domingo, 31 de janeiro de 2016

Direitos Humanos e a Tradição Ocidental


Se se aceitar que a história é um registo de mudança social, e esta é interpretada como modificação estrutural, então tem-se uma história para ser contada muitas vezes, o que se torna interessante para a compreensão dos Direitos Humanos, sendo certo e sabido que os sistemas recíprocos de direitos e deveres devem ser tão antigos como os próprios seres humanos, aliás, o conteúdo normativo concreto varia com a “Lei de Talião”, em formulações positivas, negativas ou ambas, muitas vezes usadas como metanorma. A autorreferência será o ponto de apoio para o comportamento para com o outro, ou seja, a metanorma é egocêntrica. “Faz aos outros o que queres que os outros te façam a ti”.
Numa breve referência centrada em Deus, seja ele imanente ou transcendente, então e, respetivamente, os direitos do Outro e os deveres do Eu derivam dos deveres para com um Deus transcendental, aliás, exemplo desta ilação, pode-se encontrar nos dez mandamentos, os quais constituem o dever da pessoa humana para com Deus, como ética vertical, transcendental, em oposição à ética horizontal imanente.
Realmente, quando se analisa a cultura ocidental, com o peso das suas tradições, verifica-se que o exercício do poder tem estado repartido, ora nas instituições religiosas, ora nos órgãos políticos de um determinado sistema, parecendo que os primeiros se situam naquela ideia de um Deus transcendental, fora dos seres humanos; e, nos segundos, ter-se-á um Deus imanente, centrado na pessoa humana, daqui resultando uma correlação de direitos e deveres que se deveriam equilibrar.
É certo que ao longo da História acontecem situações de supremacia de uns em relação a outros, e, se é certo que durante a Idade Média a estrutura omnipresente e omnipotente tanto estaria no clero como nas monarquias absolutas, hoje, a separação de poderes, deixa ao critério da ação política civil, a implementação e controlo dos Direitos Humanos, verificando-se agora, uma intervenção pedagógica e complementar por parte das Instâncias Religiosas e Organizações Não Governamentais.
A estrutura normativa dos Direitos Humanos parte do Estado Comunidade / Organização como transmissor da norma, isto é: «Os Direitos Humanos são implementados como acções concretas levadas a cabo pelo estado e são de dois tipos: Os Direitos Humanos Negativos, concentrando-se nos actos proscritos de que o Estado se deve abster, isto é, na domesticação e na contenção do Estado, fazendo o Estado obedecer aos diversos processos de lei e depois, há um segundo tipo, os actos de comissão prescritos nos quais o Estado se deve envolver.» (GALTUNG, 1994:17-18), daqui se concluindo que os Direitos Humanos positivos definem o estado providência.
O termo Direitos Humanos focaliza a atenção nos indivíduos humanos e nunca coisa chamada direitos, e se os direitos são concedidos pelo Estado, então a reciprocidade tem de existir sob a forma de deveres, neste caso, seria mais correto, dizermos Deveres Humanos.
Mas se os Direitos Humanos têm uma abrangência Universal, então o Estado nacional deverá harmonizar-se com os demais Estados internacionais e cada um destes, conferirá àquele, a legitimidade necessária para proteger a eficácia dos Direitos Humanos, em toda a plenitude, de que resultará, a nível mundial, numa desejável situação de Ordem, Progresso e Paz.
Acontece que para o Estado ficar habilitado a proteger os Direitos Humanos por um lado, e exigir o cumprimento de Deveres Humanos, por outro lado, necessita de recursos que, precisamente, assentam no cumprimento dos deveres por parte dos cidadãos, deveres tais como: reprodução da sociedade; pagamento de impostos, serviço militar com a entrega, se necessário, da própria vida individual de cada um, mas neste ponto, o equilíbrio entre direitos e deveres complica-se e complexifica-se, na medida em que a vida é um direito inalienável, então com que argumento o Estado/Pátria exige que se dê a própria vida, qualquer que seja a causa a defender?
Observando, o preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que, haverá quem o afirme, é exatamente, uma invenção ocidental, é possível comprovar que certos valores, princípios e atitudes, são, ou deveriam ser, todavia universais: «(...) os povos das Nações Unidas proclamam de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos Homens e das mulheres se declaram decididos a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla.» (ONU, 1948, in HAARSCHER, 1993:170).

Bibliografia

GALTUNG, J., (1994). Direitos Humanos – Uma Nova Perspectiva, Trad. Margarida Fernandes, Cap. I, pág. 12-23, Colecção Direito e Direitos do Homem, Lisboa: Instituto Piaget
HAARSCHER, G., (1993). A Filosofia dos Direitos do Homem, Trad. Armando F. Silva, Colecção Direito e Direitos do Homem. Lisboa: Instituto Piaget

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domingo, 24 de janeiro de 2016

Direitos Humanos no Século XXI


O século XX ficará na história, certamente, por bons motivos, mas, também, pelo que de mais negativo a humanidade alguma vez viveu e, naturalmente, parece oportuno recordar as maravilhas da ciência que, obviamente, com o poderio da técnica e da tecnologia, se intrometeu de forma decisiva, na dicotomia bem/mal, vantagens/desvantagens, que marcou a sociedade humana, desde o início do século, com acontecimentos inesquecíveis, ficando, contudo, a história dos mesmos sob a responsabilidade das gerações vindouras.
Logicamente, os filósofos, nas diversas especialidades, têm vindo a refletir alguns dos aspetos mais significativos e acutilantes do tempo atual, em que a dignidade humana não deverá ter leituras polivalentes, porque não haverá nobreza sensível enquanto não forem promovidos e salvaguardados os Direitos Humanos, embora a tarefa não seja fácil, na medida em que tais direitos abarcam um amplíssimo leque, que pode iniciar-se na equidade individual (direitos políticos, sociais e económicos) e expandir-se aos legítimos interesses coletivos (direito à paz, ao bom ambiente, à solidariedade, a um fim-de-vida digno).
Pese embora a constatação da existência de uma absurda lista de crimes contra a humanidade, no nosso século, a verdade é que parece que a opinião pública vem dando sinais de uma renovada sensibilização para os problemas dos Direitos do Homem e que vem desmistificando um falso debate ideológico, na medida em que: «Não há ideologia ou sistema social que detenha o monopólio da garantia desses direitos, porque se trata efectivamente de Direitos do Homem que cada um deverá defender e sobre os quais todos deveremos estar de acordo.» (MACHETE, R., 1978:45).
É público o facto de Portugal nem sempre ter sido um bom exemplo quanto ao cumprimento dos Direitos Humanos, sendo suficiente recordar o passado recente colonialista, por vezes pouco transparente e, também, no que concerne aos alegados maus-tratos em alguns departamentos da então polícia política, que segundo a opinião pública, a comunicação social e as organizações de defesa dos Direitos Humanos, periodicamente divulgam.
Todavia e não obstante tais denúncias, é sabido que: «O reconhecimento internacional dos grandes progressos realizados por Portugal, no campo dos Direitos Humanos, contribuindo decisivamente para a melhoria espectacular da nossa imagem externa, está na origem de várias atitudes significativas da comunidade internacional em relação ao nosso país, entre os quais: facilidades financeiras, eleição de Portugal para o conselho da Europa, para a Comissão dos Direitos do Homem na ONU e para o conselho de Segurança.» (PEREIRA, 1978:27.
Impõe-se, portanto, iniciar a caminhada na divulgação, exemplificação e defesa dos Direitos Humanos, na convicção de que, nos tempos modernos, entre um cientificismo imparável, uma técnica em permanente mutação e uma tecnologia de informação, computação avassaladora, ocupando cada vez mais tecnocratas, restaria para os filósofos esta nobre missão do século XXI e, nessa perspetiva, abordar-se-á o tema a partir de um autor contemporâneo, a partir dos fundamentos constantes numa das suas obras que mais convirá ao assunto.
Trata-se de Jürgen Habermas e o seu livro Facticidade e Validez. Justamente o capítulo sobre a Reconstrução Interna do Direito – O Sistema dos Direitos, iniciando-se a reflexão pelos Direitos Humanos e a tradição ocidental, na perspetiva histórico-estrutural, abordando-se, depois, no âmbito filosófico do tema, a ideia de como pensar os direitos do homem, passando-se, rapidamente por uma breve invocação sobre o Direito e a Justiça, para então, se centrar o esforço intelectual e filosófico no sistema de direitos de Habermas e, finalmente, concluir de forma muito pessoal esta primeira incursão num tema tão candente quanto pertinente.
Importará, nesta breve introdução, aludir, ainda que superficialmente, ao sistema de valores que: quer a Constituição da Republica; quer a Lei de Bases do Sistema Educativo; quer, por fim, a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, na medida em que, em termos de instrumentos jurídicos, nacionais e internacionais, parecem mais que suficientes, assim todos fossem capazes de os cumprir, mesmo continuando a refletir-se sobre a operacionalidade e a eficácia dos mesmos, alias, sociólogos, juristas e filósofos continuam produzindo as mais diversas interpretações, analisando os aspetos que poderiam ser melhorados, contudo, os instrumentos principais continuam pouco eficazes - um tribunal internacional com jurisdição universal e meios para fazer cumprir as decisões sobre violação dos Direitos Humanos, (porque por mais teorias que se elaborem, por sistemas, alegadamente, “perfeitos” que se criem, a inobservância dos Direitos Humanos, ainda continua uma triste realidade em diversos países).
Paralelamente ao tribunal internacional de Direitos Humanos a que já se fez referência, parece inevitável e urgente, dotar os sistemas de ensino público em países onde tal seja possível, com uma disciplina obrigatória, ministrada em todos os graus de ensino, por professores com preparação no domínio dos Direitos Humanos, nomeadamente, na área do Direito, da Filosofia, Sociologia, Antropologia, História, Cidadania, entre outras possíveis.


Bibliografia

HABERMAS, J., (1998a) O Discurso Filosófico da Modernidade, Trad. VVAA, Lisboa: Publicações Dom Quixote, Ldta.
HABERMAS, Jürgen, (1998a). Facticdad y Validez. Madrid: Editorial Trotta SA.
MACHETE, R., (1978). Os Direitos do Homem no Mundo. Lisboa: Fundação Social - Democrata Oliveira Martins, Política - Caderno Nº 2
PEREIRA, A. M., (1978). Direitos do Homem, Trad. Manuel Alarcão. Coimbra: Livraria Almedina. PEREIRA, António Manuel, (1993). As Constituições Políticas Portuguesas,Porto: Edição do Autor,
 
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domingo, 17 de janeiro de 2016

Multiculturalismo: A Força dos Povos


O reconhecimento e aceitação da multiculturalidade são uma preocupação para o futuro, ou permanecerá um problema do passado? O multiculturalismo deverá constituir-se como um bem necessário, a desenvolver-se por toda a humanidade, como riqueza e património mundiais, ou deve-se caminhar para o monoculturalismo assente no facilitismo do entendimento neológico dos seres humanos, uns para com os outros?
Numa perspectiva humanista e com uma mentalidade democrática, não podem restar muitas dúvidas quanto ao futuro que convém: um futuro multicultural, tolerante, fraterno, democrático, será a saída honrosa de um certo caos instalado. A solução passa, eventualmente, pelas boas práticas interculturais.
O homem, desde sempre, tem sentido a necessidade da vivência experienciada da religião, mesmo aquele que não acredita no poder transcendental da Divindade, em situações-limite, recorre ao Absoluto, qualquer que este Absoluto seja, indiferentemente do processo e fórmula utilizados, o homem, desesperadamente esperançado, ainda luta para sair da situação-limite, independentemente da solução adotada, mesmo que esta aponte para o suicídio.
A religião não poderá ser um valor a ignorar, porque ela faz parte integrante da vida, mesmo que cada um a pratique à sua maneira, constituindo assim uma dimensão vital das diversas e universais culturas. O valor religioso é intrínseco ao valor cidadania e nenhum governo do mundo poderá ignorar esta dimensão cultural dos cidadãos.
Deverá a cultura ser manipulada até ao radicalismo etnocêntrico? Ou, pelo contrário, porque não se caminha no sentido do reconhecimento cultural, sem lutas, sem supremacias, sem exclusivismos? Ou, ainda, tendo em conta que devido ao sonho totalitário da pureza étnica – na raiz de reiterados e alegados crimes de Estado, conforme os que se teriam vivido no séc. XX – porque não se aceita que as sociedades culturais se venham afirmando pela tal hibridação de culturas, decorrente, entre outros fatores, da generosa mistura de gentes?
A policromia cultural avança, portanto, contra a autocracia do Estado, para diluir a autoridade de homogeneidade, ultrapassar a conceção de uma cultura oficial que, subtilmente, controla o acesso à cidadania, e aceita como inevitáveis a diversidade e a necessidade de construir uma nova ordem paradigmática, respeitadora do pluralismo cultural.
O fenómeno cultural não está, por enquanto, suficientemente estudado e aprofundado, muito embora exista uma crescente consciencialização, designadamente nos Estados Democráticos, para uma apologia de tolerância cultural, no sentido de se aceitar uma interrelação cultural dos povos que, no seu início, pode fomentar atitudes e reflexões sobre a importância das diferenças, e a correlativa indispensabilidade do reconhecimento das diversas culturas. A hibridação cultural, a partir dos movimentos migratórios, pode ser uma boa solução para atenuar conflitos, quer através da convivência interpessoal quotidiana, quer pelo relacionamento laboral, quer pela união matrimonial.
A democracia política é o sistema de governo que melhor se compatibiliza com a dignidade e a liberdade do homem. As democracias económicas, sociais e culturais aperfeiçoam e completam a democracia política e esta implica, necessariamente: a) O primado dos direitos pessoais, civis e políticos dos cidadãos; b) A prática da soberania enquanto expressão da vontade da maioria no respeito pelos direitos fundamentais das minorias; c) Um modelo de organização do Estado que respeita o princípio da separação dos órgãos de soberania; d) A autonomia das autarquias regionais e locais; e) O estímulo à máxima participação efetiva dos cidadãos, na gestão dos interesses públicos.
Quaisquer que possam ser as hipóteses de soluções provisórias, para determinar quais os interesses que devem prevalecer, uns em relação aos outros, o que o mundo vem assistindo é a uma explosão de autodeterminação dos povos através das vias bélicas o que, em boa verdade, leva ao sofrimento daqueles a quem os Estados, constitucionalmente democráticos, pretendem ver livres mas que, por interesses de ordem económico-estratégica, nem sempre exercem a influência forte e inequívoca junto dos opressores.
A salvaguarda da coexistência dos direitos iguais, para diferentes grupos étnicos, e suas formas de vida cultural, não necessita de recorrer a um tipo de direitos coletivos, os quais, por sua vez, afetariam, excessivamente, os direitos individuais, porque no Estado Democrático Constitucional a proteção da forma de vida e de tradições, nas quais são formadas as identidades e que serviria para o reconhecimento dos seus membros, não representa um perigo para a preservação das espécies, de resto, na perspetiva ecológica, a preservação das espécies não pode ser transferida para as culturas, porque as heranças culturais e as respetivas formas de vida reproduzem-se normalmente.
A situação atual, dadas as condições de mobilidade e uma certa liberdade de circulação, que em alguns espaços não conhece restrições legais, são propícias à deslocação das pessoas, para lugares mais ou menos distantes das suas áreas de residência, em busca de melhores condições de vida e procurando um local onde, livremente, possam exprimir as suas ideias. No centro destas situações e, possivelmente, como tentativas de as resolver, está a imigração.
Àquelas razões acrescem outras de natureza religiosa, política e ideológica, que levam as pessoas a emigrarem e os problemas que, aparente e inicialmente, parecem resolvidos, mais tarde, numa outra perspetiva, e com novas dimensões, voltam a surgir e, frequentemente, conduzem ao êxodo de populações inteiras, ficando, grande parte das vezes, em piores condições do que aquelas em que partiram dos países de origem.
Tem-se vindo a abordar o problema da imigração, que é um fenómeno humano milenar, e também a analisar as condições que levam as pessoas a imigrarem, bem como as situações legais que têm de enfrentar nos países recipientes, no que respeita à permanência e naturalização, sabendo-se que a legislação mundial não é uniforme e que, muito embora o sendo no espaço comunitário da União Europeia, os direitos dos imigrantes não são absolutamente respeitados, designadamente, em alguns países da comunidade, seja por responsabilidade da esfera pública governamental, seja pelos interesses económicos da esfera privada.

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domingo, 10 de janeiro de 2016

Imigração, Cidadania e Identidade Nacional


Num mundo cada vez mais “pequeno”, mais interdependente e global ainda haverá lugar para os valores da cidadania, da identidade nacional e, se afirmativo, tais valores devem ser reforçados pelas comunidades nacionais? E a imigração, constituirá o meio e o fim para a melhoria de vida das pessoas que, no seu próprio país, não obtêm as condições mínimas de sobrevivência humana digna, ou pelo contrário, não estará ao serviço da exploração dos mais desfavorecidos e desprotegidos, pelos poderosos economicamente, como forma de aumentarem, ainda mais, a influência e o poder de uma minoria, detentora dos meios de controlo mundiais?
E quanto à identidade nacional, será que ela é assim tão importante, na qualidade de vida, na harmonia e felicidade dos povos, ou, como diz o adágio: “A minha terra é onde eu vivo bem”. E a identidade ficará apenas para as formalidades legais e burocráticas?
A situação atual, dadas as condições de mobilidade e uma certa liberdade de circulação, que em alguns espaços não conhece restrições legais, são propícias à deslocação das pessoas, para lugares mais ou menos distantes das suas áreas de residência, em busca de melhores condições de vida e procurando um local onde, livremente, possam exprimir as suas ideias. No centro destas situações e, possivelmente, como tentativas de as resolver, está a imigração.
Àquelas razões acrescem outras de natureza religiosa, política e ideológica, que levam as pessoas a emigrarem e os problemas que, aparente e inicialmente, parecem resolvidos, mais tarde, numa outra perspetiva, e com novas dimensões, voltam a surgir e, frequentemente, conduzem ao êxodo de populações inteiras, ficando, grande parte das vezes, em piores condições do que aquelas em que partiram dos países de origem. Com efeito, verifica-se que: «Depois das revoltas na Europa Central e de Leste, há um outro tema presente na agenda da Alemanha e da Comunidade Europeia: Imigração.» (HABERMAS, in TAYLOR, 1998:153).
Todavia são conhecidas as restrições que, sub-repticiamente, os países vão implementando, no sentido de evitarem a entrada de estrangeiros nos territórios nacionais, embora, pelos Tratados, livremente assinados, não o possam fazer, pelo menos no espaço comunitário da União Europeia, tal como é referido na obra em análise: «Os países Europeus Ocidentais... irão fazer o que puderem para impedir a imigração dos países do terceiro mundo. Para este fim, irão garantir vistos de trabalho a pessoas com capacidades de relevância imediata para a sociedade em casos altamente excepcionais apenas (jogadores de futebol, especialistas americanos de software, estudantes da Índia).» (Ibid.:153).
Na verdade, parece não haver dúvida que esta política está a ser bem aceite nalguns meios, a que se vem juntar uma acentuada tendência de rejeição na Comunidade Europeia, e não só. Os exemplos atuais são conhecidos: - Alemanha, Inglaterra, França, África do Sul, América, Indonésia.
Em Portugal, felizmente os casos de rejeição de imigrantes não são significativos. Na relação que deve existir entre imigração e cidadania, dê-se, novamente, a palavra a Habermas: «Na perspectiva da sociedade recipiente, o problema da imigração levanta a questão das condições de entrada legítimas. Sob que condições pode o Estado negar cidadania àqueles que podem reivindicar naturalização.» (Ibid.:155).
O engenho do ser humano tem recursos imensos e, no caso português, quase ilimitados, no que se refere às faculdades de adequação a novas situações, contudo, a maioria, muito embora se adaptando, principalmente à língua, nos restantes aspetos e designadamente os imigrantes de primeira geração, continua a praticar os seus hábitos da cultura de origem, não parecendo, por isso mesmo, correto que o estado recipiente obrigue a uma aculturação não desejada porque: «O direito à auto-determinação democrática inclui de facto o direito dos cidadãos de insistirem no carácter inclusivo da sua própria cultura política; salvaguarda a sociedade do perigo da segmentação – de exclusão das subculturas estranhas e de uma desintegração separatista em subculturas não relacionadas.» (Ibid.:156).
Tem-se vindo a abordar o problema da imigração, que é um fenómeno humano milenar, e também a analisar as condições que levam as pessoas a imigrarem, bem como as situações legais que têm de enfrentar nos países recipientes, no que respeita à permanência e naturalização, sabendo-se que a legislação mundial não é uniforme e que, muito embora o sendo no espaço comunitário da União Europeia, os direitos dos imigrantes não são absolutamente respeitados, designadamente, em alguns países da comunidade, seja por responsabilidade da esfera pública governamental, seja pelos interesses económicos da esfera privada.
No entanto uma outra questão se coloca: Quem tem o direito de imigrar? «Há boas razões morais para o direito legal individual ou asilo político (...) que devem ser interpretados relativamente à protecção da dignidade humana É contra a imigração das regiões Leste e Sul depauperadas que o chauvinismo europeu se está agora a armar.» (Ibid.:157).
É suposto que as pessoas não abandonam as suas terras por prazer, antes o fazem quando carecem de auxílio, qualquer que seja a natureza deste. Isto acontece num fluxo migratório que ocorre em dois sentidos: os que saem dos seus países para outros países, e destes para os primeiros, de tal forma que existe como que uma troca, logo, deverá implementar-se uma atitude de reciprocidade.
Na verdade: «A base legal para uma política de imigração liberal também dá origem a uma obrigação de não limitar as quotas de imigração às necessidades económicas do país recipiente, isto é, de receber com agrado os peritos técnicos mas de estabelecer quotas de acordo com os critérios aceitáveis da perspectiva de todas as partes envolvidas.» (Ibid.:158).
Chegados a este ponto, as interrogações avolumam-se, quanto aos critérios, para que o imigrante seja considerado no país recipiente, um cidadão no pleno uso dos direitos e deveres da cidadania, como o indivíduo natural do país de acolhimento, até porque: «A imigração será um dos factores de crescimento socioeconómico mais importante do século XXI, em particular na Europa (…) As migrações fazem mover capital económico e social e promovem pontes entre países de origem e de chegada.» (PIZARRO e COURELA, 2005:57).
Qual o papel da Democracia, admitindo-se que esta é suportada pelo debate de opiniões que mudam frequentemente e, considerando que não existem maiorias ou minorias permanentes no debate democrático, porque elas alteram-se com relativa facilidade, à medida que a sociedade muda e que outros assuntos e temas se intrometem no debate?
O caminho percorrido na análise deste tema tem sido muito aliciante e, na perspetiva da investigação, gratificante, porquanto, ao longo de várias centenas de horas dedicadas a este e outros trabalhos, sempre no domínio dos Direitos Humanos, pode-se constatar que vale a pena ao cidadão anónimo e, particularmente aos filósofos, antropólogos, educadores, psicólogos, sociólogos e outros especialistas das ciências humanas e sociais, meditar sobre uma realidade que a todos, e em qualquer parte do mundo, toca profundamente.
Muitas são as lutas pelo Reconhecimento, principalmente aquelas que vêm sendo tratadas pelas ditas minorias, e que ao longo deste trabalho se identificaram; muitos são os meios postos à disposição das comunidades, a partir das condições privilegiadas de uns, em benefício dos mais desfavorecidos e desprotegidos, é uma questão de partilha. Então o que falta? Faltam: diálogo sério; interiorização dos velhos, mas cada vez mais necessários, princípios e valores: solidariedade; justiça; fraternidade; cooperação; tolerância, entre outros. Palavras lindas, que envolvem sentimentos nobres, sem dúvida, que urge implementar, a partir da formação educacional e cívica.
Como resolver este problema do reconhecimento dos direitos que assistem às alegadas minorias? Amy Guttman aponta o caminho: «Os estabelecimentos de ensino superior, como é o caso de Princeton, tornaram-se eles próprios comunidades cada vez mais pluralistas (...) Através do seu apoio ao ensino, à pesquisa e à discussão pública o centro universitário (eu diria os nossos centros universitários se os houvesse para os valores humanos), incentiva o estudo sistemático dos valores éticos e das influências recíprocas da Educação, da Filosofia, da Religião, da Política, das profissões, das artes, da literatura, da ciência e da tecnologia e da vida ética.» (in TAYLOR, 1998:15).

Bibliografia.

PIZARRO, Noémia e COURELA, Pedro, (Coord.), (2005) Guia do Cidadão Europeu, 1ª ed. Novembro de 2005, Lisboa: Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais/O Mundo em Português: Universidade Católica Portuguesa
TAYLOR, Charles. (1998). Multiculturalismo, Trad. Marta Machado. Lisboa: Instituto Piaget.

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domingo, 3 de janeiro de 2016

Direitos Humanos, Ciência e Paz


O direito à paz constitui um dos direitos da chamada terceira geração, segundo a estrutura que é estabelecida, tais como outros direitos, por exemplo, ecológicos, parece-me, contudo, cada vez mais um objetivo, importante e necessário a salvaguardar, não fossem os inúmeros conflitos regionais de guerra declarada ou latente, seja por motivos políticos, seja por razões de ordem económica, estratégica ou religiosa.
A “Instituição da Guerra” apresenta-se-nos como uma ordem de magnitude que transcende qualquer agressor – a vítima particular -, na medida em que faz mais sentido responsabilizar um país por uma agressão sobre outro do que imputar culpas a indivíduos isolados, além de que existe, obviamente, violência estrutural no sentido em que danos não intencionais são infligidos, frequentemente, a indivíduos ou países em todo o mundo, porque o opressor está incrustado nas estruturas, com culturas que não deixam outras alternativas.
A agressão é provocada e algumas das causas são estruturais, outras culturais: o colonialismo é uma dessas estruturas que ligam a colónia ao poder colonial, de tal forma que aquela pode revoltar-se para se libertar. Ora, o caminho para a paz passa, necessariamente, por resoluções imaginativas dos conflitos, o que pode significar a transformação de algumas estruturas através da substituição de culturas de violência por mecanismos de apoio ao desenvolvimento sociocultural, científico e económico dos povos até então oprimidos.
O homem tem o dever de procurar e construir um mundo melhor, porque: «o direito de viver em paz também pode ser interpretado como o direito de não ser vítima da agressão. Mas se assumirmos que a agressão não é aleatória mas causada por factores estruturais e culturais entre e dentro dos actores, então o direito de viver em paz é o direito de viver num cenário social (...) onde se faz qualquer coisa sobre factores e não só sobre actores (...).» (POPPER, 1992:213).
A construção de um mundo melhor, no sentido de promover e preservar a paz, quaisquer que sejam os conceitos deste valor inestimável (mesmo o mais rudimentar, como aquele que define paz como ausência de guerra), passa, certamente, pelo conhecimento dos valores universais constantes na Declaração Universal dos Direitos do Homem e dos instrumentos legais, técnicos e científicos para os defender, porque, desde logo, é necessário, combater o irracionalismo que tanto parece estar na moda, sendo certo que atitudes irracionais, não se fundamentam na observância dos direitos humanos e, mesmo aceitando que todo o conhecimento humano é falível, incerto, também não é menos verdade que o conhecimento é uma procura de verdade, de teorias explicativas e, objetivamente verdadeiras.
Neste contexto, não nos é difícil compreender que qualquer violação dos direitos humanos constitui um erro grave, contudo: «combater a falha, o erro, significa pois, procurar uma verdade mais objectiva e fazer tudo para detectar e eliminar tudo o que é falso. (...) Ao reconhecermos a falibilidade do conhecimento humano, reconhecemos, simultaneamente, que nunca podemos estar completamente seguros de não termos cometido algum erro.” (Ibid.:18).
A prática de deveres que conduzem a soluções pacíficas de conflitos humanos, naturalmente que carece de profundos conhecimentos ético-morais, de cidadania, de saber-ser e saber-estar no mundo com os outros, numa permanente postura de tolerância e responsabilidade intelectual e, quantas vezes, na nossa tolerância e humanidade, somos objetos da intolerância e da desumanidade de outros.
Infelizmente o número de casos não para de aumentar: campos de concentração, assassinatos, violação de mulheres e crianças, deportações, migrações em condições infra-humanas, enfim, destinos terríveis, horrores que ainda sentimos, seres humanos, homens, mulheres, crianças, idosos, são vítimas de outros seres humanos, cuja motivação e objetivos são muito discutíveis.
O homem intelectual, culto e responsável, tem hoje, mais do que no passado, o dever inalienável de rejeitar o relativismo radical, na medida em que há valores que jamais se podem mensurar: Deus, verdade, bem, justiça, paz, liberdade e tantos outros, aliás, parece-me que as posições radicais, não conduzem, geralmente, a soluções equilibradas, afigurando-se do mais elementar bom senso, optar por atitudes moderadas.
Tal como nos diz Popper: «O pluralismo crítico apresenta uma posição de acordo com a qual, no interesse da verdade, cada teoria - e quanto mais teorias tanto melhor - deve ser posta em plano de concorrência com as demais. Esta concorrência consiste na discussão racional: isto significa que o que está em causa é a verdade das teorias concorrentes. Aquela teoria, que na discussão crítica parecer aproximar-se mais da verdade é a melhor e a melhor teoria prevalece sobre as menos boas. O mesmo se passa com a verdade.” (Ibid.:178).
A Paz constrói-se, seguramente, a partir de um conhecimento cada vez mais profundo das realidades humanas e, todas as ciências serão poucas, todos os cientistas e intelectuais, não serão suficientes para prosseguirem na busca de um mundo melhor, no sentido não apenas de ausência de guerra, mas também e, principalmente, no que respeita ao dever do cumprimento dos direitos humanos, sejam estes individuais ou coletivos, pelo que, de facto, urge cada vez mais debruçarmo-nos sobre o que as ciências cognitivas podem fazer por um mundo em efervescência. Afinal, onde é que está localizado, no cérebro humano o “bom - senso”?
Poder-se-á colocar aqui, também, a questão da vontade e liberdade suficientes para resolvermos a deprimente situação da violação dos direitos humanos? Será que, também aqui, o homem está determinado por circunstâncias que não controla nem domina? Ou, pelo contrário, tem o homem a capacidade para alterar alguma coisa?
Porque, conforme escreve SEARLE: «A liberdade humana é precisamente, um facto de experiência. Se desejar alguma prova empírica de tal facto, podemos sem mais aludir à possibilidade que sempre nos cabe de falsificar quaisquer predições que alguém possa ter feito acerca do nosso comportamento. Se alguém prediz que eu vou fazer alguma coisa, posso muito bem não fazer essa coisa.» (1987:107). Nesta linha, o autor prossegue, mais adiante, afirmando o seguinte: «A ciência não deixa espaço para a liberdade da vontade (...). Por outro lado, somos incapazes de abandonar a crença na liberdade da vontade.» (1987:113).
A liberdade da vontade não depende, portanto, do determinismo porque, de acordo com o raciocínio de SEARLE: «A forma de determinismo que em última análise é incómoda não é o determinismo psicológico. A ideia de que os nossos estados da mente são suficientes para determinar tudo o que fazemos é provavelmente falsa. (...) Se a liberdade é uma ilusão, porque é que é uma ilusão que, aparentemente, somos incapazes de abandonar? A primeira coisa a observar a propósito da liberdade humana é que ela está essencialmente ligada à consciência.
Apenas atribuímos liberdade aos seres conscientes. (...) a maior parte dos filósofos pensam que a convicção da liberdade humana está essencialmente ligada ao processo da decisão racional. (...) A experiência característica que nos dá a convicção da liberdade humana, e é uma experiência da qual somos incapazes de arrancar a convicção da liberdade, é a experiência de nos empenharmos em acções voluntárias e intencionais. (...) É esta experiência a pedra basilar da nossa crença na liberdade da vontade (...)» porque: «No comportamento normal cada coisa que fazemos suscita a convicção válida ou inválida de que poderíamos fazer alguma coisa mais, aqui e agora, isto é, permanecendo idênticas todas as outras condições», donde e concluindo: «... a evolução deu-nos uma forma de experiência da acção voluntária onde a experiência da liberdade, isto é, a experiência do sentido de possibilidades alternativas, está inserida na genuína estrutura do comportamento humano, consciente e intencional.» (cf. 1987:114-120)
Penso ser legítimo e correto afirmar que a construção de um mundo de paz, depende muito mais do homem, que na sua liberdade de vontade, não sujeita ao determinismo absoluto, pode voluntária e intencionalmente criar as condições, através das ações concretas, para um entendimento global, naturalmente que tal intencionalidade pressupõe abdicar de interesses diversos que possam colidir com a arquitetura de uma paz duradoira, num mundo moderno, solidário e fraterno, onde todos os homens tenham uma oportunidade de cooperar mutuamente.
A Filosofia, atualmente, tem vindo a encontrar sérios obstáculos, quanto à tradicional e milenar importância que vinha mantendo, face ao avanço das ciências em geral e das ciências cognitivas em particular. As ciências da cognição, não só se apresentam como um novo género epistemológico, como também reivindicam para o seu objeto de estudo aqueles problemas que abordam as questões antropológicas, tradicionalmente características das análises filosóficas e teológicas.
Mas, entretanto e no tema que nos interessa aqui abordar, o que se pergunta é como é que as ciências cognitivas podem auxiliar a humanidade para o cumprimento integral dos Direitos do Homem? Uma abordagem antropológica em que a categoria “relação” assuma a importância fundamental, não a relação Homem - Deus, porque esta é inevitável para todo o homem crente e, mesmo o não-crente, em situações-limite, também procura relacionar-se com o Transcendente.
Analogicamente, emerge como um imperativo categórico, implementar uma praxis relacional, homem-a-homem, aliás, «torna-se necessário ter em conta que todo o discurso humano, quer o discurso bíblico, quer o discurso filosófico-teológico, quer igualmente o discurso científico, não podem deixar de recorrer a modelos e analogias. Por, consequente, falar de uma ou mais antologias que constituam como que a “ossatura” de uma “antropologia integral”, filosófica, teológica e científica, não pode deixar de significar falar de ontologias elaboradas em contextos de determinados modelos de saber em vários domínios...» (DINIS, 1998:587).
Nesta “lógica” e sob o princípio e convicção da fé, sabemos que: «Deus chama todo o homem (...). É evidente que esta chamada pessoal de comunhão (...) torna-se possível pela existência de uma determinada estrutura psicofísica (...). Tenha-se além disso presente que este chamamento divino determina o substrato criatural profundo do homem, fá-lo ser aquilo que é. A transcendência do homem sobre o meramente mundano, a sua capacidade de superar os condicionalismos deste mundo, bem como a sua “imortalidade”, derivam portanto do facto deste chamamento à comunhão com Deus (...). O ser pessoal do homem, pressuposta a sua constituição psicossomática está constituído por esta possibilidade que se lhe oferece de entrar em comunhão com Deus.» (Ibid.:588).
Desenvolvendo aquele modelo e transferindo a relação Deus-Homem para Homem-Homem, verifica-se que seria possível, pelo menos, e para já, tentarmos implementar este novo paradigma, porque, «Além disto, a categoria de relação recupera todo o discurso contemporâneo acerca do carácter relacional do corpo e da pessoa, não apenas no convívio social, mas também com a sua relação e todo o universo. (...) A pessoa é toda a realidade relacional que foi “construindo”, através da sua vida, da sua história pessoal, desde o momento da concepção. Esta totalidade da existência humana que é a pessoa, embora se vá desvanecendo com o tempo, sobrevive de algum modo na sua memória enquanto vive na história...» (Ibid.:590).
O cumprimento dos deveres em ordem à salvaguarda e respeito pelos direitos humanos, não poderá deixar de adaptar, na prática, um modelo idêntico ao que acabamos de descrever, para resolver a velha dualidade corpo-alma, na medida em que, se todos nós, seres humanos, nos configurarmos à imagem e semelhança de Deus-Pai, então, poderemos encontrar n’Ele, o princípio unificador e respeitador dos mais sagrados Direitos do Homem.
Não deve repugnar aos filósofos, e muito menos aos homens não-crentes, este recurso epistemológico e, agirmos uns para com os outros, em comunhão, respondermos uns aos outros quando chamados a cooperar para o bem comum da sociedade de que fazemos parte, num todo de Direitos e Deveres.
A ciência, naturalmente, vem contribuindo para que os Direitos Humanos possam ser observados, na medida em que resolve muitos problemas de natureza económica que estão na origem das violações daqueles direitos, todavia não será a única via e nesse sentido: «Em todos os tempos, o homem tem inspeccionado o seu contorno com os olhos bem abertos e uma inteligência fecunda, em todos os tempos faz descobertas incríveis e em todos os tempos podemos aprender das suas ideias.» (FEYERABEND, 1997:302).
No virar de século ou de milénio, ou, se quisermos, neste primeiro quarto do novo século XXI, não devemos temer o progresso científico, entendido como categoria antropológica, com vista à harmonização de uma convivência humana sadia e justa. As ciências, quaisquer que sejam, não podem ignorar o bem-estar da humanidade e é neste sentido que pretendo continuar a desenvolver os meus raciocínios, as minhas atitudes e comportamentos.
As definições do progresso defendidas pelos autores antes citados, revelam preocupações quanto à validade e manutenção dos paradigmas científicos que, por sua vez, se desenvolvem num ciclo vicioso de lutas entre velhos e novos paradigmas.
Em quaisquer uma daquelas perspetivas, o problema central prende-se com a ciência, entendida como progresso, revoluções científicas, aperfeiçoamentos, novas descobertas, para problemas que, elas próprias, as ciências positivas, originam, seja através do armamento, seja pela supremacia do poder Político-económico, o certo é que nem sempre se tem aproveitado as suas potencialidades para melhorar o respeito pela dignidade humana. Cada vez me parece mais pertinente a ciência antropológica, precisamente ao serviço do homem, considerado na sua dimensão última, ou seja, um ser à semelhança do seu Criador.
Quaisquer que sejam as teorias, o homem confronta-se, de facto, com um avassalador progresso científico que, por vezes, colide com valores e princípios ético-morais que são fundamentais nos direitos do homem. Um dos autores mais sensíveis a uma abordagem do progresso científico em termos culturais e axiológicos e, concretamente, éticos e antropológicos foi Paul Feyerabend.

Este autor, Feyerabend: «denuncia uma concepção de progresso científico gerador de injustiças e do domínio da cultura ocidental sobre outras culturas consideradas subdesenvolvidas.» É contra esta forma de universalismo, negador das especificidades de cada cultura que Feyerabend ergue a sua voz: «Em todo o mundo as pessoas elaboram instrumentos de sobrevivência em meios em parte perigosos.» (FEYERABEND, in DINIS, 2).

Naturalmente que não é isso que hoje pretendemos das ciências e, por força da razão, não é isso que nós, filósofos, exigimos das ciências cognitivas, na medida em que, ao exagerarmos a intervenção das ciências ditas positivas, verificamos que, algumas delas, e, concretamente os teóricos das ciências sociais, políticas e outros intervenientes actuam na sociedade e verifica-se, a propósito a seguinte passagem de FEYERABEND: «O modo como os problemas sociais, os problemas de assistência a idosos e assim por diante são resolvidos nas nossas sociedades podem, a traços largos, ser descritos nos seguintes termos: levantar-se um problema. Não se faz coisa nenhuma a seu respeito. As pessoas são afectadas. Os políticos difundem a sua preocupação daí decorrente. São convocados os especialistas. Os especialistas elaboram teorias e planos que neles se baseiam. Os grupos de pressão próximos do poder, com especialistas ao seu serviço, introduzem diversas modificações neste primeiro trabalho... (...)
Temos hoje uma situação em que as teorias sociais e psicológicas do pensamento e da acção humanos tomaram lugar deste pensamento e desta acção em si próprios. Em vez de interrogarem as pessoas implicadas numa situação problemática, os gestores do desenvolvimento, os educadores, os tecnólogos e sociólogos extraem a sua informação acerca do que essas pessoas realmente querem e precisam de estudos teóricos realizados pelos seus prezados colegas nos campos considerados relevantes. São consultados modelos abstractos e não seres humanos vivos: não é a população-alvo que decide, mas os produtores dos modelos. Os intelectuais de todo o mundo têm por adquirido que os seus modelos serão mais inteligentes, farão melhores sugestões, aprenderão mais capazmente a realidade dos seres humanos por si próprios.» (FEYERABEND, in DINIS, 2).
Esta análise Feyerabendiana, citada por DINIS, é extremamente pertinente, a situação timorense, no passado, não estaria longe deste método, onde, segundo se afirma, efetivamente o povo maubere nem sempre teria sido auscultado pelos políticos e militares, sobre o que seria melhor para a salvaguarda dos seus direitos humanos, designadamente aqueles valores que enquadraríamos, nesta fase, de segunda geração, ou seja, direitos sociais. Evidentemente que não está em causa a competência, a dedicação, o altruísmo de todos os que estão a tentar reconstruir Timor; o que importa aqui é a metodologia utilizada que não pode ser influenciada por interesses alheios aos timorenses.
Evidentemente que não há “receitas” perfeitas, nem milagrosas e o método Feyerabendiano também não o é, na medida em que a objetividade, supostamente existente nas aspirações das populações-alvo, tem de ser trabalhada, pelos homens da ciência, pelos teóricos, pensada pelos nossos filósofos, de tal forma que os dados concretos recolhidos junto das comunidades tenham em conta as suas culturas, os diálogos culturais entre culturas diferentes, conceitos e princípios diversos e até divergentes. Torna-se essencial ter em conta que o discurso antropológico vem sendo objecto de intensa mudança, as dicotomias corpo-alma, matéria-espírito, também enfrentam graves problemas.
Nesta linha de pensamento, parece-me pertinente a tese de DINIS quando nos ensina que : «... A ciência, mesmo a ciência da natureza, do universo material é, de facto, uma grande investigação acerca da humanidade. Na verdade, quando perscrutamos o espaço intergaláctico, não estamos apenas à procura de estrelas ou planetas semelhantes à Terra, ou de buracos negros ou estrelas... Estamos à procura de nós mesmos. Andamos permanentemente inquietos em busca de nós, movidos por uma inquietação talvez inconsciente, por uma inquietação que tem no mais íntimo de nós a sua nascente, naquela profundidade misteriosa como um santuário onde nem mesmo nós ousamos penetrar. E lançamo-nos então para fora de nós, à procura de nós, lá longe, muito longe, mergulhados como ébrios no infinitamente distante dos espaços siderais, ensaiando talvez os mergulhos que sonhamos no infinitamente perto que está em nós. (...) É precisamente neste sentido que entendo que toda a ciência é, ultimamente, antropologia, e que todo o progresso científico só tem sentido se for visto como uma categoria antropológica. Mas tudo isto exigirá, certamente, um novo modelo de saber.» (DINIS, III Parte)
A reflexão que antecede, conduz-nos, efetivamente, a uma posição que devemos aceitar como de grande humildade, no sentido em que, não basta haver uma Declaração Universal dos Direitos do Homem, alegadamente de matriz ocidental, se ignorarmos as tradições, as culturas, os hábitos, usos e costumes, o direito natural e consuetudinário de outros povos, noutros pontos do mundo. Quem somos nós, para criticarmos outros seres humanos, cujos valores e princípios, nós, ocidentais, preconceituosamente pretendemos negar.
A mantermos esta mentalidade, certamente a Declaração Universal dos Direitos do Homem, dever-se-ia denominar, “Declaração Ocidental dos Direitos de Alguns Povos” porque, mesmo no ocidente, existem divergências quanto à importância de certos valores, como por exemplo a vida. O direito à vida, em quaisquer circunstâncias, ainda não foi absolutamente conseguido, veja-se o que se passa em alguns Estados Norte Americanos, onde a pena de morte vigora.
Na origem dos Direitos Humanos estão alguns valores que, por sua vez, têm a sua própria fundamentação: «... a tradição ocidental que conjuga o altruísmo e o individualismo. O dualismo apresenta duas faces: uma necessária e outra convencional (...) Em sua face convencional temos as regras sociais fundamentadas nos interesses humanos. (...) O ocidente foi fundado por dois acidentes históricos, o milagre grego e o cristianismo. (...) Quanto ao cristianismo o advento de Deus na história forneceria uma resposta que, no entanto, foge ao escopo Popperiano.» (PEREIRA, 1993:173-175).
Na passagem acabada de citar é evidente uma opção pelo racionalismo, como uma opção moral, que cria os valores e se ilustra muito bem no seguinte trecho extraído da obra: A Sociedade Aberta: «Acredito que a nossa sociedade ocidental deve seu racionalismo, sua fé na unidade racional do homem e na sociedade aberta, e especialmente sua feição científica, à antiga crença socrática e cristã na fraternidade de todos os homens e na honestidade e responsabilidade intelectual.» (Ibid.:168).
Ao longo desta reflexão epistemológica, tentei abordar vários aspetos que se prendem com a necessidade de implementarmos políticas que visem o respeito pelos Direitos Humanos, a partir da análise de diversas estruturas de valores, princípios, atitudes, comportamentos e a relação destes com a ciência, passando pelas faculdades humanistas do homem, a partir da tradição grega.
Concluiria, pois, esta minha breve reflexão com o aspeto religioso na estrutura de paz, porque de facto, temos assistido ao longo dos séculos, a conflitos terríveis, alguns dos quais com base em fanatismos religiosos. Ora, como cristão que sou, penso que a minha religião tem, pelo contrário, dado, um contributo muito importante não só para a paz como também para o cumprimento dos Direitos Humanos, sejam estes de primeira, segunda ou terceira gerações.
Com efeito, a nível mundial, a Igreja Católica possui mais de 110 mil Instituições de Solidariedade Social, segundo um estudo de 1997, difundido na Televisão Portuguesa (SIC, Jornal da Tarde, 13/02/2000); por outro lado é do conhecimento público, o papel decisivo desempenhado pela Igreja Católica Timorense ao longo de 25 anos de luta de libertação do Povo Maubere, em que os mais altos dignitários da Igreja, correram inequívocos riscos de vida ao protegerem a população martirizada de Timor, com expressão relevante na atribuição do Prémio Nobel da Paz a um Bispo Católico, de língua Portuguesa: D. Carlos Ximenes Belo, a quem todos devemos prestar sincera homenagem.
Parece-me, portanto, que caberá não só às ciências ditas positivas, mas inevitavelmente e por razões da complexidade humana, às ciências do espírito conjugadas com a sabedoria filosófica, encontrar e implementar as soluções práticas para o cumprimento do dever de observância dos Direitos Humanos Universais, independentemente, embora respeitando-as, das tradições, usos, costumes, ideologias político-religiosas, e culturais de cada povo.
Haverá, certamente, valores e princípios universais que é necessário respeitar, em todo o mundo, para o que se postulam atitudes de tolerância, de interculturalismo, de solidariedade e de fraternidade e, nesse sentido, cabe-nos, também a nós filósofos, um papel de maior intervenção, consubstanciado no exercício das actividades docentes e na praxis quotidiana das diversas áreas das atividades humanas: Políticas, Religiosas, Económicas, Profissionais, Culturais, Sociais e de Lazer. O homem terá de encontrar, dentro de si, em primeiro lugar, a paz que procura e pretende estender a todo o mundo. Só quem está em paz consigo mesmo é que pode transmitir este sentimento para o exterior. A tranquilidade de consciência, certamente, facilita o diálogo, o encontro de soluções e a implementação das mesmas, em termos práticos na realidade social.


 BIBLIOGRAFIA

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Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Telefone: 00351 936 400 689


Imprensa Escrita Local:
 

Jornal: “O Caminhense”
Jornal: “Terra e Mar”

 
Portugal: http://www.caminha2000.com (Link’s Cidadania e Tribuna)