domingo, 27 de julho de 2014

Haverá Justificação para a Ingratidão?


As causas que, eventualmente, possam estar na origem de atitudes e comportamentos mal-agradecidos, acredita-se que sejam de natureza diversa e que, quaisquer que sejam os motivos, não justificam os procedimentos caraterísticos da ingratidão: insensibilidade para reconhecer valores, sentimentos e atitudes recebidas, como, por exemplo: amabilidades, consideração, estima, amizade, solidariedade, lealdade.
Falta de humildade, em certo tipo de personalidade? Esquecimento, puro e simples, de reconhecer um bem recebido? Ausência do hábito de agradecer àqueles que praticam o bem, em benefício concreto de outros? Falta de delicadeza para agradecer um simples favor? Vergonha de manifestar comportamentos suaves e atos de gratidão?
Possivelmente outros motivos se poderiam invocar para os procedimentos e atitudes ingratos, ou pelo menos de não gratidão, todavia, o facto é que ela, a ingratidão, existe, se manifesta e, quantas vezes, magoa e ofende, justamente quem ficaria feliz em receber o reconhecimento, um humilde sorriso generoso e sincero, um simples obrigado.
O mundo atual, na sua dinâmica globalizante, provoca comportamentos individuais e coletivos que, cada vez mais, se afastam dos simples e elementares valores da gentileza, da humildade e da gratidão. Quantas vezes o favor é negociado, pela troca por outro favor, por outro benefício ou por um outro valor material concreto.
A troca de favores, de influências, de cargos e posições sócio-estatutárias torna-se uma prática quase corrente e, na constituição dos respetivos intervenientes, muito embora, tais costumes, não sejam perniciosos, quando há benefício para as partes envolvidas. Formação e educação para valores desta natureza, boas-práticas, na e a partir da família, ou de grupos de amigos e comunidades mais restritas, podem integrar-se numa dinâmica de cooperação institucional, devendo-se implementar, por processos legais e transparentes, os procedimentos que conduzam aos melhores resultados.
Gratidão, gentileza, humildade serão conhecimentos, práticas, princípios, valores, deveres ou quaisquer outras designações que, na mentalidade de quem não os pratica, possivelmente, não se enquadram num saber-fazer que proporciona lucros, dividendos materiais: em numerário, ou de natureza ainda mais substantiva. Como se chega a esta insensibilidade é uma questão que se compreende com alguma clareza, pelas razões já apontadas, entre outras, eventualmente, ainda mais graves.
A acentuar-se esta insensibilidade, face ao sentimento de gratidão, caminha-se para situações que se podem tornar causadoras de maiores desigualdades. Quem não tem poderes, vontade, gentileza e mesmo carinho, para retribuir um favor com outro favor recebido, possivelmente não adquirirá qualquer apoio, benefício e compreensão de quem o pode fornecer, se souber que em troca apenas recebe, quando recebe, um quase forçado e indiferente, “muito obrigado”.
Agradecer o recebimento de um benefício, uma ajuda, uma solidariedade, apenas com sentimentos de constrangida gratidão, de uma atitude de aparente e respeitoso reconhecimento, pode significar nunca mais se ter apoio daquela pessoa que foi objeto de afetada gratidão, por palavras, por sentimentos e atitudes de admiração e gestos gratos.
A gentileza, a cordialidade, a boa educação, traduzidas por palavras e gestos simbólicos, embora significantes, mas tudo como que por auto-imposição, parece que já não satisfazem muitos daqueles que esperam agradecimentos mais concretos e objetivos, suscetíveis de uma determinada veracidade.
São múltiplas, profundas e sofisticadas as causas da ingratidão, que se alastra, silenciosamente, na sociedade: múltiplas, porque envolvem vertentes que vão da depreciação de valores essenciais, abstratos e simbólicos à insuficiência da preparação, educação e formação de muitas pessoas; profundas, porque vêm minando os princípios mais elementares que sustentam a solidariedade, a amizade, a lealdade, a confiança e a compreensão.
Parece que se tenta materializar tudo, a partir de conceitos e comportamentos que, em muitos casos, são fomentados nas organizações que, num passado recente, mereciam a maior credibilidade e respeito: família, escola, empresas, associações e instituições de diverso cariz.
Sofisticadas, porque, sub-repticiamente, e com a hipocrisia de aparente humildade, se insinua uma prática de troca de favores, influências e até mesmo a compra de tais benefícios e apoios, isto é, diz-se um muito obrigado mas… fica a insinuação de que isso é muito pouco para agradecer o bem recebido por favor, às vezes com amizade sincera de quem o fornece.
Ao longo da vida de cada pessoa, e quando esta já viveu algumas décadas, acontecem situações que comprovam tanto os atos de generosidade, de solidariedade, de favores, como os que se lhes seguem de reconhecimento, agradecimento ou ingratidão.
Toda a pessoa tem destas experiências, e quando se verificam mais casos de ingratidão, para com a mesma pessoa, esta terá uma tendência natural para se tornar menos sensível a praticar determinadas atitudes, que conduzem a boas-práticas e à disponibilização para fazer o bem, ouvindo-se, frequentemente, lamentos e críticas no sentido de que, afinal, não é estimulante praticar boas ações, fazer favores, ajudar, porque muitas pessoas não reconhecem nem agradecem nada, depois atingiram os seus objetivos e instalam no pedestal que desejavam.  
Apesar de situações e comportamentos destes, ainda existe muita solidariedade, principalmente em situações-limite, ou de extrema fragilidade, e quando intervêm órgãos de comunicação social ou instituições de solidariedade social. Nestas circunstâncias, surgem, de facto, os benfeitores que, sem esperarem qualquer ato de gratidão, ajudam, generosamente, quem está a passar por grandes dificuldades.
O humanismo que existe em muitas pessoas pode ser a base de partida para a criação de grandes movimentos e instituições de solidariedade que, simultaneamente, espalham o bem e transmitem a ideia de gratidão para com aqueles que participam nestas instituições, isto é, benfeitores que se solidarizam para com uma situação, uma causa, uma iniciativa humanitária e altruísta, se se sentirem alvo de gratidão dessa instituição, os beneficiários que posteriormente vierem a ser contemplados, pela mesma instituição, sentir-se-ão na obrigação de manifestarem gratidão e reconhecimento públicos. Talvez se gere uma cadeia de solidariedades e gratidões que, dentro de algum tempo, todos possam manifestar esse sentimento tão nobre, quanto humilde.
As causas da ingratidão podem, pois, (e devem) ser combatidas a partir da interiorização de princípios e valores, sentimentos e emoções verdadeiros, que suportem e justifiquem, precisamente, comportamentos e atitudes gratas. Ensinar, no sentido de adquirir conhecimentos e avaliá-los, esta virtude que é a gratidão, não se afigura tarefa fácil; transmitir, por atos, palavras e exemplos concretos, boas-práticas de gratidão e sensibilizar crianças, jovens e adultos para o cultivo de permanente atitude de gratidão, afigura-se possível: na família e na escola; na igreja; entre amigos; na pequena comunidade; também no contexto mais amplo da sociedade.
 
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo 
Portugal: http://www.caminha2000.com  (Link’s Cidadania e Tribuna)

domingo, 20 de julho de 2014

A Autoridade na Sociedade


Quando se reflete sobre a Autoridade Policial, não será legítima nenhuma ilação que aponte para uma atitude redutora da dignidade que assiste ao agente policial mas, pelo contrário, considerando o seu duplo papel de respeitador da ordem e disciplina estabelecidas e, fiscalizador rigoroso dessa mesma ordem e disciplina, ele deve ser aceite como o garante do equilíbrio e da harmonia social, desde que de fato tenha a capacidade, inteligência e humildade para assumir as seguintes atitudes:
Tolerância e Firmeza – O agente policial procurará, em todas as circunstâncias: ser tolerante para com os prevaricadores, esforçando-se em compreender os motivos e as condições concretas que levaram aqueles à prática de atos ilícitos, dialogando com eles, no sentido de os esclarecer das consequências das suas ações, não os condenando à partida nem os marginalizando, só porque são acusados de práticas ilegais, ainda não confirmadas por uma decisão judicial e, como tais, sancionadas e transitadas em julgado;
Atitude tolerante significa também firmeza de caráter e de intervenção, sem recurso a medidas violentas desnecessárias, excetuando o direito à legítima autodefesa e, no limite, ao cumprimento da lei. O agente policial poderá ser tolerante, mas firme na exigência do cumprimento da lei, por parte de quem a desrespeitou, não podendo vacilar ou sucumbir perante manifestações sentimentalistas ou emoções mais fortes, para o que a imperturbabilidade é uma qualidade e condição essencial da firmeza, rejeitando quaisquer tentativas de favorecimento pessoal ou alheio;
Pedagógica e Competente – Ao titular de funções policiais competirá implementar uma ação de transmissão de conhecimentos, de esclarecimento, num incessante estudo, escolha e aplicação de métodos educativos, empreendidos em determinados quadros institucionais, tendentes a alcançar metas socialmente definidas em bases axiológico-filosóficas, sócio-jurídicas e politico-culturais;
O agente policial será, por isso mesmo, um difusor da educação cívica de massas, porque na sua inevitável relação com a população, ele poderá assumir uma atitude de conselheiro, no sentido de orientar as pessoas para a prática de atos legais, consentâneos com os valores e normas que regem a sociedade, não temendo quaisquer usurpações de competências, por parte daqueles que, ocasionalmente, se digam conhecedores das leis, até porque, ele, o agente policial, deve ter sempre presente que quanto mais elevado for o nível educacional e os conhecimentos de um povo, mais agradável e fácil se torna o relacionamento;
Por outro lado, o agente policial, não deverá, em circunstância alguma, abdicar das suas competências legais e profissionais, no sentido de fazer cumprir a legislação, democraticamente produzida, no âmbito da sua esfera de fiscalização, vigilância e investigação, sendo condição fundamental, para o exercício da Autoridade, que ele próprio seja o primeiro a cumprir as normas legais em vigor, porque o bom exemplo deve partir dele;
Àquela competência legal de impor aos outros o cumprimento dos preceitos jurídicos, acresce uma outra competência, não menos importante, que resulta do maior, ou menor, conhecimento que o agente tem das leis, da sua capacidade intelectual de as interpretar correta e imparcialmente; de as transmitir aos cidadãos de uma forma clara e compreensiva, com aprumo cívico, correção e paciência, no sentido da verificação da adesão popular, sem reservas, nem receio, para com o projeto de equilíbrio social. O agente-formador, poderá (e deverá) ter uma excelente competência para as suas funções;
A Autoridade que advém do agente policial, resulta do uso desta competência de conhecimentos e da aplicação pedagógica dos mesmos que constituiriam, entre outras, condições especiais que os responsáveis pela organização do Estado e Segurança das pessoas e bens deviam exigir aos candidatos a funções públicas, porque só a partir de uma formação académica, humanista e ético-deontológica é que se poderá adquirir uma preparação profissional posterior de alto nível e excelência, da intervenção na sociedade;
Cooperante e Persuasiva – Se se quiser, etimologicamente, aceitar a cooperação como um gesto de atuação de pessoas conjuntas, que prosseguem os mesmos objetivos, então não repugnará admitir a intervenção policial, no seu sentido pedagógico, como uma espécie de solidariedade para com os cidadãos em geral, porque se o indivíduo e a sociedade desejam colaborar com as Autoridades, então, não é menos verdade que o agente policial coopere com aqueles, a fim de ajudar a resolver situações de natureza legal, justamente com a intervenção cooperante dos interessados.
Esta cooperação recíproca é salutar para a estabilidade da sociedade, e não deixa de provocar reações benéficas, quanto ela parte, espontânea e desinteressadamente, do agente da Autoridade e que pode, inclusivamente, conduzir à ideia de irmanação na defesa dos direitos que a todos assiste.
Por outro lado, o agente policial deve ser persuasivo com o emprego de argumentos legítimos, legais e verdadeiros, a fim de conseguir que os indivíduos em geral, adotem as linhas de conduta conformes às leis, tradições, costumes e valores em vigor. Nunca será legítimo, nem legal, ao agente da Autoridade manipular e captar as mentes dos homens através de argumentos falaciosos, sub-reptícios, intimidatórios ou chantagistas.
No fundo, estas atitudes do agente policial, prendem-se, uma vez mais, com a sua preparação integral, através da qual ele se possa assumir com tolerância e firmeza; com pedagogia e competência; cooperando e dissuadindo. Será, talvez, esta a Polícia do futuro, seria esta a Polícia que já deveria existir nas sociedades em geral e, particularmente, nas democráticas.
Nunca será tarde para se melhorar, e a oportunidade, não só a nível Europeu, como à escala Universal, favorece que se pense numa Polícia com as caraterísticas apontadas e, desejavelmente, com uma evolução para outras qualidades superiores.
Apostar na qualificação dos recursos humanos é o melhor investimento que se pode fazer para que, num futuro próximo, o mundo seja mais harmonioso, as pessoas se compreendam e tolerem melhor, que os valores universais sejam, de facto e de direito, permanentemente aplicados e defendidos. 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Portugal: http://www.caminha2000.com  (Link’s Cidadania e Tribuna)

