domingo, 28 de abril de 2019

A Interdisciplinaridade do Professor/Formador

A importância de disciplinas como a história, a sociologia, a psicologia, a filosofia educacional, a didática e a pedagogia, na formação do professor/formador é inquestionável, a par das disciplinas específicas da área de especialização do futuro docente/formador.

Uma visão global dos conhecimentos essenciais e caracterizadores da pessoa-humana, constitui um património cultural que deve ser exigido ao professor/formador, que assim se considera melhor preparado para formar verdadeiros profissionais e cidadãos responsáveis.

Nessa perspectiva é incorreto que certos organismos e seus dirigentes exijam ao docente/formador trabalho burocrático, mais apropriado aos funcionários administrativos porque: «… o processo de trabalho do professor/formador não pode ser entendido apenas nas dimensões controle ou autonomia, mas também na dimensão de formação de novas gerações, construindo possibilidades de exercício de cidadania.» (SOUZA, 1996:20).
Em todos os níveis e nos diversos domínios ministrados, é sempre possível ao professor/formador, conceber o cidadão atual, para que, no mínimo, fique sensibilizado para aprofundar e exercer os direitos e deveres de cidadania, seja qual for a sua profissão, estatuto e habilitações académicas.
Por isso, em certos domínios, se recusa, categoricamente, não só a substituição do professor/formador por máquinas de ensinar, como o seu afastamento precoce, ou a negação em aceitar a sua oferta de colaboração profissional, integrado num cargo docente/formativo estável, efetivo e apoiado, numa escola pública ou privada, porque: «O professor/formador é aquele que tem conhecimentos e que sabe transmiti-los (…). Também é aquele que transmite experiência, entendida não só como valores culturais, mas também como compromisso político, seja com os alunos/formandos, de forma mais direta, ou com a sociedade. Assim, a educação escolar – conteúdo do trabalho docente – tem por finalidade construir a possibilidade de cidadania.» (Ibid:94).
É claro que nem todo o sucesso pertence ao professor/formador, quando se discute a formação de pessoas, que não é a mesma coisa que domesticar ou amestrar animais de circo e, muito menos, ainda, transformá-las em máquinas comandadas por outras máquinas.
A preparação das pessoas para a vida humana, passa pelos vários intervenientes que se estão a identificar e a desenvolver, reservando-se este número à escola, em todos os níveis, sendo seguro que na parte mais avançada do processo se encontram universidades e institutos superiores, que possuem recursos humanos, técnicos e financeiros de dimensões diferentes das do ensino obrigatório, aprendizagem e formação.
Os estabelecimentos superiores de ensino e de formação profissional, em quaisquer domínios, tem uma responsabilidade muito específica na preparação da sociedade do futuro, porque: «uma das formas da Universidade desenvolver bem o ensino e a pesquisa é através da formação de cidadãos aptos a exercerem funções especializadas em todas as áreas do conhecimento. E essa formação de cidadãos deve caracterizar-se como a preparação de homens pensantes, que buscam continuamente novos caminhos e não de máquinas que sempre repetem automaticamente os mesmos movimentos.» (LINHARES et. al., s.d.:56).
Hoje, primeiro quarto do século XXI, a formação do cidadão luso-brasileiro, por exemplo, passa pela escola e cada vez mais se deseja que o cidadão possua uma preparação superior. O professor/formador, para a maior parte do ensino/formação, já possui tal nível ou grau académico, todavia, em muitas outras atividades, cujos responsáveis também têm funções de lidar diretamente com pessoas, ainda não possuem a preparação que seria, a nível pedagógico e cultural, desejável.
Mas, no que aos professores/formadores concerne, igualmente se verifica que, em algumas especializações, ainda falta uma certa cultura educacional e, noutros casos, a experiência é mínima, ou praticamente nula, não obstante os estágios a que os recém-licenciados são submetidos.
A saída para melhorar os sistemas educativos passa por um investimento muito forte na formação de professores, educadores, orientadores educativos, formadores e tutores. Educar, formar e orientar, é um trinómio que o professor/formador bem preparado pode utilizar, muito eficazmente, porque não só contribui para a credibilização dos sistemas educativos e formativos, como, também, para a criação de uma genuína geração de cidadãos de excelência.
Neste contexto, o papel do professor/formador, e também do educador, muito enriquece a formação dos cidadãos a partir dos primeiros anos de aprendizagem geral. Na verdade, «ao desempenhar sua tarefa educacional, o professor/formador educador o faz, ainda (…) como tarefa essencialmente ética e política, sem dúvida alguma, abrange as crianças, valores e formas de agir de seus alunos e, por isso, extrapolam a sala de aula, interferindo na formação do cidadão…» (PLACCO, 2000:31).
O cidadão preparado para a modernidade e enquanto naquela qualidade, será formado pela escola, em consonância com os restantes elementos da sociedade, de tal forma que em circunstâncias adequadas possa ser, também ele, no exercício das múltiplas tarefas que a vida lhe vai proporcionando, e/ou exigindo, um autêntico educador, designadamente, daqueles que com ele convivem. Cria-se aqui como que uma espécie de cumplicidade em círculo vicioso que, depois de completado o ciclo das primeiras gerações, todos estarão, reciprocamente, formando-se para a cidadania e para o trabalho ativo competente.
Apesar deste sistema, em dado momento, se auto-alimentar, em termos de educação para a cidadania e para o trabalho produtivo, as principais fontes devem manter-se sempre em permanente atualização: família, igreja, escola, empresa e comunidade, prosseguirão na educação e formação dos seus membros.
Com esse antídoto e no âmbito do presente tema, escola, professor/formadores e alunos/formandos continuam as atividades próprias. O professor/formador desenvolverá as suas competências, desempenho e atualização, sempre buscando a excelência do seu magistério.
Sem se pretender aqui aprofundar o conceito de bom ou de mau professor/formador, dada a subjetividade da análise, a complexidade dos processos avaliativos e a determinação dos objetivos a atingir, a partir de normas legais, e porque não cabe no âmbito do presente trabalho, a questão sempre se coloca, ainda que genericamente, por alunos/formandos, encarregados de educação, dirigentes e demais agentes do sistema educativo e formativo.
Ainda assim, e sempre pela positiva, deixar aqui uma referência ao bom professor/formador, enquanto conceito valorativo deste tempo e espaço, parece um razoável contributo, no sentido de se refletir nas vantagens de se ser bom profissional em geral e, concretamente, bom professor/formador.
Pela pertinência da situação portuguesa, no que respeita ao insucesso escolar, e/ou abandono da escolaridade, conjugados com as questões sociais que igualmente afetam e, meditando-se no atual momento que vive a sociedade portuguesa (e também a brasileira), a reflexão que se impõe, sobre uma de muitas outras possíveis, quanto ao conceito de bom professor/formador, pode resumir-se na constatação de que: «... é necessário um professor/formador consciente das questões sociais e competente  tecnicamente para engajar-se na luta em favor da melhoria das condições de vida do povo brasileiro » (CUNHA, 2001:171) e, acrescentar-se-ia o povo português, a comunidade lusófona, enfim, a resolução das carências dos mais desfavorecidos em todo mundo, porque em todos os países há situações sociais deprimentes.

Bibliografia

CUNHA, Maria Isabel da, (2001). O Bom Professor/formador e a sua Prática, 12ª Ed., Campinas-SP: Papirus, (Colecção Magistério: Formação e trabalho Pedagógico)
LINHARES, Célia, et al., (s.d.). Formação de Professor/formadores: Pensar e Fazer, 4ª. Ed., São Paulo SP: Brasil, Cortez.
PLACCO, Vera Maria Nigro de Sousa, (2000). Formação e Prática do Educador e do Orientador: Confrontos e Questionamentos, 4ª Ed. Campinas: Papirus. (Colecção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).
SOUZA, Aparecida Neri de, (1996). Sou Professor/formador, sim senhor: representações do trabalho docente, Campinas: Papirus. (Colecção Magistério: formação e Prática Pedagógica).


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Revolução dos Cravos


A ditadura política, que vigorou durante quase meio século, em Portugal, constitui um período negro da nossa História, do qual não nos devemos afastar e, muito menos, branquear, porque conforme nos podemos orgulhar de um outro passado de glória, através da epopeia dos Descobrimentos, da Evangelização, da Cultura e dos valores do humanismo, levados aos quatro cantos do mundo, ainda que tal passado “glorioso” também tenha pingos de manchas censuráveis, como a prática da escravatura, a inquisição e outros flagelos, o saldo, apesar de tudo, será positivo, porque também é verdade que muito foi investido nos povos autóctones, que ao longo dos séculos fomos contactando, bem como nos seus territórios.
A História, não sendo uma ciência exata, ela tem um objeto de estudo, que são os factos do passado, como, igualmente, utiliza uma metodologia específica, com recurso à investigação, análise documental, testemunhos e todo um conjunto de bens materiais e imateriais, que fundamenta as suas conclusões. Ela, a História, é, também, uma ciência dinâmica, sempre em busca da verdade.
A narrativa do período ditatorial, em Portugal, ainda não está encerrada, e dificilmente, algum dia se chegará a uma epílogo definitivo, porque cada instituição, cada governante, cada individualidade, cada investigador, terá a sua versão dos factos, o conhecimento direto, ou não, a circunstância em que os viveu, mas haverá alguma unanimidade quanto às atrocidades que se terão cometido, com o recurso a meios de investigação, repressão e punição, contra aqueles que ousavam manifestar-se contrários ao regime imposto pelos ditadores.
Qualquer que seja o Poder: político, militar, religioso, empresarial, desportivo, cultural ou outro, ele, o Poder, nunca será bem-recebido e acatado, quando exercido com violência, despotismo, no desrespeito pelos mais elementares direitos e valores humanos, atentando contra a dignidade, a liberdade, a compreensão, a tolerância e a benevolência, em relação aos governados.
A perseguição, repressão e punição dos cidadãos Portugueses, que se assumiam contra o regime ditatorial, era permanente, a polícia política, coadjuvada por um “batalhão” de colaboradores (então denominados, na gíria popular, por bufos), não tinha “mãos a medir”, os julgamentos sumários, as prisões arbitrárias e desterros eram o “pão-nosso de cada dia”.
Felizmente, como em tudo na vida, sempre há um princípio, um meio e um fim e, paulatinamente, os ditadores vão caindo dos pedestais em que se colocaram, ilegítima e ilegalmente, porque a paciência, a dor, o sofrimento e a humilhação têm limites, que não podem ser ultrapassados. Os Portugueses atingiram esse limite e, só lhes restava derrubar um regime que não cumpria com a maior parte dos mais elementares e sagrados Direitos Humanos.
É claro que a “Revolução dos Cravos” não foi apenas de “flores”, também houve alguns “espinhos”, principalmente para os cerca de meio milhão de Portugueses que tiveram de abandonar, à pressa, as então colónias: a maior parte dos quais, perdendo tudo o que tinham conseguido, ao longo de uma vida de trabalho, de sacrifícios, de riscos; outros, inclusivamente, incentivados pelo governo ditatorial, venderam os seus bens em Portugal continental, para investirem nos territórios ultramarinos.
A descolonização que se seguiu à “Revolução dos Cravos”, com a justa independência dos territórios ocupados, não protegeu com firmeza a integridade física, nem acautelou com determinação, os bens materiais imóveis e financeiros dos empresários e colonos Portugueses, pese, embora, o esforço realizado com as “pontes aéreas” para transportar, em segurança, para a então denominada “metrópole”, os milhares de Portugueses que, em certos círculos, foram apelidados, pejorativamente, de “Retornados”, adjetivação que nunca foi utilizada, por exemplo, em relação aos restantes Portugueses emigrados, quando regressavam definitivamente a Portugal.
Centenas de jovens, muitos colonos e autóctones, que desejavam continuar a ser Portugueses, morreram vítimas de uma guerra sem sentido, cujos corpos foram enterrados em “cemitérios” improvisados, no meio do mato, abandonados às ervas daninhas e animais selvagens, sem o mínimo de respeito pela dignidade da pessoa humana, independentemente da sua etnia, convicção política, religiosa e cultural.
Apesar de todas as dificuldades, Portugal pode orgulhar-se da sua “Revolução dos Cravos”, da implementação de um regime democrático com amplos direitos, liberdades e garantias, que, ainda hoje, faz inveja a muitos outros países. Não há dúvida que somos um “povo de brandos costumes”, pacífico, hospitaleiro e humanista, um povo resiliente, sem dúvida nenhuma.
A “Revolução dos Cravos” proporcionou aos Portugueses uma vida nova, com esperança num futuro de desenvolvimento, emprego e justiça social, porque Democracia é isto mesmo: igualdade de oportunidades, redistribuição justa da riqueza nacional, cuidar de todos os cidadãos de igual modo, sem discriminações negativas, nem marginalização dos mais fracos.
A “Revolução dos Cravos”, ainda não terminou todos os projetos então prometidos, mas possibilitou retirar o país do isolamento internacional, em que já se encontrava. Abriu as portas para a integração na União Europeia, com todos os deveres e direitos que tal implica, reconhecendo-se, hoje, primeiro quarto do século XXI, que valeu a pena correr os riscos que uma revolução provoca para aqueles que nela se envolvem.


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

sábado, 20 de abril de 2019

Páscoa. A Esperança nas Novas Gerações

Páscoa Portuguesa que ainda é vivida no meio de tanta desgraça, de tanta injustiça, de tanto desemprego, embora este tenha vindo a diminuir, miséria, fome, doença e suicídio, os Portugueses, solidariamente, continuam a exigir, mesmo que desarmados, à mercê de um adversário, quantas vezes: por um lado: insensível, desumano; por outro lado, poderoso e violador de direitos adquiridos, apesar de alguns benefícios, estarem a ser repostos, recentemente.

Por isso, acreditam, até agora, numa “ressurreição” da sua dignidade, pelo menos enquanto pessoas humanas, de deveres e direitos, e acreditam que, mais tarde ou mais cedo, o seu próprio “Domingo de Aleluia” há-de chegar, que os responsáveis por esta morte lenta, terão de prestar contas, e vão ser sancionados, cívica e democraticamente, dando, ainda e generosamente, mais uma oportunidade de arrependimento de quem está envolvido e tem culpas naquela que foi uma calamidade nacional. Esse dia, o da Redenção, chegará se Deus e as pessoas assim o conseguirem e, certamente, a vitória dos oprimidos será o resultado final.
Parece inadmissível que filhos de um mesmo povo se coloquem contra os seus progenitores, contra os seus concidadãos, que por eles tudo deram, para os elevar aos estatutos que hoje possuem. Como foi possível que se decretassem tão injustas e desumanas medidas contra avós, pais, irmãos, parentes, amigos e cidadãos em geral, por obstinação, por teimosia, por avidez de demonstração de um poder que, generosamente, foi entregue, confiando em promessas que pareciam sinceras, agora se confrontem com a deslealdade?
Páscoa, tempo de Ressurreição, de alegria, de libertação de uma morte lenta que, durante alguns anos, conduziu ao túmulo da brutal austeridade. Tempo para uma nova esperança, para se acreditar nas potencialidades de cada pessoa humana, digna, verdadeiramente humilde, honesta e trabalhadora.
Confie-se, portanto, nas capacidades morais, éticas, intelectuais e físicas de cada Português, de cada família, das empresas e das instituições de solidariedade social. Acredite-se que o dia da libertação poderá estar próximo, que será possível a reconciliação, porque é isso o que mais importa.
O mundo e a vida vão continuar, sem dúvida. Apesar do muito mal que alguns têm vindo a fazer a um povo obediente, democrático, respeitador da legalidade, pacífico, esse mesmo povo, saberá perdoar generosamente, sem, contudo, abdicar das sanções que democraticamente devem ser aplicadas a quem, intencional e persistentemente, prevaricou contra esse mesmo povo humilde, não com qualquer intenção vingativa, nem sob nenhum sentimento de ódio, apenas como exemplo para situações futuras a evitar.
É fundamental continuar a resistir, até ao último “cêntimo”, até ao último sopro de vida, porque é decisivo acreditar em melhores dias, em muitas e alegres Páscoas que, seguramente, vão continuar a existir, porque é um direito de toda a pessoa humana, ser feliz, digna, respeitada e ter uma vida confortável, protegida por um Estado Social verdadeiramente justo e humano, também moderno e sustentado nos princípios e valores da democracia, do direito e da religião.
A Páscoa alegre e feliz avizinha-se, certamente apoiada por milhares de jovens que transportam nos seus corações a bondade, a determinação de proporcionar às gerações mais idosas o conforto, a tranquilidade, a segurança a que legal e legitimamente têm direito, porque a classe etária sénior já não tem força, poder e meios para lutar contra tantas arbitrariedades, injustiças: para a maioria; exceções para algumas minorias. O capital humano mais valioso será utilizado, brevemente, ao “terceiro dia”.
Por isso, as gerações que se aproximam do fim das suas vidas, apostam na educação/formação, no emprego, na preparação cívico-democrática dos seus filhos e netos, porque: é nestes que se acredita; é nestes que reside uma nova Páscoa, alegre, feliz, igual para todos, onde muitos dos princípios, valores e sentimentos, serão também ressuscitados, em novos e mais justos conceitos. Espera-se uma Páscoa Redentora, a curto prazo, porque para isso as gerações mais antigas têm vindo a investir tudo o que possuem e os frutos vão surgir, com intenso esplendor.
A esta promissora geração pede-se sensibilidade, carinho, respeito e medidas que protejam, justamente, os velhos avós, os já bem maduros pais e todas aquelas gerações que contribuíram para uma sociedade melhor. A esta nobel geração pede-se que aproveite a sabedoria, a prudência, a humildade e a gratidão dos seus progenitores, dos seus antepassados, até à enésima geração.
 É na reconciliação de gerações, na solidariedade entre elas, enfim, no respeito e no amor que são devidos àqueles que, à sua maneira e com os recursos que possuíam, conduziram as novas gerações a um novo poder democrático, justo e solidário. Ressuscite-se, rapidamente, a dignidade da pessoa humana. Viva-se uma nova Páscoa da Libertação Redentora.
Páscoa que se pretende para todas as pessoas, como um dia, pelo menos um dia no ano, de reflexão, de recuperação de valores humanistas universais, um dia para festejar e recomeçar com novas: Precaução, Moderação, Robustez, Justiça, Fé, Confiança, Caridade, Comiseração e Generosidade. Uma nova Esperança Redentora, entre a família, os verdadeiros e incondicionais amigos. A todas as pessoas: Páscoa Muito Alegre e Feliz.


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo de Letras e Artes de Portugal 



domingo, 14 de abril de 2019

Ser Professor/Formador

Inclui-se aqui, como um dos baluartes da escola, a todos os níveis de ensino, o processo de formação, de desempenho e de avaliação dos professores/formadores, os quais devem ter condições para atingirem a excelência, consideradas as suas idades, tempo de serviço e habilitações técnicas, científicas e pedagógicas.

Se é verdade que a necessidade de professores/formadores se justifica pela existência de alunos/formandos, igualmente é certo que ter-se-ão tantos mais, e melhores alunos/formandos, quanto os professores/formadores estiverem, eles próprios, suficientemente preparados, motivados e reconhecidos, tornando-se indiscutível a sua manutenção em todos os domínios da educação e formação do cidadão moderno.
Naturalmente que a avaliação dos professores/formadores se considera, no contexto da sociedade em que eles desenvolvem a docência/formação, e as suas práticas e formação profissional, como as implementa e testa, e não na obrigação de prestação de provas dos seus conhecimentos científicos, porque estes já foram sujeitos à avaliação pelos próprios estabelecimentos de ensino, onde eles fizeram a sua formação académica, pedagógica e científica, a nível superior, preparados para iniciarem a sua atividade.
Por mais sofisticados que os recursos técnicos e tecnológicos se apresentem, a substituição do professor/formador por máquinas de ensinar não se presume como sendo o melhor processo pedagógico, para um ensino e formação de qualidade, nesta participando princípios, valores, afetos e sentimentos.
A reconhecida indispensabilidade do professor/formador, pessoa-humana e presencial, face aos seus alunos e formandos, é uma situação que se deve não só destacar como enaltecer, preservar e apoiar, porque: «Ensinar e preparar para ensinar, são valores orientados. Os professores/formadores, como todos os profissionais, aprenderam que todo mundo necessita e busca significado e valores em suas vidas.» (MARSHALL, 1977:12).
Sem se pretender empolar a importância do professor/formador, no sistema educativo, a verdade é que a sua intervenção na formação do cidadão é crucial e, em muitos casos, indelevelmente marcante para os alunos e formandos, com extensão aos próprios encarregados de educação, os quais vêm no professor/formador como que um complemento insubstituível da família. Além disso, pela sua preparação, desempenho e dedicação, contribuem, decisivamente, para se atingirem, melhor ou pior, é certo, os objetivos da escola e de todo um sistema.
Defende-se a avaliação contínua dos professores/formadores, mas prefere-se a melhor preparação académica, a maior experiência e a máxima maturidade. Nesse sentido, considera-se fundamental uma certa flexibilidade para que: por um lado, os professores/formadores tenham acesso ao maior número possível de ações pedagógicas de atualização, facilidades para a investigação no sentido de obtenção de graus académicos e da divulgação de resultados; por outro lado, maior abertura para o professor/formador trabalhar para além da idade legal da reforma, caso se encontre em condições físicas e intelectuais adequadas, e se essa for a sua vontade.
A formação ao longo da vida que se vem institucionalizando, e exigindo para certas profissões, deve ser uma característica do professor/formador. Com efeito, a preparação teórica do candidato a professor/formador é extremamente importante, torna-se altamente benéfica, quando aplicada à prática, ao longo dos anos de docência e formação, sempre modernizada e atualizada.
Simultaneamente, com a formação do professor/formador, numa determinada área disciplinar do conhecimento, forma-se, também, o cidadão que, cumulativamente, exerce com as funções de professor/formador. A apologia vai no sentido da aplicação dos conhecimentos teóricos à realidade, com maioria de razão para o futuro professor/formador porque: «a realidade do sistema educacional no contexto problemático actual merece mais questionamentos e pesquisas que observem, descrevam, analisem e proponham alternativas, acenando num horizonte em que o ideal e o real possam se encontrar.» (OLIVEIRA, 1994:231).

Bibliografia


MARSHALL, John P., (1977). O Professor/formador/formador e sua Filosofia, Tradução, Paulo Queiroz Marques, São Paulo: Summus.
OLIVEIRA, Ana Cristina Baptistella, (1994). Qual a sua Formação Professor/formador/formador? Campinas-SP: Papirus, (Colecção Magistério:Formação e Trabalho Pedagógico).



Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

domingo, 7 de abril de 2019

Ética Geral

É importante iniciar esta reflexão, com um significado, entre muitos outros, de Ética: «Ética, como um conceito, diferencia-se da moral pois, enquanto esta se fundamenta na obediência a costumes e hábitos recebidos, a ética, ao contrário, busca fundamentar as ações morais exclusivamente pela razão.[ A ética também não deve ser confundida com a lei, embora com certa frequência a lei tenha como base princípios éticos. Ao contrário do que ocorre com a lei, nenhum indivíduo pode ser compelido, pelo Estado ou por outros indivíduos, a cumprir as normas éticas, nem sofrer qualquer sanção pela desobediência a estas; por outro lado, a lei pode ser omissa quanto a questões abrangidas no escopo da ética.» (in: https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89tica )

Exprime, ainda, modo habitual de agir, caráter. Ética e moral são, então, depois da etimologia, de aceção equivalente, e isto porque sob a sua forma substantiva feminina, estas palavras são, muitas vezes, tomadas uma pela outra.
Diz-se, indiferentemente, a Ética ou a Moral para designar o que nós podemos, provisoriamente, definir como: “Ciência ou Filosofia da Ação Humana”. Nos nossos dias, no entanto, nós vemos muito, sobretudo no mundo anglo-saxónico, introduzirem entre os dois termos uma distinção.
Pode-se crer que, falando-se de Ética, subentende-se o substantivo - Ciência ou Filosofia -. Historicamente, isto será falso, porque Ética através do latim Éthica, liga-se ao plural neutro, o que concerne os costumes que Aristóteles (ou o seu editor) deu como título às suas duas grandes obras morais: “Ética a Eudeme” e “Ética a Nicómaco”.
O equivalente em latim seria “Morália” (título dado por S. Gregório, o Grande, aos seus célebres comentários sobre o livro de Job). Transcrita em latim, a palavra Ética, como as palavras física, metafísica, política, têm primeiro conservado o seu valor de plural, para, depois, ter sido analisada como um feminino e é como feminino que deu o francês “Éthique”.
Igualmente, pode-se tomar que: Ciência ou Filosofia da Ação Humana, a palavra ação deve tomar-se no seu sentido estrito correspondente ao aristoteliano, enquanto que distinto, por sua vez da especulação e do fazer (atividade artística e técnica, produção do objeto, transformação do meio).
O que compete do ponto de vista da arte, ou da técnica, é que a obra seja bem executada: que a estátua seja bela, que a mesa tenha por baixo os pés, que o avião voe -. O agente e o seu ato não têm interesse relativamente à obra. É a eles, ao contrário e mais precisamente ao agente, considerado através do seu ato, que a Ética se interessa em primeiro lugar.
Apoiando-nos na etimologia, poderíamos, então, e desde já, chamar (ciência) Ética ou Moral, à simples descrição dos modos ou hábitos de agir: seja de homens em geral; seja de uma sociedade determinada. E, de fato, naqueles que nós olhamos como os grandes moralistas, Aristóteles, seu discípulo Teofrasto e o moderno imitador deste último, La Bruyére – esta descrição tem um grande lugar. (Jean de La BRUYÈRE, 1645-1696. É um moralista francês. É famoso por uma única obra, dos personagens ou costumes do século - Les Caractères ou les Mœurs de ce siècle.1688).     
Com o auxílio de métodos mais aperfeiçoados, e numa atitude de neutralidade, que exclui todo o julgamento de valor, ele prosseguiu nos nossos dias sobre o plano da fenomenologia, da caraterologia, da sociologia, entre outros.
Mas a Ética deve apoiar-se assim? Certamente o pensam, mas exatamente à velha Ética, teórica e normativa, que segundo aqueles não pode trazer uma certeza cientifica, eles queriam substituir uma ciência de hábitos, que considerava o fato moral, à maneira dos outros fatos sociais, descrevia os costumes, os julgamentos e sentimentos morais próprios, às diferentes sociedades e determinava as leis da sua aparição, do seu desenvolvimento, da sua evolução, o seu desaparecimento, como a ciência o faz para os fenómenos físicos, tal é a posição de LEVY-BRUL na: “A Moral e a Ciência dos Hábitos”, Paris:1903. (Lucien LÉVY-BRÜHL, 1857-1939 foi um estudioso francês formado em Filosofia, que fez contribuições para os campos de brotamento da sociologia e da etnologia).
Segundo este autor, falar de ciência normativa é contradizer-se. A ciência enuncia o que é, não o que deve ser. A ciência, por definição, não tem outra função que não seja conhecer o que é. Ela não é, e não pode ser o resultado da aplicação metódica do espírito humano, a uma porção, ou aspetos da realidade dada.
Ela aspira e tende para a descoberta das leis que regulam os fenómenos. Tais são as matemáticas, a astronomia, a física, a biologia, a filologia, entre outras. A moral teórica propõe-se um objeto, essencialmente diferente. Ela é, por essência, legislativa. Ela não tem por função o conhecer, mas o prescrever. A Ética, assim compreendida, não pode, então, segundo Levy-Bruhl, ser uma ciência.
Por outro lado, muitos, hoje, entre as contínuas análises linguísticas, não querem ver na Ética, ou na Filosofia Moral, se não uma lógica do discurso moral. São listas a reduzir, a definir os termos ou conceitos morais (bem, mal, justo, direito, dever), a determinar as suas relações, seja entre aqueles, seja com os termos ou conceitos não morais, a codificar as regras do seu uso correto, distinguindo os casos onde eles conservam a sua significação, propriamente moral, daqueles onde eles não têm se não uma significação não moral, ou nenhuma significação do todo.
Uma Ética, assim entendida, nada pode prescrever dum modo absoluto, mas somente mostrar que tal prescrição particular é coerente, ou não, com os princípios ou valores de base, reconhecidos pelo indivíduo. Mas depende de cada um escolher tal sistema de valores, de preferência a tal outro e, sobre esta escolha, a Filosofia Moral nada tem a dizer.
O caráter normativo, prático, no pleno sentido da palavra, de suas conclusões. A Ética é normativa, não como a lógica pelo que olha de bom pelo funcionamento do pensamento, mas pelo que olha de bom andamento da vida, a orientação direita da existência.
Ela é uma ciência prática, não somente porque ela trata da praxis humana, mas porque ela visa a dirigi-la. Não basta aos moralistas descrever os hábitos, ou costumes: Entendem-os, julgam-os e retificam-os. Eles propõem as regras, os avisos, os conselhos, os preceitos para mostrar aos homens o caminho do “Bem Viver” e os comprometer. Mas isto pode-se entender de dois modos:
a) Pode-se pensar numa arte de viver, numa técnica da felicidade (individual ou social). Tal é, “grosso modo”, a conceção antiga da Filosofia Moral, toda orientada para o soberano bem, cuja possessão conduza o homem à felicidade.
Que seja uma técnica da felicidade, é admitido por ela mesma, que definissem de outra maneira a Filosofia Moral. Assim Levy-Bruhl vai na ciência dos costumes, o fundamento sobre o qual poderá, um dia, constituir-se uma arte moral, capaz de indicar o que é preciso fazer para assegurar a saúde, e o melhor ser da sociedade. E estes, que não vêm na Ética se não, uma espécie de lógica, são os primeiros a proclamarem a sua utilidade, para a solução dos problemas da vida;
b) Mas a ciência do “Bem Viver”, pode ser, igualmente, compreendida como a ciência que convém ao Homem: “Bem Viver”, neste caso, não significa, viver feliz, mas, viver como é preciso. Vivendo bem, o Homem merece a estima, o louvor, a aprovação; vivendo mal, fazendo o que não convém, ele merece a censura.
Uma tal Ética não dirá: “Age de tal modo se queres ser feliz (ou, pois que tu podes ser feliz), mas age de tal maneira se queres viver como homem (e tu deves viver como homem).
Esta conceção da moral não era desconhecida dos antigos: Platão, Aristóteles, os estoicos, falavam várias vezes do que convinha, ou não convinha, ao homem, das condutas conformes ou contrárias à razão, do que é preciso fazer ou evitar. Devemos reconhecer sempre que a necessidade objetiva do bem, o dever de o realizar, interessam menos aos pensadores, que são caráter amável e desejável ao ponto que a Ética deles parece, muitas vezes, tornar a uma estética da vida moral, confusão favorecida pela estreita afinidade, para a mentalidade helénica, noções de bom e de belo.
Pode dizer-se que no tempo dos antigos, a obrigação é antes vivida como um dado da experiência ético-religiosa, que cientificamente desenvolvida. Ela fica, em geral, sob o plano da expressão popular, ou da interpretação mítica, e não intervém muito na sistematização racional da moral. Esta ideia, ao contrário, tem um grande lugar nas teorias elaboradas sobre a influência, direta ou não, do cristianismo e, em particular, na Ética Kantiana, donde é a noção-chave.
Estas duas conceções da moral não se excluem nem anulam. À priori, nada impede que uma vida conforme o ideal do homem seja, também, para ele, o caminho e o único caminho da felicidade, e de fato nos mostremos – reencontrando nesta afirmação espontânea a consciência comum – que isso é bem, assim de forma que um dos dois aspetos da Ética, não pode ser adequadamente do outro.
Verificaríamos, comodamente, isso considerando as grandes doutrinas morais. A dos escolásticos, por exemplo, e nomeadamente a de S. Tomás que se apresenta de ordinariamente como uma Ética da beatitude, mas ela inclui uma Ética de obrigação. E, por seu lado, a Ética Kantiana acaba por reintroduzir, como elemento de soberano bem, a ideia de felicidade.
Vemos que a definição de Ética, por pouco que ela queira sair das generalidades vagas, depende, parcialmente, menos da maneira como são abordados e resolvidos os problemas morais. Isto é dizer que a nossa própria definição não se justificará, plenamente, se não no desenvolvimento do nosso tratado.
De saída ela está de qualquer maneira postulada. Admitamos, então, que a Ética é uma ciência normativa das ações, e para lá da existência humana – normativa no segundo sentido, não do modo de uma arte de viver feliz, mas contanto que ela comporte uma regra válida para si, um dever propriamente dito, uma obrigação absoluta ou categórica (sem pretender, todavia, que esta obrigação seja elemento essencial da moralidade).
Numa Ética assim entendida, a matéria é mais determinada, mais restrita do que se procedesse simplesmente de uma descrição dos costumes, ou de uma técnica da vida feliz, segundo a nossa definição. Com efeito a ação é considerada sob um aspeto mais subjetivo, ou melhor, pessoal. Como procedendo da vontade livre.
Este caráter não teria tanta importância, no caso, por exemplo, duma arte de viver feliz, porque ele não está excluído dum ato posto sem advertência, sem decisão livre, colhido pelo seu conteúdo material, favorecer a felicidade e colocar obstáculos. Um sonâmbulo pode mordiscar-se, como pode também, por uma sugestão oportuna, executar uma ginástica salutar, para a qual a coragem lhe faltou no estado de velho, ou se desfez de um hábito nocivo à sua saúde.
Uma Ética da felicidade parece, então, à primeira vista, menos conciliável com a negação da liberdade, a história nos diz que este acordo verificou-se muitas vezes. Pela mesma razão uma Ética da felicidade se mostrará, por vezes, pouco suscetível, sob o respeito da autonomia pessoal.
Ela crera entregar aos homens um bom ofício, determinando-lhes o lugar nos caminhos da felicidade, e neles impelirem a força se eles são bastante tolos para, de modo algum, se comprometerem eles mesmos. Lá, ao contrário, onde colocamos a obrigação, é preciso pousar, também, a liberdade, sem a qual aquela não tem sentido.
Por outras palavras, a Ética, tal como nós a entendemos, não considera os atos postos pelos homens, no entanto eles procedem deles, lhes pertencem, que eles são sentidos dum modo qualquer, mas, todavia, que são postos por eles, segundo o modo de agir, próprio ao homem e que o distingue de todos os outros seres da nossa experiência, isto é, o mesmo que dizer, com advertência e liberdade, como vamos ver, no entanto eles são, no pleno sentido da palavra, atos humanos.
A nossa definição da filosofia moral, para ser completa, requere uma última precisão. Na maior parte dos homens as prescrições morais revestem, também, um caráter religioso. Elas são consideradas como intimações da divindade. O seu conhecimento é, muitas vezes, atribuído a uma revelação divina.
No que respeita a filósofos, nós admitimos, sem hesitar, que uma tal comunicação é possível, muito mais, que ela é altamente desejável. No que respeita aos cristãos, nós sabemos e cremos que ela se realizou.
Portanto, a Ética Filosófica, precisamente no que respeita à Filosofia, não considera a realidade moral tal que a revelação nos fá-la conhecer, mas tal que ela se apresente pela razão, usando a sua luz natural, tal que a razão pode escrevê-la, interpretá-la, reconhecer, e em justificar as exigências. Isso cria, algures, um problema do qual nos vamos ocupar, entretanto.
Nós diremos, então, para ser completos, que a Ética é a ciência categoricamente normativa dos atos humanos, segundo a luz natural da razão. O caráter racional da Ética não significa, de modo nenhum, que ela deve proceder de um modo racional e laico, ignorando, sistematicamente, o fato religioso e nada mais, que ela seja sem interesse para a formação do espírito cristão.
Pelo contrário, a Ética como as outras disciplinas filosóficas, é assumida na síntese da fé, contanto que ela estude estruturas, e exigências essenciais ao homem que, porque fundamentais, moram na ordem cristã, e funda a possibilidade de um reencontro e um diálogo com os de fora. A Filosofia entregará tanto mais serviços à fé que ela seria mais autêntica, racional, mais recíproca, todas as coisas iguais algures, a filosofia perceberá tanto melhor as exigências profundas da razão que ela será mais cristã.

Venade/Caminha/Portugal, 2019

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal