se fundamental para a dignificação da pessoa humana, tomarem-se medidas rápidas e eficazes, para se acabar com esta chaga social que a todos nós constrange e envergonha, porque a situação em que se arrastam quase dois milhões de portugueses e estrangeiros residentes, constitui o maior libelo com que algum governante pode confrontar-se.
E inaceitável, incompreensível e injusto que se empresta, ou atribua, a fundo perdido, quaisquer tipos de apoios financeiros a instituições falidas, ou em vias de insolvência, em muitas delas: por má e negligente gestão; consignação de privilégios a titulares de cargos de administração; e se descartem os apoios necessários para quem mais necessita, nomeadamente: a construção de habitações condignas, constitucionalmente consagradas na Lei Fundamental; a melhoria substancial das reformas, pensões e outros benefícios sociais; a construção e funcionamento profissional de lares, casas de recuperação para doentes com patologias degenerativas; a colocação em atividades produtivas por parte de pessoas que, embora reformadas, ainda podem e querem dar o seu contributo para uma sociedade mais justa e confortável. Assim mesmo, a Páscoa, deveria ser tudo isto.
Aproximamo-nos do final do primeiro quarto do século XXI. Reconhecendo-se que muito tem sido feito, em diversos domínios da sociedade, é intelectualmente honesto, admitir-se que ao nível do Estado Social, ainda há muito por realizar, e é aqui que a Páscoa faz todo o sentido.
Uma Páscoa que se equipare: a uma Ressurreição da sociedade, em geral; e do Estado, em particular, para os valores do humanismo, da dignidade da pessoa humana. Ninguém pode ser descartado, só porque idoso, pobre, doente, sem-abrigo ou qualquer outra situação desfavorável. A exclusão social bem como quaisquer outros tipos de descartes, são incompatíveis com o Estado Democrático de Direito.
Nesta Páscoa, ficam aqui os votos muito sinceros do autor desta reflexão, apontam no sentido de desculpabilizar todas as pessoas que, por algum meio e processo, o prejudicaram, ofenderam e magoaram, não significando esta atitude: “passar uma esponja”; esquecimento total, mas apenas a vontade de reconciliação, de tentar novos diálogos, novas abordagens, para um melhor e mais leal relacionamento.
Páscoa que se pretende para todas as pessoas, como um dia, pelo menos um dia no ano, de reflexão, de recuperação de valores humanistas universais, um dia para festejar e recomeçar com novas: Precaução, Moderação, Robustez, Justiça, Fé, Confiança, Caridade, Comiseração e Generosidade. Uma nova Esperança Redentora, entre a família, os verdadeiros e incondicionais amigos. A todas as pessoas: Páscoa Muito Alegre e Feliz.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Jornal: “Terra e Mar”

Portugal: http://www.caminha2000.com (Link’s Cidadania e Tribuna)