domingo, 13 de julho de 2014

Ética e Deontologia da Autoridade


O termo dever é, vulgarmente, utilizado como sinónimo de obrigação, porque os dois termos – dever e obrigação –, sugerem a ideia de cumprimento de algo que é intrínseco, ou extrinsecamente imposto, porém, os vocábulos são distintos, já que a obrigação tem um caráter de necessidade moral, que vincula o sujeito a um determinado procedimento; o dever significa esse mesmo procedimento, isto é, enquanto aquela é o aspeto formal e subjetivo, este é o lado material e objetivo de uma mesma realidade da existência humana.
Na sua praxis quotidiana o homem é um ser em liberdade, dependente dos seus deveres e, como tal, capaz de não respeitar as suas obrigações ou de as assumir, precisamente, por essa capacidade de se autodeterminar, num vasto universo de comportamentos, livre quanto às decisões que toma, e proporcionalmente responsável, desde que as tome no pleno uso das suas faculdades humanas, respondendo pelos seus atos, rigorosamente, no cumprimento dos seus deveres.
Num contexto social, o agente da Autoridade Policial, tal como qualquer outro cidadão, é sujeito de deveres e titular de direitos. É sujeito de deveres gerais, desde logo no cumprimento das leis que regem a sociedade em que se integra, de acordo com os valores coletivamente aceites, inseridos numa dada cultura.
Assim, ele tem o dever de: acatar, com educação e civismo, as ordens que recebe de outras autoridades, com legitimidade para as dar; ele deve observar os direitos dos seus semelhantes; enfim, ele tem a obrigação de assumir os deveres cívicos como inevitáveis, absolutos e universais.
É titular de direitos, tal como qualquer outro cidadão, inclusivamente, os direitos de: autodefesa; saúde e integridade física; ensino, educação, formação e treino; de apresentar, pelas vias competentes e pelos métodos mais corretos, as suas legítimas aspirações, mas, em circunstância alguma, terá o direito de, usando as prerrogativas específicas da sua posição e atividade, exigir, pela coação, a alteração das leis, com vista à concretização de reivindicações incompatíveis com o seu estatuto profissional e código deontológico.
O agente policial responsável, como agente livre que é, deve, todavia, dar conta dos seus atos à autoridade superior, a fim de lhe sofrer as sanções, positivas ou negativas, com a dignidade que distingue toda a pessoa humana de boa formação. Da responsabilidade assumida, ou não, pelos atos praticados deriva o mérito ou o demérito, respetivamente.
Embora seja impossível ao homem reconhecer o mérito absoluto, porque este significaria a perfeição é, porém, aceitável que, num possível enquadramento relativo, lhe assista o direito à recompensa; de igual forma, quanto ao demérito, é indubitável que a pessoa demeritosa se sujeite às consequências punitivas dos atos que praticou, com violação de normas legais, éticas e deontológicas, inclusivamente, fora do âmbito das suas funções, porque ele deverá ser sempre um exemplo para a sociedade.
Como grande princípio, deve o agente policial ter o hábito de: agir em conformidade com o dever, adquirido pela repetição frequente de atos moralmente bons; obedecendo com inteligência, amor e energia; uma conduta exemplar no sentido de se esforçar por ser um autêntico modelo de virtude, de boas-práticas e de atos meritórios, a fim de melhor intervir junto da sociedade.
Quanto aos seus deveres específicos, o agente da Autoridade Policial tem, obviamente, que se cingir ao estatuto disciplinar e código deontológico que, logo no início da sua carreira, deles deve tomar conhecimento e que em relação aos quais jurou cumprir.
A Deontologia reporta-se ao estudo dos deveres profissionais, definidos pela situação profissional. A função do agente policial está, desde logo, bem definida na Constituição da República, para além de outros deveres específicos consagrados nas leis ordinárias, objetivamente: Estatutos, Regulamento de Disciplina e Código Deontológico e toda a legislação em vigor aplicável.
Assim, de entre os deveres específicos do agente policial, merecem destaque: aqueles que se prendem com a vigilância do cumprimento das leis, na melhor ordem e disciplina, com observância da decência e tranquilidade, do aprumo e da correção, da polidez e convivialidade, do sigilo profissional, não divulgando fatos da vida privada dos cidadãos que deles tenha tido conhecimento, no exercício das suas funções; informar com verdade e lealdade os seus superiores hierárquicos, sobre todos os assuntos de serviço, incluindo aqueles que digam respeito à sua carreira profissional; não se valer da sua posição para reivindicar regalias que por lei lhe estão vedadas; ser solidário para com os seus superiores hierárquicos, colegas de igual categoria ou subalternos e, de uma maneira geral para com os cidadãos carentes do auxílio policial; finalmente, procurar instruir-se a todos os níveis, com o objetivo supremo de melhor exercer as suas funções: ao nível técnico, democrático e humano, para assim dignificar e prestigiar a corporação a que pertence. Aliás, seguindo o conceito moderno que está a ser implementado noutras atividades profissionais: aprender ao longo da vida.
Para um agente policial é crucial a sua permanente atualização: quer em termos da legislação; quer no saber conviver com as situações que a sociedade complexa diariamente lhe coloca. Seria impensável um agente da Autoridade Policial atuar em violação da Lei e contra os Direitos Humanos dos cidadãos.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
 
Portugal: http://www.caminha2000.com  (Link’s Cidadania e Tribuna)

domingo, 6 de julho de 2014

Autoridade e Bem-Comum


A pessoa humana é um ser social e relacional, orientada para outras pessoas e, nessa relação, cada uma toma posição relativamente às outras, por isso, só relacionando-se corretamente é que o homem se realiza com autenticidade. A sociabilidade implica deveres e garante direitos, mas para que estes sejam usufruídos, plenamente, e aqueles cumpridos com rigor, é necessário que cada um trate o outro como pessoa sua igual, numa dinâmica de “justiça-amor”.
Estes dois termos do binómio “Justiça-Amor”, serão fundamentais para a formação da pessoa, bem como para o desempenho do papel que socialmente lhe cabe, no âmbito da defesa e dignificação do ser humano, na convivência quotidiana, sejam quais forem os papéis em que ela se verifique.
De entre os inúmeros papéis que se oferecem ao indivíduo em sociedade, interessa agora focar o que diz respeito à Autoridade, principalmente no sentido em que, vulgarmente, é invocada, isto é: no sentido da manutenção da ordem, da segurança, da defesa dos direitos coletivos, na exigência do cumprimento dos deveres gerais que a todos obriga.
A Autoridade desenvolve-se a diversos níveis. Desde já importa referir aquele que se situa na investigação com vista ao esclarecimento da verdade judicial. Este nível, que é quase exclusivo da competência policial, ainda que sob a orientação de um magistrado judicial do Ministério Público, visa obter as provas que conduzem a um resultado de certeza.
A investigação dos factos é uma missão melindrosa e difícil, havendo absoluta necessidade de ter ao serviço, nestas tarefas, mulheres e homens de bem, que encarem o seu trabalho como um apostolado, dispostos a jogar a vida, a carreira e a honra, pela verdade, pela justiça e pela razão. Esta postura significa o drama diário do profissional pundonoroso, num meio que, normalmente, lhe é hostil, e onde muito pouco tem existido para o defender.
É um trabalho árduo, o de agente da Autoridade Policial, pleno de responsabilidade, exaustivo que, habitualmente, culmina com a única recompensa do dever cumprido, sem olhar a sacrifícios e riscos, eventualmente, um reconhecimento público por parte dos superiores hierárquicos.
A Autoridade garante a realização do Bem-comum numa sociedade atuante e concreta, desempenhando uma função mediadora entre os diversos níveis do agir social, numa convergência de pluralidades individuais e de ações, que devem ser normativas e progressivas, em ordem ao bem-estar social.
Há como que uma dependência mútua entre a Sociedade, a Autoridade e o Bem-comum e, neste contexto, a Autoridade seria o princípio impulsionador das vontades particulares para o Bem-comum social. Atualmente, a Autoridade é vista como uma capacidade de influir noutros, graças a certa superioridade por estes reconhecida. A autonomia da razão e a promoção da liberdade, poder-se-ão compatibilizar com o respeito devido à Autoridade, porque esta visa o bem de todos, sem exceções nem discriminações.
Reconhecer que a Autoridade Policial é um indispensável instrumento de unidade dinâmica de qualquer sociedade, e que visa o bem dos que lhe estão subordinados, não é tarefa difícil, e dela resulta a definição do âmbito da sua competência, concedendo-se que é da maior importância que seja corretamente entendida e, correlativamente, aceite no seio da comunidade em geral.
Assim, e como já referido anteriormente, a Autoridade no seu sentido lato, abrange um leque imenso de intervenções e que, como tal, poder ser acatada, embora se possa dividi-la em termos metodológicos em dois grandes níveis: Autoridade Intelectual, que emana do mestre, do especialista, do pensador; Autoridade Social, que é a dos pais, dos dirigentes, dos governantes da sociedade em geral.
É neste segundo nível que se poderá enquadrar a Autoridade Policial ou, simplesmente, a Polícia, qualquer que seja a sua especificidade: judiciária, segurança pública, marítima, prisional, sanidade, trabalho, florestal, entre outras.
Globalmente considerada, a Polícia é instituída para manter a ordem pública, a liberdade, a propriedade, a segurança individual, a fiscalização de atividades diversas, tendo por isso um caráter fundamental de vigilância, de inspeção, de repressão e de investigação.
Num dos conceitos possíveis, ainda que, atualmente, insuficiente, a polícia define-se como sendo: «A forma de actuar da Autoridade Administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objectivo evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir.» (CAETANO, 1969:247).
Modernamente, em termos constitucionais, num regime democrático, a polícia tem por funções, entre outras: «Defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.» (CRP, 2004: Artº 272º N. 1, p.19). Em todos os domínios a atividade policial deverá constituir um processo jurídico de desenvolvimento da Administração Pública, para o bem do cidadão e da sociedade, e jamais uma discricionária manifestação de força armada.
É no domínio da investigação dos crimes contra o Estado, a propriedade e as pessoas, que a atividade policial tem grande importância e se sente a sua necessidade, na medida em que a utilização das táticas policiais, como estudo da aplicação dos métodos de investigação mais convenientes, conjugados com a técnica psicológica e processual, possibilitam, com muita frequência e eficácia, a descoberta da verdade e a consequente punição dos autores materiais e morais do crime.
Se a ação policial não se mostrar apta a combater o delito, principalmente o crime organizado e as grandes organizações criminosas, assistir-se-á: por um lado, ao revigoramento da criminalidade, com destemor e audácia, por parte dos delinquentes; e, por outro lado, verificar-se-á um fenómeno de intranquilidade individual, coletiva e social, de descrença na proteção pública das pessoas e bens, instalando-se um sentimento generalizado de terror.
A polícia não pode descurar a luta contra o crime organizado, nem a prevenção, nem a repressão que se impõe com caráter permanente, nos métodos de vigilância e fiscalização, não devendo, em circunstância alguma, ser argumento ou causa de desânimo, alguns factos ainda por esclarecer.
Não se poderá ignorar que o êxito policial, no respeito pelos direitos individuais de cada pessoa, anda associado ao espírito de sacrifício, dedicação, competência, tolerância e humanismo, bem como à utilização dos meios de repressão e investigação, disponíveis em cada momento, mantendo sempre a proporcionalidade e adequação dos mesmos.
Este espírito, de sacrifício e dedicação, deverá ser a qualidade primordial do funcionário de polícia, o qual procurará, com afinco, o sucesso que servirá: por um lado, para restabelecer a ordem pública, a segurança, a liberdade, a justiça individual e social; por outro lado, prestigiar a corporação a que pertence, porque não bastará proceder à recuperação material, sanar o prejuízo emergente do crime, mas ainda porque à polícia incumbe restabelecer a ordem jurídico-penal, perseguindo e reprimindo a delinquência que, diariamente, prolifera a todos os níveis na sociedade moderna.
Ao agente de polícia, qualquer que esta seja, para além da sua formação específica, deverá também ser-lhe incutido um espírito de tolerância para com determinado tipo de infratores e pequenas transgressões, que muitas vezes decorrem de dificuldades físicas, ignorância da Lei (embora este argumento não justifique a contravenção).
Para o bom desempenho das suas funções, o agente da Autoridade, em geral deverá posicionar-se sempre sem quaisquer preconceitos de “dono da verdade e da razão” e, pelo contrário, ele que na maior parte dos casos, também é oriundo do povo humilde, deverá compreender, esclarecer e saber perdoar os pequenos delitos que, afinal, não causam prejuízos a ninguém.

Bibliografia

CAETANO, Marcelo, (1969). Direito Administrativo, Vol. II, Coimbra: Almedina
CRP: CONSTITUIÇÃO DA REPÚIBLICA PORTUGUESA (2004). Versão de 2004, Porto: Porto Editora.


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo 

Portugal: http://www.caminha2000.com  (Link’s Cidadania e Tribuna)