sábado, 29 de dezembro de 2018

Contextualização do Idoso

O último período da vida humana, que se poderia iniciar a partir dos sessenta anos de idade, será, porventura, o mais sensível, estimulante e enriquecedor, para o próprio e para os que com ele convivem, nas diversas situações: família, ocupação, convívio, defesa de valores, convicções e boas-práticas, em diversas modalidades.
Na verdade, é legítimo, justo e de direito que aos sessenta anos, o cidadão que, durante décadas se sujeitou ao exercício de uma atividade profissional, cumprindo inúmeras regras, desde logo, horários rigorosos, submetendo-se às mais diversas e difíceis situações hierárquico-funcionais, possa desligar-se dessa atividade, por via de uma reforma compensadora, que lhe permita uma vida confortável, extensivamente àqueles que, de alguma forma, dele dependem, porque para isso já investiu, coercivamente, pelas contribuições que pagou, ao longo do tempo ativo produtivo.
O cidadão que reunindo os requisitos legais para a aposentação, está no seu direito de a requerer e de lhe ser atribuída mas, querendo, poderá (e, para bem da sua saúde, até deverá) continuar a trabalhar na mesma atividade, empresa/instituição em condições que, certamente, devem ser acordadas com a entidade patronal, incluindo um novo salário e outros benefícios sociais.
Uma outra alternativa, seguramente, se colocará ao cidadão idoso, terminado que seja o seu percurso profissional, e passando à situação de reforma. Com efeito, o reformado, enquanto se considerar válido e pretender manter-se útil à sociedade, deve usufruir de outras e novas oportunidades de trabalho, justamente, em domínios que conhece, que gostaria de realizar e que pode, igualmente, ser produtivo, destacando-se aqui, algum género de voluntariado, devidamente reconhecido.
A opção por retomar uma atividade que teria sido interrompida, prosseguir na mesma profissão que exerceu durante o período normal de trabalho, ou iniciar uma nova ocupação, deve ser livremente tomada, sem constrangimentos, nem imposições legais, inibidoras de o fazer e sem a necessidade que o obrigue a continuar a trabalhar.
As oportunidades para o prosseguimento de uma vida ativa, a todos os níveis, devem ser garantidas aos idosos, logo no início desta fase das suas vidas, o que pressupõe alterações profundas nas mentalidades, ainda preconceituosas, sobre o juízo que fazem, acerca da utilidade/inutilidade destes novos colaboradores.
Há toda uma educação que é necessário transmitir, não só aos próprios idosos, como a todos aqueles que integram a sociedade, dita ativa, no sentido: da inclusão dos mais velhos na resolução dos problemas da humanidade; no enriquecimento dos cidadãos; no aproveitamento de todas as capacidades disponíveis desta nova faixa etária, cada vez mais numerosa e marginalizada, principalmente aqueles que se integravam nos escalões sociais médio-baixos e baixos, porque os restantes, aqueles que durante a vida ativa se posicionaram na denominada classe alta, por via dos rendimentos, estatuto social, habilitações, ocupação, intervenção política e outros processos de ascensão social, não terão dificuldades em conseguirem novos postos de trabalho.
Porque é sabido que: «O processo de envelhecimento confronta-se com os mitos e crenças pessoais e sociais de que nesta idade madura, as pessoas são incapazes de aprender, de desenvolver qualquer tipo de trabalho convincente e útil, de ter opções válidas sobre o que querem e igualmente incapazes de se adaptarem às novas formas de vida, a que chamam de actualidade.» (SALDIDA, 2004:108).
O estigma paradigmático, que recai sobre esta numerosa população, deve ser desmontado, rapidamente, sob pena de se perder a própria memória coletiva que une todo um povo, pelo menos na história, na língua, na cultura e nos valores.
 Desprezar o valioso contributo das pessoas que, não obstante terem entrado na reta final de suas vidas físico-biológicas, continuam válidas, disponíveis para manterem uma boa colaboração: com a sociedade em geral; com as gerações mais novas, em particular, constitui um grave erro, para além de uma mesquinha ingratidão daqueles que, de alguma forma, detêm determinado poder de decisão.
Defende-se aqui a teoria contrária, a que se adequa aos novos tempos, caraterizados por uma crescente desestruturação da família, com a brutal redução da taxa de natalidade e o aumento da esperança de vida, com um Saber-ser e um Saber-estar cada vez mais artificias, inseguros e inexperientes.
Apoia-se, portanto, uma teoria e uma prática que privilegiem os idosos, que lhes deem a oportunidade de passarem o testemunho de vida e de saber, em condições dignas, ao longo deste período de vida, que se considera o mais caraterístico da vida do Ser Humano, no qual coexistem capacidades, conhecimentos, experiências, sabedoria, prudência, valores e segurança nas convicções, onde toda uma existência se consolidou numa postura rigorosa, severa, mas também tranquila, confiante e estimulante para as gerações vindouras.
Isto mesmo, ou seja, o elevado apreço pelos mais velhos ainda se verifica em determinadas situações, por exemplo: «Em algumas sociedades de pequena escala o significado da idade é exatamente o inverso, é sinónimo de experiência, de sabedoria. São os velhos que formam o conselho máximo da tribo, do clã. Os tempos mudaram, hoje se diz que a antiguidade não é posto. No entanto, no sistema de remuneração de algumas empresas, ainda predomina o tempo de serviço, como um critério de melhoria salarial e funcional.» (MELLO, 1980:308).

Bibliografia

MELLO Luiz Gonzaga de, (1980) Antropologia Cultural: Iniciação, Teoria e Temas, 7ª Ed. Petrópolis: Vozes
SALDIDA, Isabel. (2004). “Envelhecimento, a Vida sem Trabalho e o Direito à Escola”. in: Integrar, Lisboa: Instituto do Emprego e Formação Profissional, Nº Especial, 2003-2004. Págs.  107-110


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal


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terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Natal Humanista

Quem consultar o calendário das efemérides, depara-se com uma panóplia de comemorações praticamente para todos os dias do ano e, para alguns desses dias, até se celebram diversos eventos: comemorações e recordações; das invocações hagiográficas aos temas mais horrendos praticados pela humanidade; e/ou pela própria Natureza.
Resulta desta ordenação que, praticamente, cada dia do ano, o designamos por: “Dia Mundial de …”, “Dia Nacional de …”, “Dia dos Direitos Humanos” e tantas outras centenas de dias, prática que se julga interessante, principalmente, para chamar a atenção daquelas pessoas mais distraídas, ou que pretendem passar uma esponja pela História, pelos costumes e pelas tradições.
O ser humano, diferente de todos os demais habitantes e fenómenos na terra, tem uma História, que deve tentar melhorar, no sentido de, científica e tecnologicamente, chegar o mais próximo possível da verdade que terá ocorrido no passado. Ignorar o pretérito, é como desaculturar um povo.
Um ano se passou e, novamente, estamos a vivenciar mais um período tradicional e muito sensível, no melhor sentido do termo, ou seja: a Quadra Natalícia é, possivelmente, um espaço de tempo muito próprio para estreitar amizades, reunir as famílias, em boa Harmonia, com alegria, paz e felicidade, entre os seus membros.
O Natal é vivenciado em quase todos os países do mundo, como sendo a festa da família e, Portugal não foge a esta tradição, pelo contrário. Não é por acaso que há Governos, que concedem tolerância de ponto nos dias 24 e 31 de dezembro, precisamente para que as pessoas se desloquem, principalmente dos centros urbanos e até de outros países, para as suas aldeias de naturalidade, nas quais se reúnem com os restantes familiares. Claro que o movimento inverso, não é tão intenso.
Este dia do ano, comemorado pelos crentes cristãos, assinalando o nascimento de Jesus Cristo, naturalmente que é experienciado com a maior religiosidade, respeito e várias cerimónias do culto. Sucedem-se, um pouco em todas as Igrejas os rituais próprios das diversas religiões.
Por outro lado, o Natal, na circunstância, em Portugal, é, geralmente um tempo de alegria, de encontros, troca de presentes e onde a gastronomia, relativamente diversificada, em função dos hábitos e tradições de cada região, faz as honras da época e, globalmente, do País.
Em qualquer parte do mundo, onde se celebra o Natal, nas suas duas dimensões: a sagrada e a profana, verifica-se que quanto a esta última, se poderia considerar um período consumista, em que a corrida aos estabelecimentos comerciais é quase uma loucura, de resto, no próprio dia 24 de dezembro, bem ao final da tarde, ainda há quem procure comprar o objeto que deseja oferecera a alguém.
A outra face do Natal, eventualmente, a mais perversa, prende-se com a situação daquelas pessoas sem-abrigo, das famílias que ainda vivem no limiar da pobreza, ou em autêntica miséria. É certo que nesta quadra há dezenas de Instituições sociais e organizações não governamentais e de voluntariado que prestam o auxílio solidário possível, nomeadamente: alimentação condizente com a época, abrigo e higiene.
Por isso mesmo, sempre haverá quem diga que todos os dias deveriam ser Natal, porque assim nunca nos esqueceríamos: dos mais desfavorecidos, dos marginalizado, dos imigrantes e de todos os que, de alguma forma, sofrem de uma qualquer discriminação negativa.
Na verdade, enquanto houver uma pessoa em dificuldade: física, económica, de não reconhecimento da sua dignidade, de uma criança abandonada, de um idoso descartado pela sociedade, de milhares de desempregados sem qualquer apoio social e outras situações atentatórias dos direitos e deveres humanos, que assistem a todas as pessoas, o Natal é mais um dia, no calendário anual.
É claro que não se pretende acabar com o Natal, enquanto houver uma situação inaceitável na comunidade humana. Importa, sim, festejar o Natal, entre todos, com todos e para todos, mas, para que assim possa continuar, é necessário que: se criem condições para que todas as pessoas sejam respeitadas na sua honorabilidade; que possam desfrutar de alimentação, assistência médica e medicamentosa, trabalho, habitação, autonomia e segurança; que quem está privado da liberdade, por qualquer circunstância menos boa da vida, pelo menos possa ser visitada e acarinhada pelos familiares e amigos.
O Natal deve envolver alegria sim, mas também solidariedade, compreensão, tolerância e respeito pela superior dignidade da pessoa humana. O Natal deve unir-nos, os que podem que sejam generosos e ajudem os que precisam, porque de contrário, o Natal passará a ser uma festa de quem menos precisa, da opulência, dos consumos desregrados. Certamente, não terá sido esse, o desejo de Jesus Cristo!

Venade/Caminha/Portugal, Natal/2018

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo


Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

domingo, 23 de dezembro de 2018

Ensino para a Mudança, com Dominação e Dever

Neste primeiro quarto do século XXI, tem-se verificado algumas evidências que podem explicar, em parte, a situação mundial de permanente conflitualidade, possivelmente, a um exacerbar dos diversos individualismos e egoísmos que, por sua vez, não serão alheios aos sistemas político-educativos vigentes, nos últimos 40/50 anos, fundados em alguns novos valores materiais e esquecimento, preconceituoso, daqueles que, secularmente, vinham sendo ensinados e transmitidos.
 Uma educação, com objetivos técnico-científicos, justificada pela necessidade do saber-fazer que não foi, equitativamente, acompanhada pelos desígnios axiológicos, ético-morais do Saber-ser e do Saber-estar. Optou-se por uma educação para a mudança tecnológica, para uma sociedade do conhecimento, da informação e do consumo, certamente, muito importante, mas relativamente empobrecida pela pouca insistência e relevância dos domínios humanísticos e clássicos.
A educação e formação profissional que hoje for ministrada às crianças, adolescentes e jovens, serão responsáveis pelo que no futuro venha a acontecer, quando estas gerações ocuparem os diversos poderes de decisão, porque: «A cultura de individualismo é uma fonte de preocupações para a experiência escolar dos alunos, para a sua satisfação com a mesma e para a vontade de continuar. É, também, uma preocupação a longo prazo, antecipando-se o tipo de adultos em que se podem tornar estes estudantes isolados e individualistas. Farão parte de uma “geração eu” futura – individualista, materialista, hedonista e autocentrada.» (HARGREAVES, EARL & RYAN, 2001:48).
E se por um lado, a educação para a mudança, que se deseja e se considera inadiável, deverá incluir a família, como o primeiro e grande agente socializador da criança, porque é na família que ela vai adquirir os primeiros hábitos, regras, valores, comportamentos e, desejavelmente, um Saber-estar e um Saber-ser, na vida;
 Por outro lado, coloca-se, entretanto, a grave situação em que a instituição familiar vem mergulhando, desde há várias décadas. Por razões várias, a família nuclear – pai, mãe, filhos – cada vez se dissolve mais rapidamente, ou nem sequer chega a constituir-se, sendo substituída pelas famílias monoparentais e pelas uniões de facto.
As famílias nucleares, que ainda se mantêm completas e coesas, comungando objetivos comuns de segurança, afetividade, alimentação, parentesco, solidariedade e união amorosa, por sua vez, muitas delas, não estão suficientemente preparadas para darem uma educação compatível com a mudança que se preconiza.
Igualmente se deve considerar, ainda, o exercício da autoridade no seio da família, a qual também terá sido bastante enfraquecida, não tanto pela partilha de tarefas entre os cônjuges, talvez mais porque a ocupação dos pais e encarregados de educação os obrigam a longas ausências perante os filhos, procurando, depois, compensá-los com um conjunto de facilidades e objetos do gosto das crianças, reduzindo, muito, até por uma questão moral, a imposição de determinados valores, princípios e regras, o que prejudica o exercício da autoridade.
A mudança de certos paradigmas educacionais, deve ser um objetivo de todos os responsáveis pela educação, e não apenas da escola e da família, embora se reconheça que na atual situação, caracterizada por uma certa mentalidade excessivamente positivista, relegando para segundo plano outras dimensões e valores, não ser fácil às famílias e à sociedade, porque também, de alguma forma, já interiorizaram os paradigmas vigentes, não sendo garantido que se consiga alterar mentalidades, já bem cristalizadas e, mesmo ao nível da escola, as áreas humanísticas, não serem suficientemente desenvolvidas, principalmente nas escolas técnico-profissionais.
A alegada infalibilidade da ciência e da técnica; a tão propalada insubstituabilidade destes domínios; um certo preconceito de superioridade reinante em algumas comunidades, dificultam a urgente interdisciplinaridade entre ciência, técnica, conhecimentos abstratos, subjetividade de análises e posições, quando, em boa verdade, não parece existir incompatibilidade entre aqueles domínios.
O princípio a partir do qual todos devem trabalhar, é considerar que a pessoa humana é um todo: indivisível, único, irrepetível e não uma qualquer máquina, composta por várias peças, comandadas à distância e programada para determinadas tarefas, num tempo previamente fixado. É esta mudança que urge introduzir na educação das crianças, dos adolescentes, dos jovens, dos adultos e até dos mais idosos.
Uma educação para a mudança, em termos de valores que jamais deveriam ter sido esquecidos, como a Autoridade. O exercício da Autoridade Democrática permite: criar, e manter um clima de segurança, de confiança e de proteção.
Autoridade também na execução de funções profissionais, enquanto sinónimo de competência, de conhecimento, de eficácia na obtenção de resultados. Autoridade, ainda, como cidadãos, membros de instituições, a começar na instituição mais antiga e importante: a família, mesmo com todas as dificuldades que ela atravessa.
O exercício da autoridade dos pais não anula a autoridade dos filhos, porque o cumprimento dos deveres de uns equivale à fruição dos direitos dos outros. Com efeito: «Para poderem cumprir dignamente esta difícil tarefa, os pais têm de fazer sentir a sua autoridade amorosa, obrigando os filhos a comportarem-se de certa maneira, impondo-lhes determinados princípios de actuação ou submetendo-os a uma vida disciplinada. Todavia, se se deve fazer sentir a autoridade paterna e materna, esta não se pode considerar como um peso que esmaga ou abafa a personalidade infantil ou que estrangula o espírito de iniciativa e a confiança em si mesmo.» (ALVES, 1991:9).
Educar crianças com autoridade significa incutir-lhes, simultaneamente, um outro valor que é o Respeito. A autoridade dos pais, exercida com tolerância e firmeza, amor e disciplina, liberdade e obediência, contribuirá para, no futuro, aquela criança saber exercer, quando adulta, este valor superior, com idênticos parâmetros, em quaisquer papéis que vier a desempenhar, sabendo, sempre, colocar-se na posição que lhe compete, sem usurpar os direitos dos seus semelhantes.
A criança que hoje se educar será o adulto que amanhã governará o mundo, por isso, todo o investimento será pouco para a mudança que se impõe, para uma nova família, uma nova escola, uma nova sociedade.
Tudo passará pela instrução integral, assumindo-se a pessoa como a entidade mais importante entre todos os seres existentes neste planeta. Aos educadores das crianças de hoje, pede-se-lhes que as preparem para a mudança, com autoridade nas técnicas, nas estratégias e nas avaliações, com responsabilidade, moderação e generosidade.
No futuro exigir-se-á, não só uma especialização, mas o desenvolvimento de muitas outras capacidades e competências, que completam a pessoa em toda a sua dignidade, de resto, uma preocupação que não é de hoje, mas que, na prática, parece não ter, ainda, produzido resultados que ajudem a construir um mundo melhor.
As crianças, e também os educadores, devem ser orientados para: «Princípios, técnicas, conhecimentos, métodos de análise e de solução de problemas, interpretação dos resultados e enunciado correcto das respostas com projecto de colocá-las em aplicação implicando, por sua vez, em reflexão, tais as capacidades gerais a particularizar de acordo com os imperativos da mudança.» (BONBOIR, 1977:188).
A responsabilidade de educadores, professores e formadores é imensa,  não há mais tempo a perder. Naturalmente que as primeiras medidas ao nível legislativo, recursos humanos, financeiros e infra-estruturas competem aos poderes constituídos,  ao nível do aparelho do Estado, em cuja composição devem ter lugar, e voz ativa, todos os representantes do sistema educativo-formativo.
Educar para a mudança, com responsabilidade, significa inclusão de toda a sociedade, cabendo, porém, aos decisores e aos executores, promoverem uma política que, estrategicamente, prepare as crianças atuais (e também adolescentes e jovens) para: quando assumirem a cidadania plena, estarem dotadas de todas as capacidades e competências, que as tornem melhores profissionais, governantes e cidadãos, do que as gerações que as precederam e que têm vindo a ocupar os vários poderes, nas diversas estruturas políticas, empresariais, governamentais e até religiosas.
Indiscutivelmente que compete aos adultos darem o exemplo, na circunstância, o bom-exemplo, aquele que leva a criança a querer imitar, portanto, um modelo que possa trazer algo de melhor em relação ao que existe, porque, independentemente da subjetividade dos valores e dos gostos, sempre haverá um conjunto de procedimentos que servem o interesse do maior número possível, logo, da sociedade em geral. É pelo exemplo responsável e generoso que as crianças de hoje poderão ser os adultos que as gerações dos diversos poderes atuais não o foram.
A reflexão efetuada há mais de cinquenta anos, mantém-se, incomodamente, atual: «O espectáculo constante de adultos que se impõem deveres e os cumprem; não fogem às obrigações, por menores e aparentemente insignificantes, pois sabem o quanto é misterioso e fugidio o momento da influência; não procuram inocentar suas faltas com razões fúteis; não mentem aos outros nem a si mesmos; não gracejam com as coisas sérias; em suma, são exigentes consigo próprios e obedecem com amor a certas leis que lhes são superiores; esse espectáculo é o instrumento por excelência e infalível de formação do senso de responsabilidade.» (SCHMIDT, 1967:296).
Se a situação em que neste primeiro quarto do século XXI, vive a humanidade, é da responsabilidade de gerações anteriores, que não educaram convenientemente as atuais, a questão que aqui fica, para reflexão, é a seguinte: Então por que esperam os responsáveis, diretos e indiretos para, de imediato, desenvolverem os projetos que visem a mudança para uma nova educação com autoridade e responsabilidade?
Uma educação para a preparação de cidadãos, capazes de proporcionarem o bem-estar geral, quando no exercício de funções politico-governativas? Para a assunção dos deveres e direitos de cidadania? Para o exercício da autoridade democrática, partilhada entre educadores e educandos? Enfim, por uma nova sociedade dos valores altruístas, do pluralismo a todos os níveis, do multiculturalismo e da livre circulação das pessoas e bens? Pela tolerância e pela solidariedade.


Bibliografia

ALVES, A. Martins, (1991). Autoridade Educativa na Família, Porto: Editorial Perpétuo Socorro.
BONBOIR, Anna, (Dir.). (1977). Uma Pedagogia para Amanhã. Tradução, Frederico Pessoa de Barros. São Paulo: Cultrix.
HARGREAVES, Andy; EARL, Lorna; RYAN, Jim, (2001) Educação para a Mudança: Reinventar a escola para os jovens adolescentes, Tradução, Inês Simões. Porto: Porto Editora
SCHMIDT, Maria Junqueira, (1967). Educar para a Responsabilidade, 4ª edição, Rio de Janeiro RJ: Livraria Agir Editora

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo


Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal


domingo, 16 de dezembro de 2018

Direitos Humanos e a Paz para um Mundo Melhor

O direito à paz constitui um dos direitos da chamada terceira geração, segundo a estrutura estabelecida, tais como outros direitos ecológicos. Parece, contudo, cada vez mais, um objetivo, importante e necessário a alcançar e salvaguardar, não fossem os inúmeros conflitos regionais de guerra declarada ou latente: seja por motivos políticos; seja por razões de ordem religiosa, ou outras.
A “Instituição da Guerra” apresenta-se como uma ordem de tal magnitude que transcende qualquer agressor-vítima particular, na medida em que faz mais sentido responsabilizar um país por uma agressão sobre outro, do que imputar culpas a indivíduos isolados, além de que existe, obviamente, violência estrutural, na medida em que danos não intencionais são infligidos, frequentemente, a indivíduos ou países em todo o mundo, porque o opressor está incrustado nas estruturas, com culturas que não deixam outras alternativas.
A agressão é provocada e algumas das causas são estruturais, outras culturais: o colonialismo é uma dessas estruturas que ligam a colónia ao poder colonial, de tal forma que aquela pode revoltar-se para se libertar. Ora, o caminho para a paz passa, necessariamente, por resoluções imaginativas dos conflitos, o que pode significar a transformação de algumas estruturas através da substituição de culturas de violência por mecanismos de apoio ao desenvolvimento Sócio-Cultural, científico e económico dos povos, até então oprimidos.
O homem tem o dever de procurar e construir um mundo melhor, porque: «O direito de viver em paz também pode ser interpretado como o direito de não ser vítima da agressão. Mas se assumirmos que a agressão não é aleatória, mas causada por factores estruturais e culturais entre e dentro dos actores, então o direito de viver em paz é o direito de viver num cenário social (...) onde se faz qualquer coisa sobre factores e não só sobre actores...» (HAARSCHER, 1993:213).
A construção de um mundo melhor, no sentido de promover e preservar a paz, quaisquer que sejam os conceitos deste valor inestimável (mesmo o mais rudimentar, como aquele que define paz como ausência de guerra), passa, certamente, pelo conhecimento dos valores universais constantes na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e dos instrumentos legais, técnicos e científicos para os defender.
 É necessário combater o irracionalismo que tanto parece estar na moda, sendo certo que atitudes irracionais, não se fundamentam na observância dos direitos humanos e, mesmo aceitando que todo o conhecimento humano é falível e incerto, também não é menos verdade que o conhecimento é uma procura da verdade, de teorias explicativas e, objetivamente, verdadeiras.
Neste contexto, não é difícil compreender que qualquer violação dos Direitos Humanos constitui um erro grave, contudo: «combater a falha, o erro, significa, pois, procurar uma verdade mais objectiva e fazer tudo para detectar e eliminar tudo o que é falso. (...). Ao reconhecermos a falibilidade do conhecimento humano, reconhecemos, simultaneamente que nunca podemos estar completamente seguros de não termos cometido algum erro.» (POPPER, 1992:18).
As boas-práticas de deveres que conduzem a soluções pacíficas de conflitos humanos, naturalmente, carecem de profundos conhecimentos ético-morais, de cidadania, de Saber-ser e Saber-estar no mundo com os outros, numa permanente postura de tolerância e responsabilidade intelectual.
Infelizmente, o número de casos e de vítimas não para de aumentar: campos de concentração, assassinatos, violação de mulheres e crianças, deportações, emigração forçada, enfim, destinos terríveis, horrores que matam pelo medo. Seres humanos: homens, mulheres, crianças, idosos, são vítimas de fanáticos inebriados por um qualquer poder fundamentalista.
O homem intelectual, culto e responsável tem hoje, mais do que no passado, o dever inalienável de rejeitar o relativismo radical, na medida em que há valores que jamais se podem relativizar: Deus, verdade, bem, justiça, paz, liberdade e tantos outros, aliás, as posições radicais não conduzem, geralmente, a soluções equilibradas, afigurando-se do mais elementar bom-senso, optar por atitudes moderadas.
Com efeito: «O pluralismo crítico apresenta uma posição de acordo com a qual, no interesse da verdade, cada teoria – e quanto mais teorias tanto melhor – deve ser posta em plano de concorrência com as demais. Esta concorrência consiste na discussão racional: isto significa que o que está em causa é a verdade das teorias concorrentes. Aquela teoria, que na discussão crítica parecer aproximar-se mais da verdade é a melhor e a melhor teoria prevalece sobre as menos boas. O mesmo se passa com a verdade.» (Ibid.:178).
A Paz constrói-se a partir de um conhecimento cada vez mais profundo das realidades humanas e, todas as ciências serão poucas, todos os cientistas e intelectuais não serão bastantes para prosseguirem na busca de um mundo melhor, no sentido, não apenas de ausência de guerra, mas também, e principalmente, no que respeita ao dever do cumprimento dos Direitos Humanos, sejam estes individuais ou coletivos, pelo que, de facto, urge refletir sobre o que as ciências cognitivas podem fazer por um mundo em efervescência. Afinal, onde é que está localizado, no cérebro humano o “bom-senso”? Questão, aparentemente simples e inócua, cuja resposta parece que ainda não é conhecida.
Poder-se-á colocar aqui a questão da vontade e liberdade suficientes, para se resolver a deprimente situação da violação dos Direitos Humanos? Será que, também aqui, o homem está determinado por circunstâncias que não controla nem domina? Ou, pelo contrário, tem o homem a capacidade para alterar alguma coisa?
Porque segundo Searle: «A liberdade humana é precisamente, um facto de experiência. Se desejar alguma prova empírica de tal facto, podemos sem mais aludir à possibilidade que sempre nos cabe de falsificar quaisquer predições que alguém possa ter feito acerca do nosso comportamento. Se alguém prediz que eu vou fazer alguma coisa, posso muito bem não fazer essa coisa.» (SEARLE, 1987:107).
E, ainda nesta mesma linha, o autor prossegue, mais adiante, afirmando o seguinte: «A ciência não deixa espaço para a liberdade da vontade (...). Por outro lado, somos incapazes de abandonar a crença na liberdade da vontade.» (Ibid.:113).
A liberdade da vontade não depende, portanto, do determinismo porque, de acordo com o raciocínio de Searle: «A forma de determinismo que em última análise é incómoda não é o determinismo psicológico. A ideia de que os nossos estados da mente, são suficientes para determinar tudo, o que fazemos é provavelmente falso. (...). Se a liberdade é uma ilusão, porque é que é uma ilusão que, aparentemente, somos incapazes de abandonar? A primeira coisa a observar a propósito da liberdade humana é que ela está essencialmente ligada à consciência. Apenas atribuímos liberdade aos seres conscientes (...) a maior parte dos filósofos pensam que a convicção da liberdade humana está essencialmente ligada ao processo da decisão racional. (...)».
«A experiência característica que nos dá a convicção da liberdade humana, é uma experiência da qual somos incapazes de arrancar a convicção da liberdade, é a experiência de nos empenharmos em acções voluntárias e intencionais. (...) É esta experiência a pedra basilar da nossa crença na liberdade da vontade (...)» porque: «No comportamento normal cada coisa que fazemos suscita a convicção válida ou inválida de que poderíamos fazer alguma coisa mais, aqui e agora, isto é, permanecendo idênticas todas as outras condições», donde e concluindo: «(...) a evolução deu-nos uma forma de experiência da acção voluntária onde a experiência da liberdade, isto é, a experiência do sentido de possibilidades alternativas, está inserida na genuína estrutura do comportamento humano, consciente e intencional.» (Ibid.:114-120).
Será legítimo e correto afirmar-se que a construção de um mundo de paz depende muito mais do homem, que na sua liberdade e vontade, não estará sujeito ao determinismo absoluto, porque pode voluntária e intencionalmente criar as condições, através das ações concretas, para um entendimento global, naturalmente que tal intencionalidade pressupõe abdicar de interesses diversos que possam colidir com a arquitetura de uma paz duradoira, num mundo moderno, solidário e fraterno, onde todos os homens tenham uma oportunidade de cooperar mutuamente.

Bibliografia

POPPER, Karl R, (1992). Em Busca de um Mundo Melhor, 3a Ed. Tradução, Teresa Curvelo. Lisboa: Editorial Fragmentos.
SEARLE, J., (1987). Mente, Cérebro e Ciência, Lisboa: Edições 70, (pág. 105-121)



Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal


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domingo, 9 de dezembro de 2018

Objetivo dos Direitos Humanos: Luta Contra a Submissão

Invoca-se, com demasiada frequência, (correndo-se o risco da banalização) a propósito e, algumas vezes, a despropósito, os Direitos Humanos, contudo, nem todos sabem, objetivamente, o que isto é e, vários conceitos surgem, em função de determinadas ideologias político-institucionais, dizendo uns que: «se trata de prerrogativas concedidas ao indivíduo/grupo, tidas por essenciais que toda a autoridade política (e todo o poder em geral) teria obrigação de garantir o seu respeito, constituindo os direitos do homem as protecções mínimas que permitem ao indivíduo/grupo viver numa vida digna desse nome, defendido das usurpações do arbítrio estatal.» (HAARSCHER, 1993:13); e, mais à frente: «Os direitos do homem representam as regras do jogo mínimas que devem ser respeitadas pelos governos e pelos governados para que uma vida digna desse nome seja possível.» (Ibid.:14).
Qualquer que seja a conceptualização do tema, a verdade é que os Direitos Humanos pressupõem, necessariamente: uma relação, não só interpessoal, mas também e, fundamentalmente, entre Governos e Governados; entre Povos e Nações, ou seja, uma relação ambivalente, partindo do Estado o dever de: por um lado, evitar, a todo o custo, limitar a liberdade dos governados; mas, por outro lado, deve pôr em causa quando essa liberdade se torna criminosa, atentatória dos direitos de outrem, porque os direitos do homem estão subjacentes a uma Filosofia individualista, e o Poder só será legítimo se respeitar um determinado número de prerrogativas concedidas ao indivíduo, como tal considerado: o indivíduo na superior condição de pessoa humana.
Indiscutivelmente que os Direitos Humanos pressupõem valores que a sociedade organizada e convencionada procura respeitar, destacando-se, qualquer que seja a sua perspectiva, a liberdade, esta considerada nas suas multiplicas dimensões, de entre outras: a liberdade de expressão, a liberdade de religião, a liberdade de educar.
A Civilização Ocidental, neste domínio, tem sido pioneira: «O ocidente foi fundado por dois acidentes históricos, o milagre grego e o cristianismo. Podemos expressar isto com a palavra “sorte” porque estes fenómenos não foram planeadamente criados, simplesmente surgiram.» (PEREIRA, 1993:175).
Numa interpretação, certamente criticável, à Epistemologia de Popper que explicita a partir da intuição sociológica alguns valores, a ideia de liberdade associa-se ao conceito ético, ligado à tradição racionalista grega, permitindo uma relação entre: realismo enquanto pressuposto importante; e racionalismo enquanto atitude de repercussões éticas e gnosiológicas.
Os valores liberais estão assim relacionados com a Gnoseologia Popperiana, que se insere na tradição ocidental, que articula o altruísmo e o individualismo, numa realidade que o ser humano não consegue disfarçar.
A partir do dualismo crítico, na fundamentação implícita aos valores, Racionalismo e Irracionalismo, Popper transmite a ideia de que é impossível a redução de normas a factos, porque a opção por determinadas regras é sempre uma decisão humana.
Na verdade: «Popper não afirma que o irracionalismo esteja errado na sua ênfase, na passionalidade fundamental da natureza humana (...), já que essa irracionalidade deixaria em aberto um vasto campo para a utilização da violência como critério de resolução de conflitos. Mesmo que partíssemos do postulado de que o impulso básico da natureza humana é o amor esta emoção não resolveria questões políticas, pois ninguém pode amar no abstracto. Tal emoção tenderia a dividir os homens entre aqueles que amamos e aqueles a quem não amamos, ou seja, teremos uma ameaça ao igualitarismo político. Esta afirmação não deve ser interpretada, como uma crítica à ética fundada no amor, mas apenas que tal emoção não conduz à imparcialidade e nem faculta a possibilidade de resolução racional de problemas.» (Ibid.:166-7).
Resulta que: «a opção pelo racionalismo crítico é para Popper uma decisão moral, porque o racionalismo implica a atitude de tolerância: ao admitir que o outro poder está certo o coloca em igualdade de circunstâncias. Isto é, admite o igualitarismo. Ora tanto o igualitarismo como a tolerância somente são possíveis numa Sociedade Aberta».
E conclui respondendo à questão: «Se a opção pelo racionalismo é uma opção moral, esta opção cria os valores ou é condicionada por eles?» A resposta de Popper é esclarecedora porque conduz a um “à priori” de valores que coloca a possibilidade do racionalismo crítico enquanto atitude quando diz: «(...) que a nossa civilização ocidental, deve o seu racionalismo, a sua fé na unidade racional do homem e na sociedade aberta, e especialmente sua afeição científica, à antiga crença Socrática e Cristã na fraternidade de todos os homens e na honestidade e na responsabilidade intelectual.» (Id. Ibid. 168).
Esta linha de pensamento facilita a compreensão sobre a finalidade dos Direitos Humanos versus Deveres do Homem, partindo da noção do princípio da igualdade perante a lei, que é necessário existir em qualquer Estado de Direito Democrático. A este propósito o legislador definiu uma regra que atribui vantagens a uma qualquer categoria de indivíduos, ou a nenhuma delas, se possuir, evidentemente, o atributo descrito na lei, ou ser privado dos ditos benefícios. Uma tal exclusão seria equiparável a uma discriminação arbitrária, ao desrespeito por uma regra geral decretada por uma autoridade investida de legitimidade e competência.
Várias serão as respostas, desde a crítica marxista à volta dos direitos do homem, à interpretação daquilo a que se chamou a primeira geração dos direitos do homem, estes últimos considerados como um sistema de valores essencialmente individualistas, de onde se destacam, os que respeitam: a liberdade de circulação, a personalidade, a liberdade de consciência e de expressão e, nestas circunstâncias, toda a conceção dos direitos do homem deve considerá-las como fundamentais.
Assim, os Direitos Humanos acompanham, necessariamente, as transformações que se vêm operando nas sociedades “civilizadas”, verificando-se, neste domínio, uma permanente exigência de direitos. Esta evolução divide-se em direitos de:
a)  Primeira Geração dos Direitos Humanos – As grandes declarações dos finais do século XVIII têm a marca do aparecimento e desenvolvimento das burguesias europeias, da luta destas contraestruturas, instituições e mentalidades do antigo regime. Nesta fase, os direitos humanos têm um cunho eminentemente individualista, resultante da luta das classes mais desfavorecidas, não descurando, contudo, uma certa proteção dos interesses da classe burguesa. Nesta geração de direitos, destacam-se: «a liberdade de circulação, respeito pela personalidade (respeito pelo domicílio; segredo da correspondência), liberdade de consciência e de expressão, no essencial. (...). Outros direitos ligados à burguesia também integram esta primeira geração: direito de propriedade, como liberdade fundamental.» (Ibid.:45).
b) Segunda Geração dos Direitos do Homem – Aqui exige-se a intervenção do Estado, a sua prestação. Direitos ditos económicos, sociais e culturais, encontrámo-los nos direitos: à saúde, à educação, ao trabalho, à segurança social, a um nível de vida decente. Isto implica do Estado uma prestação substancial em apoios de diversa natureza: financeiros, infraestruturas, recursos humanos, ou seja, passam de um Estado mínimo criação e proteção às liberdades fundamentais para um Estado-Providência.
Esta segunda geração de Direitos do Homem é o produto de um conjunto de lutas e evoluções, que refletem uma filosofia em muitos aspetos diferente da que animava, pelo menos em parte, os redatores das Constituições e Declarações revolucionárias: «Uma tal Filosofia que se pode qualificar, globalmente, de socializante (...) chamando a atenção para um tema novo relacionado com a situação de finais do séc. XVIII: a miséria do proletariado operário, e em geral das classes e camadas dominadas.» (Ibid.:48).
c)  Terceira Geração dos Direitos do Homem – Esta fase da evolução dos Direitos do Homem, será classificada como uma “banalização dos direitos do homem”. Na verdade, proclamam-se, agora, direitos mais vagos, imprecisos tais como os direitos: à paz; a um meio ambiente protegido; a um desenvolvimento harmonioso das culturas: «Com efeito, para que os direitos do homem possuam um significado preciso (...) são necessárias quatro condições bem definidas: um titular que possa beneficiar deles; um objecto que dê um conteúdo ao direito; uma oponibilidade que permita que o titular faça valer o seu direito face a uma instância e uma instância organizada.» (Ibid.:51).
A banalização suave dos Direitos do Homem conduz a que cada grupo reivindique para si mesmo, nas situações mais diversas, vantagens especiais, corretoras para o seu estado desfavorecido. Depois: «Corre-se o risco de enfraquecer os direitos da primeira geração, esvaziando de todo o conteúdo o princípio de igualdade perante a lei; (...) suscita-se, inevitavelmente, um processo de arbitragem que, sem dúvida, terá os efeitos mais desastrosos: como não se pode satisfazer todas essas reivindicações ao mesmo tempo (...) é necessário recusar algumas (...). A consequência inevitável será um enfraquecimento da exigência inicial dos direitos do homem no espírito dos cidadãos: ter-se-á esquecido que a exigência primeira tinha a ver com a luta contra o arbítrio, que esse combate não pode ter excepções, que a segurança é ridicularizada na maior parte dos países do mundo, e no que respeita a esta última, nenhum acomodamento é aceitável, nenhuma transacção é legítima.» (Ibid.:213).



HAARSCHER, Guy, (1993). A Filosofia dos Direitos do Homem. Tradução, Armando F. Silva. Lisboa: Instituto Piaget.
PEREIRA, Júlio César Rodrigues, (1993). Epistemologia e Liberalismo, (Uma Introdução à Filosofia de Karl R. Popper), Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Colec. Filosofia – 9, EDIPUCRS, (pág. 163-177)


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal


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domingo, 2 de dezembro de 2018

Poder e Docência


Invoca-se, com grande facilidade e muita frequência, o exercício da autoridade: a propósito da violência, nas suas diversas variantes; a respeito da competência numa determinada atividade; a propósito do conhecimento técnico-científico, entre outros usos do termo, como por exemplo: a polícia não tem e/ou não exerce autoridade; o funcionário judicial é uma autoridade em documentação jurídica; o professor universitário é uma autoridade em pedagogia e investigação.
Entre as muitas aplicações do vocábulo autoridade, importa neste primeiro trabalho, começar por abordar o conceito no seu contexto policial, face à violência que vai grassando um pouco por todo o mundo, com maior ou menor impacto e consequências, quantas vezes, imprevisíveis.
Aliás, é comum afirmar-se que determinada intervenção, por um corpo especializado, num certo domínio, não tem autoridade para utilizar um meio, um recurso, aplicar uma medida, impor uma sanção, precisamente, porque a lei não lhe confere tal competência ou porque lhe falta legitimidade.
Neste contexto: «A autoridade e a norma aparecem assim como funções do bem-comum ou do bem-social, exigidas pelo ser em comum dos homens e no seu agir em sociedade concreta. Quer dizer que sem elas não pode haver sociedades actuantes. (…) É, portanto, inevitável afirmar uma dependência mútua de relações entre a sociedade, a autoridade e a norma e bem-comum, o qual bem-comum é, em última análise, a sociedade a construir à base das experiências da sociedade que é dada.» (SILVA, 1966:102).
Torna-se fundamental, e condição necessária, a existência de realidades positivas, para que se exerça a autoridade, qualquer que seja a sua natureza, estatuto e finalidades: sociedade que se constitui para objetivos do bem-comum; normas que regulam o funcionamento harmonioso e uniforme da sociedade e uma autoridade para acompanhar a uniformização dos comportamentos individuais, que contribuem para a estabilidade e pacificação da comunidade, nos múltiplos domínios que ela comporta, face às diversificadas dimensões dos indivíduos e, nestas circunstâncias, sempre deverá existir uma autoridade para cada tipo de intervenção humana.
Viver num território, de um qualquer espaço do mundo, implica a existência da autoridade. Por muito primitiva e diminuta que seja a comunidade, haverá sempre a autoridade dos pais, dos mais velhos, dos técnicos, dos cientistas, dos políticos, dos religiosos, conforme a complexidade e grandeza dessa mesma comunidade.

Bibliografia

SILVA, António da, S.J. (1966). Filosofia Social, Évora: Instituto de Estudos Superiores de Évora.


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal