domingo, 18 de novembro de 2018

A Complexidade dos Direitos do Homem

Pode-se abordar a problemática dos Direitos do Homem, a partir de várias possibilidades estratégicas, metodológicas ou mesmo teleológicas, contudo, numa forma simples e clara, parece pertinente invocar as máximas universais: «Todos os Seres Humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.» (D.U.D.H., Artº 1º) e: «Não se deve perder a fé na humanidade: a humanidade é um oceano limpo e um par de pingos sujos não sujam o oceano.» (GANDHI).
A comemoração do septuagésimo aniversário da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948-2018) que, infelizmente, ainda não solucionou os conflitos e fundamentalismos éticos e religiosos, deve constituir real incentivo e preocupação para que as problemáticas dos Direitos (e Deveres) Humanos comecem a ser tratadas com o devido e merecido discernimento e seriedade que merecem.
É sabido que hoje, ainda que, possivelmente, menos que ontem, os Direitos Humanos, que abarcam um conjunto muito vasto das dimensões da vida humana, ainda continuam a ser tratados, por diversos países, como “carta de boas intenções”, tentando “camuflar”, interesses económicos ou burocracias instaladas, por ditaduras e repressões políticas e religiosas.
A manifesta dissimulação com que os Direitos Humanos são invocados é objeto de denúncia por parte das Organizações Não-Governamentais, do olhar indiscreto dos Media, dos biliões de pessoas que sentem a miséria, a fome, a doença, o analfabetismo, a intolerância, a discriminação, a violência e a guerra.
Por outro lado, novos desafios apareceram: terrorismo organizado, toxicodependências diversas, rapto de pessoas, eutanásia, clonagem, degradação e delapidação do meio ambiente, as crises económicas e financeiras, a falta de solidariedade de alguns países ricos para com os mais pobres, o próprio processo de globalização que, por vezes, funciona de forma desumana.
A subordinação dos cidadãos à força do poder dos que “querem, podem e mandam”, verifica-se um pouco em todos os cantos do mundo. Os relatórios da Amnistia Internacional, das Organizações Não-Governamentais e denúncias dramáticas da própria Igreja Católica, são a prova insofismável de que ainda “há muitos pingos sujos a sujarem o oceano da humanidade” a qual se pretende livre, justa, digna e pacífica! Uma humanidade onde toda a pessoa humana se sinta igual ao seu semelhante, naturalmente, em direitos e deveres.
A problemática dos Direitos do Homem é muito complexa, porque este conceito é tão frequentemente utilizado, como raramente esclarecido, mas é indispensável clarificá-lo, porque coloca tais direitos no centro da política, no seio das relações entre o Poder e a Pessoa, o que determina, deste modo, a política dos direitos, isto é, a conduta dos homens em sociedade, face aos seus possíveis direitos, ou, dito de outro modo: «Os direitos do homem são a resultante principal e o sinal mais revelador da relação entre o poder e a pessoa, ou seja, da primeira relação política. Assim, a sua problemática é a do próprio Poder. No seu conjunto, a Filosofia política negligenciou, durante muito tempo a pessoa e as suas prerrogativas para se interessar, preferencialmente, pelo Poder, dirigindo-se à pessoa apenas por via indirecta.» (MOURGEON, 1982:34).
Naturalmente que a conduta dos homens, em sociedade, tem a ver, necessariamente, com o reforço da responsabilidade individual, tanto mais imprescindível, quanto mais livre essa sociedade for.
Hoje, não se pode falar de responsabilidade individual sem referência a valores, da origem destes, os quais nasciam, tradicionalmente, na sociedade e eram apoiados pela família, pela Igreja e pela escola, afinal, para a própria preservação do Estado Democrático, em cujos vértices se situam a liberdade, a responsabilidade e os valores, capazes de fundamentar, nos membros da sociedade, a vontade de defender e consolidar a liberdade.
Tais valores que se identificam com o amor à liberdade, com as virtudes cívicas (verdade, solidariedade, lealdade, trabalho e direitos humanos), cuja diversidade de aplicação, comporta uma dualidade de tendências simultâneas: «A tendência para a reivindicação dos direitos face ao Poder e a Tendência para a organização dos direitos pelo Poder, levadas às últimas consequências: a primeira, é a mãe das resoluções; a segunda origina repressões.» (Ibid:43).


Bibliografia


ONU, (1948) Declaração Universal dos Direitos Humanos


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal


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domingo, 11 de novembro de 2018

Preparação Psico-Funcional para o Casamento

Aceite-se, como ponto prévio, que o casamento e a correspondente constituição de família são, porventura, das decisões mais importantes na vida de uma pessoa, principalmente para aquelas que têm na família o expoente máximo da realização da pessoa humana.

Tome-se, também, como referência da sociedade, a organização familiar, com os contornos e funções que, classicamente, se lhe conhecem, aos quais se deve adicionar, no presente, outros requisitos, exigências e capacidades dos cônjuges, atentas as profundas alterações sociais, profissionais e axiológicas.
Interiorize-se a ideia, segundo a qual, decidida a união de um casal, pela celebração do casamento, este como ato que envolve várias diligências processuais legais cívicas e, eventualmente, religiosas, os cônjuges se comprometem a desenvolver iniciativas para uma conjugação plena de esforços, com o objetivo de criarem, aumentarem e consolidarem condições ideais de harmonia, amor, procriação, educação dos filhos e progresso material, bem-estar geral de toda a família conjugal.
Por princípio, excetuadas que possam ser situações extraordinárias, não se defenderá o casamento baseado num único e exclusivo critério, justamente, para se evitar, no futuro, dissoluções mais ou menos dramáticas, com consequências traumatizantes para crianças e outros dependentes do casal.
Como exceção à não exclusividade de critérios, respeitando a posição daqueles que defendem valores supremos e essenciais, admite-se que a existência de amor e respeito mútuos, irreversivelmente interiorizados, nos dois elementos do casal, podem, por si sós, garantir o sucesso do casamento e assegurar a felicidade da família, que se construirá a partir daquela união amorosa.
Abordar-se-á, sempre que conveniente, o casamento na perspectiva religiosa, segundo a qual: «O padrão divino do casamento honroso é a união de um só homem com uma só mulher.» (STVBT, 199:27).
Preparar o casamento para constituir uma família, com amor e respeito recíprocos dos dois membros do casal, pressupõe um percurso prévio, a dois – homem-mulher –, durante o qual vão analisar e desenvolver as capacidades que devem melhorar, até ao limite da perfeição possível.
O amor é fundamental, designadamente, aquele amor que se desenvolve no seu sentido mais altruísta, possibilitando: «Fazer à outra pessoa o que é correcto e bom aos olhos de Deus, quer essa pessoa pareça merecer isso, quer não.» (Ibid.:29), havendo, naturalmente, reciprocidade.
Concomitantemente com este amor, no seu conceito mais altruísta, funcionará o respeito recíproco, que permite a compreensão, a tolerância, a harmonia e a paz na família.
O respeito, por si só, já incorpora um fundo de amor, na perspectiva da amizade profunda, independentemente das divergências. Quando um jovem casal heterossexual se sente atraído, ou duas pessoas adultas, em qualquer idade, nutrem algum tipo de sentimento, a aproximação e o contacto vão propiciando oportunidades, para um melhor e recíproco conhecimento.
Discutem-se gostos, interesses, estatutos e projetos; analisam-se eventuais situações, entretanto, criadas, suas consequências e tomam-se decisões que, posteriormente, serão executadas.
Trata-se de um trabalho árduo, paciente e minucioso, que deve ser realizado com a maior tranquilidade, sem pressões, sem interesses dúbios e sempre numa atitude de respeito, com estima e consideração pela outra parte, até que surja, realmente, aquele amor altruísta, sublime, alheio a quaisquer outras situações, circunstâncias, interesses, sentimentos ou paixões irracionais, casuísticas e/ou premeditadamente simuladas, em função de um objetivo menos digno. Quaisquer outras intenções, incluindo as sexuais, estas, certamente muito importantes, podem aguardar a consolidação do amor e respeito recíprocos.
Preparação profunda, tranquila e prudente, no amor e na consideração mútua, será o primeiro grande nível que o casal deve atingir, com absoluta segurança e certeza, porém, não será o único.
Outros patamares na preparação do casamento são necessários atingir-se e, certificar-se se realmente, os objetivos foram elencados. É da maior importância para os ainda namorados, cultivarem um conjunto de valores e boas-práticas, a fim de, se efetivamente pretendem casar-se, harmonizarem os respetivos comportamentos.
A fidelidade pode (e deve) iniciar-se logo a partir do primeiro contacto, o mais cedo possível, entrando na relação como um valor que controla eficazmente os pensamentos e desejos mais íntimos. Ser fiel, já no período antenupcial, constitui um excelente princípio, porque a fidelidade inspira segurança, dá confiança e é motivo de orgulho, reforça a dignidade e consolida o respeito recíproco. Igualmente a verdade, como outro valor indispensável ao sucesso do casamento.
A verdade só tem uma mesma e única versão, logo, reforça a personalidade, a credibilidade e o prestígio de quem a usa, como instrumento privilegiado para uma boa relação interpessoal.
Ainda nesta fase é importante testar a disponibilidade para o trabalho, para o estudo, para a poupança, porque verificando-se que estas atitudes existem e são praticadas, por cada um dos membros do casal, então o domínio da sobrevivência económico-financeira, de alguma forma, fica razoavelmente salvaguardado.
Numa perspectiva mais materialista, e sem ser tomada como “regra sem exceção”, pode-se, nesta fase preparatória, testar alguns aspetos concretos, tais como:
a) Desigualdades, quaisquer que elas sejam – hábitos, tradições, idade, estatuto, etnia;
b) Profissão, que pode vir a influenciar o relacionamento, as conversas, os objetivos, a preferência pelo sucesso numa carreira profissional, relegando para um plano inferior a união do casal;
c) Saúde, que na medida do possível deve existir nos namorados, bem como o conhecimento recíproco da existência de doenças que, mais tarde, podem prejudicar, definitiva e irremediavelmente, os próprios filhos;
d) Habitação como um lugar de intimidade, de conforto e de segurança para a família, que se pretende constituir, sem a partilha com pais, sogros, irmãos, cunhados, outros parentes e amigos, porque a privacidade familiar é um direito indeclinável, que deve ser observado por todos;
e) Diferença de idade que, quando é muito acentuada, acaba por provocar situações que podem conduzir à dissolução do matrimónio, desde logo por via da diferença dos ritmos fisiológicos e também pelos valores que cada geração assume como seus.
O período de preparação para um casamento, que se perspectiva com grandes probabilidades de sucesso, não se esgota no conjunto das regras, valores e práticas, acabadas de enunciar. São, apenas, algumas sugestões, entre muitas outras possíveis e, eventualmente, melhores quanto à sua eficácia. Na verdade, não existem receitas ou fórmulas para a felicidade, nem para o casamento absolutamente bem-sucedido, ao nível dos valores imateriais.
A felicidade e todo o êxito a ela associado, no casamento, constroem-se ao longo da vida matrimonial, é como, metaforicamente analisado, frequentar um curso, durante toda a vida e, momento a momento, haver uma avaliação contínua com vários instrumentos de medida.
Para que o curso que se vai frequentar, se possa concluir com êxito, aqui designado por casamento, é, evidentemente, imprescindível que a preparação seja efetuada com rigor, com seriedade e determinação.
Nas palavras sábias de Pio IX, reconduzidas ao contexto da sua época: «Deve-se pôr grande cuidado na escolha do cônjuge. Dessa escolha depende o feliz resultado do casamento, posto que precisamente esse cônjuge há-de ser para o outro uma grande ajuda, no cumprimento cristão dos deveres da vida matrimonial, ou um poder e um obstáculo para esse cumprimento. Por isso, a fim de não haver que lamentar duramente toda a vida tristes resultados de uma escolha feita ligeiramente é necessário que os que desejam contrair matrimónio deliberem ajuizadamente sobre a escolha da pessoa à qual se vão unir para sempre.» (in: GUERRERO, 1971:32).
A última metade do século XX foi um período que teve várias características marcantes para a sociedade, porque enquanto era necessário sarar as feridas de duas grandes guerras mundiais e conflitos internos, em diversos territórios nacionais, outras situações, muito complexas, resultantes das disputas estratégicas, de hegemonias mundiais, com a formação de blocos político-militares e económicos, foram-se alastrando, em várias regiões do globo; por outro lado, o avanço, sem precedentes, da ciência e da técnica, veio contribuir para alterações profundas nas mentalidades, nos hábitos, nos valores e comportamentos, a que se aliou a criação de movimentos cívicos e instituições internacionais que, ainda hoje, pautam a sua atuação por valores, direitos, deveres e garantias, relativamente à defesa do homem e da natureza, embora nem sempre com êxito.
As vidas: individual e familiar, não tinham como escapar a tantas e tão profundas alterações, o que implica uma preparação muito mais cuidada dos cidadãos, das famílias, dos grupos e instituições. Os matrimónios devem, portanto, ser cuidadosamente preparados, porque: «O conflito entre os pais não favorece nem a aquisição de bons hábitos nem a felicidade. Com efeito, os lares desfeitos são caldos de cultura de neuroses, revoltas, inibições, ressentimentos, represálias de toda a ordem. Porque é o casal, na sua unidade, que engendra segurança, tem poder criador, equilibra e educa. É o desejo efectivo de total comunhão entre os pais que orienta os filhos no sentido do amor, libera e transforma, faz desabrochar as riquezas todas da personalidade.” (SCHMIDT, 1967:84-5).
Como ideia central, destacam-se a importância e necessidade de uma boa preparação para a constituição da família, pelo ato do casamento, a partir de um período prévio, denominado por namoro, cujo primeiro objetivo será o conhecimento recíproco dos futuros nubentes e, se for o caso, da consolidação dos sentimentos, da avaliação positiva dos comportamentos, da interiorização e exercício permanente das boas-práticas, tendo por objetivo final a constituição de uma família monogâmica, conjugal, constituída pelo pai, mãe e filhos, onde a comunhão de valores, de interesses, de direitos, deveres e responsabilidades seja a principal dinâmica desta milenar instituição e célula nuclear da sociedade, como é a família. Naturalmente que se conhecem outras formas de acasalamento, cujos valores e objetivos se respeitam, quer se concorde ou não.
A sociedade, organicamente representada pelos seus diversos intervenientes, tem responsabilidades acrescidas, justamente na preparação dos futuros casais, como no apoio àqueles que, tendo-se constituído em família, atravessam dificuldades de vária ordem, também por culpa das diversas políticas institucionais: saúde, educação, formação, emprego, habitação, segurança e estabilidade na velhice.
Na preparação dos casais, existem imponderáveis a que eles são alheios: por muito cautelosa, rigorosa e transparente que tal elaboração possa ser; por mais elevados, verdadeiros e consolidados que sejam os sentimentos, valores e práticas; há situações imprevisíveis, que só a sociedade organizada pode resolver, através das respetivas instituições, para evitar, no futuro, a dissolução de uma matrimónio que, à partida, tinha tudo para ser de sucesso.
Na verdade, não há receitas nem se pode garantir um casamento de êxito pleno, uma família totalmente feliz. Há, contudo, a obrigação dos interessados lutarem pela sua própria felicidade: na sociedade, na família, no próprio indivíduo isoladamente considerado.


GUERRERO, José Maria, (1971). O Matrimónio Hoje, à Luz do Vaticano II, Trad. José Luís Mesquita, Braga: Editorial Franciscana.
SCHMIDT, Maria Junqueira, (1967). Educar para a Responsabilidade, 4ª edição, Rio de Janeiro RJ: Livraria Agir Editora


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal


domingo, 4 de novembro de 2018

Educação e Formação para uma Filosofia do Sucesso


A existência humana compõe-se de êxitos e fracassos, sejam eles de natureza material ou imaterial. Elaborar projetos de vida, executá-los e avaliá-los é um dever legítimo de toda a pessoa.
Lutar pelo êxito de tais projetos é uma atitude salutar, que promove o desenvolvimento, o progresso e o bem-estar. Exigir educação e formação para a aplicação de uma filosofia do sucesso é uma condição que deve ser considerada, não só pelo próprio, como também pelos grupos intervenientes, institucionais ou não, formais ou informais, destacando-se, pela sua capacidade de congregar recursos diversos, o Estado.
Quanto maior for o sucesso dos cidadãos individuais, mais aumentam as possibilidades da comunidade em geral, para alcançar idêntico êxito e o correspondente bem-estar. Para que tais objetivos sejam alcançados é necessário criar um espírito de competitividade, uma filosofia para o sucesso, o mais cedo possível, na vida de cada pessoa, desejavelmente, na idade escolar.
Educar e formar para a filosofia do sucesso pode constituir um bom princípio para percorrer o caminho do bem-estar, obviamente sem atropelar idênticos direitos e estratégias dos seus semelhantes.
A Filosofia também tem uma imensa dimensão prática. Nem outra condição seria de esperar, na medida em que é através da reflexão, da criatividade, de ideias originais, de teorias, mais ou menos consistentes, que se constrói o mundo abstrato e artificial em que a humanidade vive, se buscam as condições máximas para o bem-estar geral e material, mas também individual e interior.
A ideologia, na sua vertente de construção de ideais, entenda-se, bons ideais, ao serviço dos valores universais de: Deus, paz, justiça, família, trabalho, educação, liberdade, segurança, propriedade, democracia, tolerância e tantos outros, representa o mais elevado grau da inteligência abstrata do homem, que nenhum outro animal consegue atingir.
Também aqui, no mundo dos valores, a Filosofia tem um papel fundamental porque: «Embora o reconhecimento do universo de valores seja tão antigo quanto a capacidade que o homem tem de pensar a respeito de suas acções, apenas no século XIX surge a teoria dos valores ou axiologia, como disciplina filosófica específica que aborda de maneira sistematizada essa temática.» (ARANHA, 1996:118).
O projeto de vida que incorpore as dimensões: científica, técnica e filosófica, provavelmente, terá as melhores condições possíveis para o sucesso material e espiritual ou interior, pensando-se que não será fácil a uma pessoa sentir-se realizada, (feliz?) apenas na vertente material; o contrário também se aceita como possível (mesmo indo contra um certo romantismo, defensor da pobreza digna e honesta).
O sucesso e os bens materiais não são inimigos, nem incompatíveis com os valores morais, éticos e religiosos, nem tão pouco com uma vida simplificada, humilde e despida de preconceitos.
Aliás, o que seria desejável é que o homem se realizasse integralmente, nas suas duas principais dimensões: física e espiritual. Nessa perspectiva, as famílias e as outras instituições – escola, Igreja, empresa, associações, organizações não governamentais, comunidade, comunicação social – têm uma função primordial na educação das crianças, jovens e adultos, (e até nos idosos) para uma filosofia do desenvolvimento, do progresso e do bem-estar, assente no estudo, no trabalho e na economia, esta, por via da poupança.
O primeiro quarto deste novo século, bem poderia ficar indelevelmente inscrito na história da humanidade, como o início de uma nova era do desenvolvimento, do progresso e da harmonia entre os vários povos de um mesmo planeta.
O caminho a percorrer, dados os imensos obstáculos, criados e mantidos pelo próprio homem, é longo e difícil, mas não haverá outro se de facto se desejar um mundo melhor para as atuais e vindouras gerações. É necessária muita coragem, um forte sentimento de solidariedade e grande controlo sobre os egoísmos exacerbados e, praticamente, ilimitados de uns, que teriam o dever de ajudar os milhões de pobres, discriminados e marginalizados.
Àqueles que já possuem muito, mesmo que os seus bens tenham sido adquiridos, legitima e legalmente, por mérito próprio, com base no trabalho, no estudo e na poupança, não causará grande diferença se aplicarem uma parte desse património no desenvolvimento que favoreça os mais necessitados.
Uma tal atitude dos mais ricos vem confirmar que: «São indispensáveis novas formas de desenvolvimento entre os ricos para o melhor desenvolvimento dos mais desfavorecidos. É por um duplo esforço tendente a um fim comum que se pode esperar a redução das desordens mais flagrantes na economia mundial. A reestruturação material da produção e das trocas exige a renovação dos instrumentos de análise e das doutrinas. Para esta tarefa de civilização são convocadas as culturas originais em que conjuntos humanos, no decurso de uma longa história, tentaram inscrever as suas razões de viver.» (PERROUX, 1987:35).
A existência de extrema pobreza de muitas famílias, e da miséria absoluta de outras, a par daquelas que, por vergonha, tentam encobrir situações verdadeiramente desumanas, constitui, atualmente, para um mundo pretensiosamente civilizado, moderno, progressista, científica e tecnologicamente avançado, um libelo impossível de se ignorar.
A responsabilidade por esta inaceitável chaga mundial, que deve envergonhar todos aqueles que, podendo fazer alguma coisa, não o têm conseguido, estende-se um pouco a toda a humanidade, incluindo os próprios indivíduos que vivem aquelas situações humilhantes, partindo do pressuposto que não teriam feito tudo o que poderiam, e deveriam, para viverem uma vida melhor.
Em todo o caso, a responsabilidade maior sempre poderá ser atribuída a quem detém os recursos e os meios para os implementar, bem como àqueles que tendo a obrigação de darem exemplos de sobriedade, rigor, simplicidade e transparência, na gestão dos recursos públicos, agem, precisamente, ao contrário e, muitas vezes, em benefício de um determinado grupo privilegiado em que se inserem, porque em bom rigor: «O desenvolvimento de cada homem é uma finalidade que deveria ser aceite unanimemente pelos responsáveis da política, da economia e da investigação, hoje que alguns dos estratagemas mais grosseiros foram desmascarados pela história contemporânea, à custa das violências sangrentas que as violências íntimas provocam nas instituições.» (Ibidem.:34).
É evidente que ao imputarem-se responsabilidades, a quem detém determinados poderes: político, económico, investigativo, estratégico, bélico, religioso, influenciador na organização e desenvolvimento da sociedade, pretende-se envolver o homem no seu estatuto individual, adquirido ou construído.
Nessa perspectiva, e na linha de pensamento já esboçada acima, defende-se o princípio, segundo o qual: cada pessoa tem de se responsabilizar pela elaboração, desenvolvimento e validação (ou não) do seu próprio projeto de vida.
 Se os resultados negativos não lhe forem maioritariamente imputáveis, então sim, os poderes constituídos e já mencionados, têm a obrigação de ajudar, orientar, conduzir e avaliar quaisquer outros projetos, que conduzam ao sucesso daquele indivíduo, daquela família ou comunidade.
Desta forma, pretende-se, assim, incluir o indivíduo no seu próprio projeto de vida, concedendo-lhe todas as facilidades possíveis e exigindo-se-lhe as correspondentes responsabilidades, porque esta estratégia pode contribuir para o êxito do ideal de vida e da própria auto-estima do sujeito, diretamente envolvido e interessado no seu sucesso.
Resulta, em primeira instância, que concedidas todas as condições materiais, técnicas e administrativo-legais ao cidadão, para desenvolver o seu projeto de vida, ele não poderá, em circunstâncias normais, imputar a responsabilidade de um eventual fracasso a outras pessoas e/ou instituições.
Recusa-se assim um Estado, ou um determinado poder público e/ou privado, paternalista, benfeitor, misericordioso ou obrigado a prestar caridade, porque em boa coerência, concorda-se que: «O desenvolvimento das pessoas é obra das próprias pessoas; nem uma só pode descarregar sobre outrem o cuidado de sua existência humanizada e da sua própria expansão. Este imperativo é precedido em muitas culturas e encorajado por um grande número de pensamentos religiosos.» (Ibidem.:251).
Governantes e governados, empresários e trabalhadores, professores e alunos, religiosos e crentes, todos serão envolvidos numa filosofia de vida direcionada para o desenvolvimento de melhores condições de bem-estar individual e coletivo.
A existência e manutenção de: certos preconceitos, estatutos sociais e outros; excessivos egoísmos e ilimitadas ambições, certamente que prejudicam qualquer projeto de desenvolvimento pessoal e comunitário, sendo, igualmente, verdade que o homem, na sua passagem física pela Terra, tem o dever de deixar a sua marca humanista, solidária, altruísta e progressivamente ao serviço de toda a humanidade.
O processo de desenvolvimento passa, necessariamente, pela rápida aproximação entre ricos e pobres, pela inclusão dos povos, pela livre circulação e estabelecimento das pessoas, num espaço interplanetário que a todos foi concedido, sem privilégios para ninguém.
É correto e plausível aceitar-se que uns possam viver melhor do que outros, quando os que estão em piores condições, se recusam a participar no seu próprio projeto de vida e na construção de uma sociedade mais humana e mais justa; a assertiva contrária é, igualmente, correta e aceitável, isto é, se aqueles que pelo trabalho, pelo estudo, pela poupança e participação no desenvolvimento individual e coletivo, se encontram numa situação mais favorável, deve-se-lhes reconhecer o mérito e, na medida do possível, procurar imitá-los, precisamente, com as mesmas armas.
A inveja, a maledicência e outros sentimentos e comportamentos, respetivamente, em relação aos ricos e/ou àqueles que tem sucesso na vida, não são valores e processos compatíveis com o homem educado, bem formado, que se pretenda impor na comunidade como pessoa competente, digna e respeitada.

Bibliografia

ARANHA, Maria Lúcia Arruda, (1996). Filosofia da Educação. 2a Ed. São Paulo: Moderna.
PERROUX, François, (1987). Ensaio sobre a Filosofia do Novo Desenvolvimento. Tradução, L. M. Macaísta Malheiros. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. (UNESCO, 1981)


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal