domingo, 28 de outubro de 2018

Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) e a Filosofia Luso-Brasileira


Aceitando-se como premissa, que os direitos do homem são a resultante principal, e o sinal mais revelador da relação entre o Poder e a Pessoa Humana, então a problemática nasce, em princípio, no poder estabelecido, mas, por outro lado, a conduta dos homens, em sociedade, depende do reforço da responsabilidade individual, a qual é tanto mais significativa quanto mais livre essa sociedade for.
Igualmente se admite, nos meios moderados, uma construção socratária, suportada por quatro fortes pilares: Educação, Filosofia, Política e Religião. Silvestre Pinheiro Ferreira congregou, na sua pessoa, na vida e na obra, aquelas quatro dimensões do homem em sociedade. No âmbito religioso, o autor dá a indicação de quais são as virtudes que, na religião cristã, o homem deve observar: Fé, Esperança e Caridade, cuja caracterização ele procura fazer, em linguagem acessível.
O interesse em se abordar a religião, qualquer que ela seja, reside no facto de esta componente do ser humano, pelo menos na maioria das pessoas, fazer parte dos direitos humanos, universalmente reconhecidos, ou seja, a liberdade de religião a que cada cidadão tem direito.
Com efeito, Pinheiro Ferreira defendendo e dando primazia à religião católica, implicitamente, reconhece, pelo direito natural da liberdade, outras religiões, de resto, como cristão que era, certamente praticava as virtudes que defendia e, através da caridade, teria a obrigação de ser tolerante e desenvolver o amor ao próximo.
Retomando, porém, os outros aspetos, a partir dos quais se procura demonstrar que as Filosofias: Social, Educacional e Política de Silvestre Pinheiro Ferreira têm interesse para os Direitos Humanos, na atualidade, anotam-se mais estas três vertentes:
Primeira: Quanto à Filosofia Social, verifica-se que o conceito de direitos sociais, neste autor, deriva do estabelecido pelas leis sociais ou positivas, que constituem decisões tomadas pelos homens, reunidos em sociedade. Nesse sentido, apontam os seus projetos de construção de associações, de criação de bancos, de fundação de sociedades de socorros mútuos, de estabelecimentos de educação industrial. Pensamento e ação para a resolução dos problemas da comunidade.
Na sociedade Silvestrina todos os cidadãos têm direito ao trabalho ou, na falta deste, aos apoios oficiais para a sua sobrevivência, no entanto, é obrigação do indivíduo prover os meios da sua subsistência, através do trabalho, numa profissão para a qual tenha capacidade física e moral. Deve o cidadão estar inscrito numa profissão, que se integre num dos três estados ou setores da atividade económica: Comércio, Indústria e Serviço Público. (cf. FERREIRA, 1834).
Silvestre Pinheiro Ferreira, na idealização do sistema social, não faz discriminação entre cidadãos nacionais e estrangeiros, no que concerne aos direitos civis naturais e sociais, porque eles são parte constituinte da natureza humana. Ora como todos os homens se compõem da mesma natureza, então todos devem usufruir dos direitos de: Segurança, Liberdade e Propriedade, garantidos pelo pacto social. Por conseguinte, nacionais e estrangeiros, enquanto residentes no mesmo país, todos têm que se movimentar sob as mesmas leis, seja no campo dos direitos seja no âmbito dos deveres. Atualmente, esta situação constitui um desafio para a CPLP – Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
É consabido que o homem só pode viver em sociedade. Para isso é necessário um conjunto de normas, de regras diversas, de uma ciência social que lhe permita saber viver em sociedade. A relevância de Pinheiro Ferreira no domínio social será compreendida a partir da interiorização do conceito de homem, enquanto ser moral. A partir deste conceito, pode-se articular o homem com a política que é, afinal, uma outra dimensão do ser humano.
Num sistema social assim idealizado, também não faltam as medidas para satisfazer as necessidades da sociedade, principalmente das classes industriosas que ele considera as mais desfavorecidas. Entre várias medidas destacam-se: a) garantir aos homens os meios de ganharem a sua vida, procurando proporcionar a produção ao consumo; b) adiantar os meios indispensáveis de subsistência aos desempregados, bem assim como aos inválidos e carenciados por motivos alheios às suas vontades; c) premiar a virtude e punir o vício; d) prover à educação das crianças.
Considerada a mentalidade da época, ainda pouco esclarecida para a maioria da população, e atendendo ao programa social apresentado por Silvestre Pinheiro Ferreira, aceitar-se-á que, mesmo descontando os devaneios do socialismo utópico, dos finais do século XVIII e primeiras décadas do séc. XIX, o seu sistema social contemplava aspetos que hoje estão consagrados nas diversas declarações universais, internacionais e nacionais, sob a designação de Direitos Humanos: liberdade de direito ao trabalho, à educação, à assistência social, ao lazer e tantos outros. Neste sentido, Pinheiro Ferreira poder-se-á incluir no lote dos inspiradores e precursores da implementação das normas constitucionais para os direitos humanos.
Segunda: No quadro da Filosofia da Educação, a relevância silvestrina reside no facto de, entre outros, contribuir para recolocar esta disciplina no lugar a que tinha direito (e continua a ter) de forma a separá-la das ciências positivas. Depois da recuperação autonómica da Filosofia e a partir dela, desenvolveria os restantes sistemas: social, educacional, político.
Também abordou a religião católica, obviamente, com a máxima delicadeza, porém, tal intervenção trouxe-lhe alguns dissabores com a polémica que desenvolveu com António Feliciano de Castilho.
A Filosofia em Silvestre Pinheiro vai, portanto, ter uma dignidade merecida, na medida em que se converte numa atividade prática, em ordem ao bem-comum. A sociedade portuguesa atravessava, então, tal como as outras, profundas alterações e a uma velocidade extraordinária. Além disso, no momento anterior à independência do Brasil, verificava-se uma certa bifurcação da problemática filosófica nos dois países. Silvestre Ferreira encontra-se nesta encruzilhada.
A sua influência no país irmão, reside no facto de ter proporcionado a fundamentação filosófica moderna ao estado liberal constitucional, do qual derivará a construção de nova sociedade e, consequentemente, o modelo do projeto educativo para esta mesma sociedade.
Reconhece-se, cada vez mais com muito entusiasmo, que a educação é uma das necessidades tão óbvias que qualquer país, que se pretenda desenvolver no respeito pelos valores da cidadania e dos direitos humanos, procura consolidar a sociedade.
No sistema político-constitucional e na ótica liberal de que Pinheiro Ferreira foi um grande apologista, o ideal fundamental da educação consiste no princípio segundo qual, a escola não deve estar ao serviço dos privilegiados, mas das capacidades de cada um.
Conhecem-se diversas teses sobre a educação defendida em finais do séc. XVIII, na sequência da Revolução Francesa. Teorias que certamente foram analisadas pelos pedagogos e ideólogos da educação, de todo o mundo. Vários planos educativos eram, então, esboçados e neles, dito embora de forma diferente, defendia-se: a) a gratuitidade do ensino para todas as crianças; b) educação igual para todos com apoios alimentares, didáticos e outros, iguais para todos; c) obrigação dos pais em facilitar aos filhos a frequência da escola; d) a educação como um objetivo para o trabalho, para a cidadania, para a formação física; e) preparação para a vida ativa.
Inicialmente, a educação a ministrar às crianças, proposta por Silvestre Ferreira, tem subjacente um nítido cunho elitista, porque prevê a separação das crianças O autor explica esta discriminação com base em argumentos de ordem social que derivam de uma hierarquia onde os chefes de família são graduados em função da atividade que desempenham. Esclareceu Pinheiro Ferreira que as crianças tendo hábitos, tradições, alimentação e educação materna diferentes, não seria conveniente juntá-las, nesta fase, numa mesma sala/escola.
O sistema educativo Silvestrino tem mecanismos para eliminar quaisquer sentimentos aristocráticos e de superioridade, na medida em que se qualquer aluno demonstrar capacidades para prosseguir estudos superiores, então, a este nível, ele encontra-se nas mesmas instituições escolares, independentemente da sua origem.
Resulta deste sistema educativo, idealizado por Silvestre Pinheiro Ferreira, a implementação prática de um ideal técnico polivalente, para o que se torna necessário que todos os alunos tenham uma iniciação profissional na fase do ensino secundário: «valorização técnica da massa, está claro, mas integração profissional das elites, do mesmo modo.» (cf. PEREIRA, 1986b)
Apesar de algumas alegadas injustiças, no início da formação educacional, o sistema educativo de Silvestre Pinheiro Ferreira, pela sua persistência e visão futura, no que respeita aos direitos humanos, para a época contemporânea, já se insere, por antecipação, no espírito da Declaração Universal dos Direitos Humanos quando proclama os valores da dignidade humana a exercitar, precisamente, através da educação e do trabalho.
Terceira: No contexto da Filosofia Política, a relevância de Pinheiro Ferreira não é, de modo algum, possível de se ignorar. O autor luso-brasileiro que se vem analisando, insere-se desde logo num sistema político que, principalmente no Brasil, deixaria marcas e inspiraria as primeiras gerações pós-independência. Com efeito, o sistema político-ideológico Silvestrino é realizado através da implementação de uma Monarquia Constitucional Representativa.
Silvestre Pinheiro Ferreira era contrário ao absolutismo real como igualmente não concordava com a total independência do Congresso Nacional, porque entendia que o Rei, como entidade representativa do povo, e por este aclamado, deveria ter lugar no órgão deliberativo e competência para a feitura das leis.
Mas, por outro lado, as Cortes também não deveriam elaborar leis sem o consentimento e o concurso do monarca. No primeiro caso estaríamos perante um despotismo régio e, no segundo, a verificar-se a intromissão do rei no Congresso, caminhar-se-ia para uma oclocracia. Estas foram as críticas mais contundentes ao projeto elaborado por Pinheiro Ferreira.
Na construção do seu sistema político, Silvestre Ferreira parte do pressuposto filosófico do estado liberal, entendido como estado limitado em contraposição ao Estado absoluto.
É a doutrina dos direitos do homem, segundo a qual, o homem, todos os homens, indiscriminadamente, têm por natureza certos direitos fundamentais como o direito à vida, à liberdade, à segurança e à felicidade.
Foi com base em tais princípios, valores e direitos que o Brasil teria iniciado o seu percurso como país independente. Em Portugal, como já foi anteriormente referido, o projeto político de Pinheiro Ferreira não foi bem recebido pelo Congresso em sessão de 4 de Julho de 1821.

Bibliografia

FERREIRA, Silvestre Pinheiro, (1834a). Manual do Cidadão em um Governo Representativo. Vol I, Tomo I, Introdução António Paim, (1998a) Brasília: Senado Federal.
PEREIRA, José Esteves, (1996b). Textos Escolhidos de Economia Política e Social (1813-1851). Introdução e direcção José Esteves Pereira, Lisboa: Banco de Portugal.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

domingo, 21 de outubro de 2018

Caminhos da Lusofonia

Encetar, desenvolver e concluir um diálogo, entre pessoas de culturas diferentes, utilizando, embora, o mesmo idioma, nem sempre é fácil, inclusive, dentro de um mesmo território, na medida em que a significação da palavra, da frase e do texto, no seu todo, terá interpretações e repercussões diferentes, logrando proporcionar reações igualmente diversas, o que, em algumas situações, poderá conduzir aos denominados “mal-entendidos” e, até, a um ou outro conflito.
As relações entre povos de latitudes diferentes, que comungam princípios, valores, e mesmo sentimentos muito específicos, e não, necessariamente, idênticos, de uns em relação a outros, por vezes não produzem os resultados desejados, designadamente, quando o diálogo utiliza uma linguagem excessivamente técnico-científica ou sub-reptícia ou, ainda, sofismática, isto é, vocabulário que determinadas classes socioprofissionais, político-religiosas, económico-financeiras recorrem, por vezes, para confundirem ou então, negarem o que lhes convém.
Da experiência recolhida, aquando da passagem por África, e também pelo Brasil, das investigações realizadas, e das opiniões auscultadas, penso que as relações lusófonas, no seu dia-a-dia, designadamente entre os povos colonizadores, na sua esmagadora maioria, entendem-se melhor nos estratos sociais mais baixos, do que nas altas esferas dos diversos poderes.
Em toda a parte do mundo sabe-se que, em geral, o povo anónimo, não será conflituoso, nem agressivo, pelo contrário, é brando, humilde e respeitador, naturalmente, defensor dos seus princípios, valores, sentimentos e dos pergaminhos da sua História, território, língua e cultura. É legítimo.
Os problemas, quase sempre, partem de algumas altas instâncias, por razões de domínio, estratégias, quantas vezes obscuras, para atingirem objetivos e interesses, eventualmente, inconfessáveis, sem que com isso o povo beneficie do que quer que seja, de resto, em algumas situações, é a parte maioritária da população que mais sofre em muitos aspetos: integridade física, desemprego, doença, fome e morte.
Importa referir que: quer os colonos do século XX; quer os povos colonizados, na maioria das situações conhecidas, viviam em paz, com abundância de bens de primeira necessidade, acasalamentos por amor, miscigenação, trabalho conjunto, de que resultava um desenvolvimento equilibrado e sustentável, para este povo anónimo que se relacionava, com os alegados invasores, com respeito, sendo, igualmente, considerado e honrado.
Obviamente que esta reflexão não pretende, em circunstância alguma, “branquear” eventuais excessos que se tenham cometido, durante o período colonial, porque, e desde logo, a escravatura, a exploração do homem pelo homem, os maus tratos físicos e psicológicos, certamente ocorreram em muitas partes dos territórios ocupados, todavia, e ainda durante a permanência dos colonos portugueses, um processo revanchista, também terá sido implementado, não pelo povo anónimo, humilde e sacrificado, que, entretanto, já suspirava de saudade e receava por piores dias, como de facto veio a acontecer no pós-descolonização.
Portugal, graças à iniciativa dos “Capitães de Abril”, e o apoio incondicional do povo anónimo, desencadeou uma Revolução para derrubar um regime ditatorial que, durante quase cinquenta anos: oprimiu os portugueses e os povos colonizados; perseguiu, prendeu, condenou, quantas vezes sem julgamento nem direito a defesa, milhares de cidadãos; obrigou, praticamente, todos os jovens em idade militar, a irem combater para as então designadas colónias, “defender” interesses e objetivos que não eram os do povo simples e humilde.
Posteriormente à “Revolução dos Cravos”, em 25 de Abril de 1974, iniciou-se o processo conhecido pelos «“3-D’s”: Descolonizar, Democratizar e Desenvolver», agora no plano nacional. Quanto à primeira fase deste projeto – Descolonizar -, o que hoje, se julga saber, passados mais de 40 anos, é que a esmagadora maioria do povo: ex-colonos e ex-colonizados, ficou a perder: Os primeiros, porque nunca nenhum Governo os ressarciu dos prejuízos sofridos; os segundos, porque o desenvolvimento, praticamente, estagnou.
Entretanto, instalou-se a guerra civil entre os Movimentos ditos de Libertação. A destruição de bens como: infra-estrutura, serviços e projetos em curso, foi quase total. A morte de pessoas, inocentes e indefesas atingiu proporções alarmantes; durante mais de uma década, principalmente em Angola, Moçambique e Timor, o povo anónimo, padecia na pele o que nunca tinha sofrido durante a vigência do colonialismo, de resto, ainda hoje a miséria, a fome, o subdesenvolvimento, a violência, continuam a grassar nessas ex-colónias, para uma parte significativa das respetivas populações.
Por outro lado, os Portugueses, da então denominada Metrópole, começaram a ser perseguidos, saqueados e muitos foram mortos, porque cometeram os crimes de: serem colonos brancos; investirem o que venderam em Portugal; contribuírem para o desenvolvimento das colónias. As nossas Forças Armadas, cada vez tinham menos poder, acabando por se retirarem, digamos que à pressa, dos territórios coloniais, como que a fugirem para não serem massacradas, uma debandada que, em certas situações, teria sido humilhante.
O retorno à então Metrópole, dos civis nacionais e africanos, que desejaram vir, e tornarem-se portugueses, tinham esse direito, indiscutivelmente, foi uma vergonha, pese embora as “pontes aéreas” e a navegação marítima, que proporcionaram a fuga, quase desordenada, de centenas de milhares de pessoas, estimando-se que mais de meio milhão tenham sido obrigadas a fugir daquele “inferno” de guerra civil, saques e assassinatos.
Milhares de Portugueses, oriundos da Metrópole (Portugal Continental) venderam todos os seus bens que possuíam para investirem nas então províncias ultramarinas, porque governos irresponsáveis, demagógicos e prepotentes, afirmaram, ao longo dos séculos, que aqueles espaços eram território nacional, parte integrante de um alegado Império, que se desmoronaria como um castelo de areia.
Em boa verdade, os governantes tinham a obrigação de saber que, mais tarde ou mais cedo, Portugal seria pressionado a entregar as suas ditas colónias, aos povos que nelas nasceram e habitavam, de resto, isto mesmo já tinha acontecido com a independência do Brasil, em 07 de Setembro de 1822, porém, pacificamente, sem derrame de sangue, e sem que fosse necessário expulsar os Portugueses, pelo contrário, o povo Brasileiro, e muitos dos seus governantes, ainda acolheram milhares de Portugueses que desejavam fazer vida e futuro naquele país.
Outras grandes potências coloniais: Inglaterra, França, Espanha, Holanda, cedo verificaram que os territórios que também tinham ocupado, não lhes pertencia e, inteligentemente, concederam as respetivas autonomias, sem grandes conflitos. Portugal, nada aprendeu com os bons exemplos do passado e dessas potências.
Obviamente que se sabia que Portugal não tinha condições para: por um lado, manter um Império com territórios tão vastos, longínquos e distantes uns dos outros; por outro lado, as cúpulas dos Movimentos de Libertação, organizavam-se e lutavam pela autonomia, apoiados pelas grandes potências mundiais, como a Rússia e a América.
A independência dos povos africanos era, portanto, aos olhos do mundo democrático, justa, legítima e legal, para além de desejada pelos mais altos dirigentes, apesar do povo anónimo, ao que se julgava, não estar bem esclarecido quanto ao futuro que os poderia esperar e que, como se viria a verificar, foi de uma autêntica tragédia humana, social, económica e cultural.
Decorridos mais de quarenta anos, no que aos então rotulados de “Retornados” diz respeito, a sua integração no território nacional fez-se paulatinamente, com bastantes dificuldades para uns e, também, muitas facilidades para outros, em função das atividades que desempenhavam no alegado Ultramar, porque se verificou: a colocação de muitos, em bons empregos; a instalação de milhares de pessoas em hotéis e pensões; outros, junto com familiares, recebendo algum apoio monetário e, finalmente, havia aqueles que, devido à idade e a terem vendido tudo em Portugal, valeu-lhes a família e amigos.
Quanto aos africanos, que decidiram permanecer nas suas terras, a esmagadora maioria, não terá beneficiado, rigorosamente nada, com a descolonização e correspondente independência dos seus países. Os conflitos, mais ou menos latentes, entre os Movimentos de Libertação e altas individualidades, civis, políticas e militares continuaram, a miséria persistia em ser uma realidade, a subnutrição, a fome, o analfabetismo e o inerente obscurantismo, ainda grassam.
Tive a oportunidade de conhecer três países que foram colonizados por Portugal. Dois deles, detentores de imensas riquezas: petróleo, gás natural, ouro, diamantes, madeiras, produção agropecuária desenvolvida, contudo, o fosso entre os extremamente ricos e os imensamente pobres é, quase, infinito, inaceitável, injusto, imoral, provavelmente, ilegal.
É claro que sempre houve, em todo o mundo, e ao longo dos tempos: ricos, remediados e pobres, todavia, quando se faz uma revolução é para melhorar as condições e qualidade de via do povo, em todos os sentidos. Isso não se conseguiu, ainda, nas ex-colónias nem em Portugal.
No nosso país, um recanto tranquilo da Europa Ocidental, “à beira-mar plantado”, como dizia o Poeta, ainda há cerca de vinte por cento da população, a maioria, idosa, a viver no limiar da pobreza, com pensões e reformas equivalentes a menos de dez euros por dia, em milhares de situações, isto para não invocar as centenas de milhares de desempregados, sem quaisquer apoios, e as centenas de milhares de jovens e adultos que tiveram de emigrar.
Corresponderá toda esta situação, em Portugal e nas ex-colónias, aos projetos que os nossos “Capitães de Abril de 1974” e o Povo anónimo de então tanto desejavam e que acalentou esperanças na realização do programa apresentado à época: - “3-D’s”: Descolonizar, Democratizar e Desenvolver”. ? Continuemos, contudo, a acreditar que, mais tarde ou mais cedo, um “D. Sebastião” surja no horizonte, que, finalmente, as mulheres e os homens responsáveis pela condução dos países, sejam iluminados e lutem pelo bem-comum.
Acreditamos que a situação, em vários domínios da vida nacional, está a melhorar, substancialmente, com especial destaque a partir do ano de dois mil e dezasseis, porque, em boa e rigorosa verdade, as estatísticas com repercussões no tecido empresarial e social, têm vindo a revelar sinais de uma recuperação económico-financeira realista, que permitirá encarar o futuro com mais otimismo.


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo de Letras e Artes de Portugal





domingo, 14 de outubro de 2018

Filosofia e Ciências Humanas para os Direitos do Século XXI


No século XX (e já no primeiro quarto do século XXI), as questões de fundo, ao nível dos Direitos Humanos permanecem: violações permanentes, com maior ou menor gravidade, em todos os países. A Filosofia e as Ciências Exatas e/ou Positivas, (pelo menos algumas elas), ainda não encontraram as soluções eficazes para resolver situações que, em alguns pontos do globo, são verdadeiramente humilhantes.

 Regista-se, contudo, alguns avanços importantes, ao nível das Ciências Sociais e Humanas que, através da elaboração de grandes sistemas político-constitucionais, consegue-se captar a adesão das individualidades e governos poderosos, principalmente, quando constituídos por gerações preparadas para a dimensão axiológica do homem, naturalmente que incluindo-se aqui muitas e honrosas exceções, isto é, governos e responsáveis políticos que integram gerações mais velhas, mas sensibilizadas para estes valores que os Direitos Humanos transportam nas sociedades, humanisticamente, mais avançadas.
Na tradição filosófica tem havido uma tentativa de apropriação da herança dos Direitos do Homem, e discute-se a crise dos seus fundamentos. Apesar das críticas, a Filosofia dos Direitos do Homem tem vindo a ganhar terreno, muito embora, por vezes, desvirtuando os verdadeiros objetivos, na medida em que a ideologia tenta sempre anexar, principalmente quando lhe convém, a Filosofia dos Direitos do Homem, ou seja, fazer com que ela trabalhe para a consolidação de privilégios particulares.
Nesta ordem de ideias, Habermas, reconhecendo os perigos que resultam da subjetividade egoísta, do arbítrio e dos caprichos individualistas, estimula uma postura compatível com a modernidade, traduzida numa chamada ao primeiro plano, por intermédio da Filosofia dos Direitos do Homem, do respeito pelo indivíduo, enquanto suporte de uma atividade comunicacional.
A estrutura de direitos Habermasiana, contém os direitos que os cidadãos têm que se atribuir, e reconhecer-se, mutuamente, se quiserem regular legitimamente a sua convivência com os meios do direito positivo, para o que considera três categorias de direitos: «a) Direitos Fundamentais para as liberdades subjetivas da ação; b) Direitos Fundamentais para a associação voluntária da comunidade jurídica e c) Direitos Fundamentais para a proteção dos direitos individuais.» (Cf. HABERMAS, 1999).
Num outro contexto, que não o filosófico, o político, o direito, a religião, também se poderá abordar o respeito pelos Direitos Humanos: a religião, enquanto dimensão cultural do homem, porque o valor religioso é intrínseco ao valor da cidadania, e nenhum governo do mundo poderá ignorar esta vertente cultural dos cidadãos. Nesse sentido, os governos devem colaborar através de normas legislativas, pelo reconhecimento da cultura religiosa da sociedade, procurando o compromisso entre as minorias, a etnia maioritária e o próprio Estado.
Atualmente, a amplitude e variedade dos direitos humanos é de tal grandeza que não se pode ignorar os valores culturais, sociais, económicos e morais. São bem conhecidos os movimentos universais na defesa destes valores e que, frequentemente, têm modelado os estados democráticos.
Sempre houve lutas contra a exploração, contra a opressão, contra os privilégios no acesso aos bens da cultura e do espírito, contra todas as formas de injustiças e discriminações sociais.
A democracia política é o sistema de governo compatível com a dignidade e a liberdade do homem, o que implica: a) o primado dos direitos pessoais, civis e políticos do cidadão; b) a prática da soberania, enquanto expressão da vontade da maioria, no respeito pelos direitos fundamentais das minorias; c) a autonomia das autarquias regionais e locais.
No Estado Democrático Constitucional, o instrumento essencial, regulador dos grandes princípios, valores sobre direitos, liberdades e garantias é a Constituição do País. Portugal, o Brasil e muitos outros países possuem Constituições Políticas que consagram os mais avançados Direitos Humanos Naturais ou Absolutos bem como todo um conjunto de direitos de segunda e terceira gerações, todavia, o essencial é que sejam, efetivamente, assumidos e concedidos por quem tem a obrigação de fazer cumprir as Leis.

Bibliografia

HABERMAS Jürgen (1999) Direito e Moral, Dir. António Oliveira Cruz, Tradução, Sandra Lippert, Lisboa: Instituto Piaget.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo


domingo, 7 de outubro de 2018

Filosofia Lusitana nos Séculos XIX e XX


Para reflexão sobre a situação da filosofia portuguesa, do século XIX, e no quadro do sistema educativo, poder-se-á recorrer ao “Manual do Curso Elementar de Filosofia, para os Liceus”, da autoria de António Ribeiro da Costa, adotado em 1866. Outras publicações convêm ser consultadas, de entre as quais, se destacam: o “Compêndio da Filosofia Racional e Moral” de M. Pinheiro d’Almeida e Azevedo, publicado em 1872. Publicações que Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) viria a conhecer muito bem.
No Manual de Ribeiro da Costa, verifica-se a preocupação pelos direitos absolutos do homem, integrados na Filosofia do Direito, onde se estabelece o respetivo conceito que, sinteticamente, se pode descrever como sendo: «a ciência que expõe o complexo das condições dependentes da liberdade e necessárias para o conseguimento do fim do homem».
Posteriormente, o autor indica quais são os: «Direitos Absolutos: a) Personalidade, enquanto qualidade de pessoa e primeiro direito absoluto; b) Igualdade, como síntese de todas as qualidades da natureza humana; c) Liberdade, que consiste na inteligência e vontade de livremente o homem se determinar; d) Sociabilidade, fundada no sentimento de atracção dos homens por laços de benevolência, simpatia e amor.» (cf. COSTA, 1866)
Sobre estes direitos absolutos, o autor do Manual em apreço, esclarece que não precisam de prova para se fazerem valer perante os homens, e são iguais para todos, porque a natureza humana, na sua constituição original, também o é, além disso, são inalienáveis, porque o homem não os pode impedir.
Na transição do séc. XIX para o séc. XX, um outro pensador português manifesta preocupações que favorecem o respeito pelos Direitos Humanos. Trata-se de António Sérgio (1883-1969) e o seu programa de Educação Cívica e Cidadania. Tem-se conhecimento que António Sérgio não teria elaborado, de forma sistematizada e estruturada, uma teoria filosófica sobre o mundo e sobre o homem, mas isso não lhe retira mérito porque não se ignora que ele foi mais interveniente na sociedade, principalmente através da ação prática, e os grandes princípios do cooperativismo.
A sua obra: Educação Cívica, inegavelmente que muito contribui para a formação do homem no sentido da valorização e cumprimento de valores para os Direitos Humanos. Pela ação e pelo pensamento adquire-se um caráter ético. O núcleo forte da filosofia para a cidadania, em António Sérgio, encontra-se na Escola que ele considera o meio mais eficaz, desde que possua os instrumentos mais adequados: programas atualizados e coerentes; pedagogias e andragogias modernas; instalações bem dimensionadas; professores, educadores e formadores, sensibilizados para a crítica do conhecimento científico e técnico; dotados de espírito de humildade, para aprenderem com os alunos, educandos e formandos, respetivamente.
É interessante o prefácio de Vitorino Magalhães Godinho à obra de António Sérgio que se vem analisando: «A escola é uma cidade, laboratório, oficina, uma comunidade de trabalho.». A experiência do “Município Escolar” é bem elucidativa de como se pode (e talvez se deva) implementar uma Filosofia da Educação para os valores da cidadania e dos Direitos Humanos: «habituar a criança à acção municipal, à própria vida da cidade, ao exercício dos futuros direitos de soberania.».
De acordo com a informação recolhida por António Sérgio, sobre as vantagens da “Cidade Escolar”, em Cuba, retiram-se as seguintes opiniões: «a) Preparação no conhecimento dos deveres e exercício dos direitos dos cidadãos; b) Amor à verdade que é a virtude dos povos livres; c) Respeito às leis estabelecidas que regulam a ordem, principal actor em todas as colectividades organizadas.» (Cf. SÉRGIO, 1984).
Ainda segundo António Sérgio, este método de educação funda-se em alguns critérios e princípios de que se destacam: a ideia de que não se pode exercitar uma criança para um dever social, sem a tornar parte de uma vida em sociedade; o hábito escolar de obedecer a uma autoridade; o exemplo metódico do município-escolar, instala os estudantes nas reais condições da existência social; fomenta a intervenção habitual, considerada como um dever e ao professor compete-lhe entusiasmar os seus alunos por um ideal.

Bibliografia

COSTA, António Ribeiro da, (1866). Curso Elementar de Philosofia. 2a Ed. Porto: Typographia de António J. S. Teixeira.
SÉRGIO, António, (1974). Obras Completas: Ensaios, 1ª edição, Tomo VII, Lisboa: Sá da Costa.
SÉRGIO, António, (1976). Obras Completas: Ensaios, 2ª edição, Tomo I, Lisboa: Sá da Costa.
SÉRGIO, António, (1984). Educação Cívica. Lisboa: ICLP/ME.


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

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