Num mundo cada vez mais “pequeno”, mais
interdependente, mais global, ainda haverá lugar para os valores da cidadania,
da identidade nacional? E se afirmativo, tais valores devem ser reforçados
pelas comunidades nacionais? E a emigração, constituirá, ela mesma, o meio e o
fim para a melhoria da vida das pessoas que, no seu próprio país, não obtêm as
condições mínimas de sobrevivência humana digna, ou, pelo contrário, não estará
ao serviço da exploração dos mais desfavorecidos e desprotegidos, pelos
economicamente poderosos, como forma de aumentarem, ainda mais, a influência e o poder de uma
minoria, detentora dos meios de controlo mundiais? E quanto à identidade
nacional, será que ela é assim tão importante na qualidade de vida, na harmonia
e felicidade dos povos, ou, como diz o adágio: “A minha terra é onde eu vivo bem”, e a identidade ficará apenas
para as formalidades legais e burocráticas?
Analisemos então o tema em título neste trabalho,
no qual Habermas, ele, uma vez mais, nos dá a sua opinião, respeitável e
avalizada. «Os filósofos evitam a pressão
decisionista dos peritos legais e enquanto contemporâneos de ideias clássicas
que se estendem por mais de dois mil anos, não se embaraçam ao considerarem-se
participantes de uma conversa que durará para sempre. Por isso é muito
fascinante quando alguém como Charles Taylor tenta compreender as ideias do seu
próprio tempo e mostrar a relevância de critérios filosóficos para as prementes
questões políticas quotidianas.» (in: TAYLOR, 1998:152)
O nosso tempo, de facto: dadas as condições de
mobilidade por um lado; e uma certa liberdade de circulação, que em alguns
espaços não conhece restrições legais; por outro lado, é propício à deslocação
das pessoas, para lugares mais ou menos distantes das suas áreas de residência,
em busca de melhores condições de vida e, quantas vezes, procurando um local
onde livremente possam exprimir as suas ideias; e, ainda, por fim, no centro
destas situações, e possivelmente como tentativas de as resolver, está a
imigração.
Àquelas razões acrescem outras de natureza
religiosa, política, ideológica, estratégica e de domínio, que levam as pessoas
a emigrarem, e os problemas que aparente e inicialmente parecem resolvidos,
mais tarde, numa outra perspectiva, e com novas dimensões, voltam a surgir e,
frequentemente, conduzem ao êxodo de populações inteiras, grande parte das
vezes, em piores condições do que aquelas em que partiram dos países de origem.
Com efeito, verificamos que: «Depois das
revoltas na Europa Central e de Leste, há um outro tema presente na agenda da
Alemanha e da Comunidade Europeia: Imigração.» (Ibid.:153).
Todavia são conhecidas as
restrições que, sub-repticiamente os países vão implementando, no sentido de
evitar a entrada de estrangeiros, nos territórios nacionais, embora, pelos
tratados, livremente assinados, não o possam fazer, pelo menos no espaço
comunitário da União Europeia, tal como é referido na obra em análise: «Os países Europeus Ocidentais... irão fazer
o que puderem para impedir a imigração dos países do terceiro mundo. Para este
fim, irão garantir vistos de trabalho a pessoas com capacidades de relevância
imediata para a sociedade em casos altamente excepcionais apenas (jogadores de
futebol, especialistas americanos de software, estudantes da Índia, etc.). Irão
combinar uma política de entrada bastante restrita... (...). A conclusão é que
irão individual e conjuntamente usar todos os meios ao seu dispor para parar a
maré.» (D. J. Van de Kaa, “European Migration at the End of History”
in: TAYLOR, 1998:153).
Ocorre que parece não haver grandes dúvidas, que
esta política está a ser bem aceite nalguns meios, a que se vem juntar alguns
receios na Comunidade Europeia, e não só, aliás, os exemplos atuais, do
terrorismo fanatizado, infelizmente, são exaustivos à saciedade - Alemanha,
Inglaterra, França, Espanha, Portugal, África, América, Indonésia, etc., mas
não só neste âmbito.
Na relação que deve existir entre imigração e
cidadania, voltemos a dar a palavra a Habermas: «Da perspectiva da sociedade recipiente, o problema da imigração
levanta a questão das condições de entrada legítimas. (...) podemos pôr em
evidência o acto de naturalização, com o qual todo o estado controla a expansão
da comunidade política definida pelos direitos da cidadania. Sob que condições
pode o Estado negar cidadania aqueles que podem reivindicar naturalização?
(...) em que medida um estado democrático constitucional pode exigir que os
imigrantes assimilem de modo a manterem a integridade do modo de vida dos seus
cidadãos. Filosoficamente, podemos distinguir dois tipos de assimilação:
a) Assimilação dos princípios da constituição: Aceitação dos princípios
da constituição dentro do escopo de interpretação determinado pelo
auto-entendimento ético-político dos cidadãos e pela cultura política do país;
noutras palavras, assimilação do modo no qual a autonomia dos cidadãos é
institucionalizada na sociedade recipiente e o modo como o uso público da razão
é aqui praticado.
b) Assimilação pela vontade de se tornar aculturado: O nível seguinte de
vontade de se tornar aculturado, isto é, não só de se conformar externamente,
mas de se habituar ao modo de vida, às praticas e culturas da vida local. Isso
significa uma cultura que penetre ao nível da integração ético-cultural e, por
isso, tenha um impacto mais profundo na identidade colectiva da cultura de
origem dos emigrantes do que a socialização política exige acima.» (in: TAYLOR, 1998:155).
Sabemos que o
engenho do ser humano tem recursos imensos e, no caso português, quase diríamos
ilimitados, no que se refere às faculdades de adaptação a novas situações,
contudo, a maioria, muito embora se adaptando, principalmente à língua, nos
restantes aspetos e principalmente os emigrantes de primeira geração, continua
a praticar os seus hábitos da cultura de origem, não parecendo, por isso mesmo,
correto que o estado recipiente obrigue a uma aculturação não desejada e, neste sentido, uma vez mais Habermas diz-nos
que:
«Um estado democrático constitucional que é sério sobre a separação
destes dois níveis de integração só pode exigir dos imigrantes a socialização
política (a) descrita acima (e podemos esperar que isto aconteça apenas na
Segunda geração). (...) De acordo com isto, tudo o que se espera dos imigrantes
é a vontade de entrarem na nova política da sua nova pátria, sem terem de
desistir da sua forma de vida cultural anterior ao assim agirem. O direito à
auto-determinação democrática inclui de facto o direito dos cidadãos de
insistirem no carácter inclusivo da sua própria cultura política; salvaguarda a
sociedade do perigo da segmentação - de exclusão das subculturas estranhas e de
uma desintegração separatista em subculturas não relacionadas.» (Ibid.:156).
Temos vindo a abordar o problema da imigração, que
é um fenómeno humano milenar, e analisamos as condições que levam as pessoas a
emigrarem, bem como as situações legais que têm de enfrentar nos países
recipientes, no que respeita à permanência e naturalização, sabendo-se que a
legislação mundial não é uniforme e que, muito embora o sendo no espaço
comunitário da União Europeia, os direitos dos imigrantes não são absolutamente
respeitados por alguns países, seja por responsabilidade da esfera pública
governamental, seja pelos interesses económicos da esfera privada.
No entanto uma outra questão se coloca: Quem tem o
direito de emigrar? Novamente recorremos ao nosso autor de referência, para
colhermos a sua opinião: «Há boas razões
morais para o direito legal individual ou asilo político (...) que devem ser
interpretados relativamente à protecção da dignidade humana... (...).
Considera-se uma pessoa refugiada aquela que foge de um país onde a sua vida ou
liberdade estivesse ameaçada devido à raça, religião, nacionalidade, membro de
um grupo especial específico ou de uma opinião política. (...) esta definição
precisa de ser alargada de um modo a incluir a protecção das mulheres contra as
violações. (...). É contra a imigração das regiões Leste e Sul depauperadas que
o chauvinismo europeu se está agora a armar.» (Ibid.:157).
É crível que as pessoas não abandonam as suas terras
por prazer, antes o fazem quando carecem de auxílio, qualquer que seja a
natureza deste. Isto acontece num fluxo migratório que ocorre em dois sentidos,
ou seja: os que saem dos seus países, para outros países, e destes para os
primeiros, de tal forma que existe como que uma troca, logo, deverá
implementar-se uma atitude de reciprocidade.
«A obrigação de fornecer ajuda surge das crescentes interdependências de
uma sociedade global que se tornou tão confusa através do mercado mundial
capitalista... (...) seguidamente, desenvolvem-se deveres especiais sobre o
Primeiro Mundo como resultado da história da colonização e do extermínio das
culturas regionais devido à incursão da modernização capitalista. (...). Estas
e outras questões morais relacionadas que poderiam ser dadas não justificam,
seguramente, a garantia de direitos individuais legais accionáveis para a
imigração, mas justificam a obrigação de ter uma política de imigração liberal.
(...) A base legal para uma política de imigração liberal também dá origem a
uma obrigação de não limitar as quotas de imigração às necessidades económicas
do país recipiente, isto é, de receber com agrado os peritos técnicos, mas de
estabelecer quotas de acordo com os critérios aceitáveis da perspectiva de
todas as partes envolvidas.» (Ibid.:158-59).
Chegados a este ponto, as interrogações
avolumam-se, designadamente quanto aos critérios para que o imigrante seja
considerado, no país recipiente, um cidadão no pleno uso dos direitos e deveres
da cidadania, como o indivíduo natural do país de acolhimento? Qual o papel da
Democracia, admitindo-se que esta é suportada pelo debate de opiniões, que
mudam frequentemente e, considerando que não existem maiorias ou minorias
permanentes no debate democrático, porque elas alteram-se com relativa
facilidade, à medida que a sociedade muda, e que outros assuntos e temas se
intrometem no debate.
HABERMAS,
Jürgen, (1998). “Facticidad y Validez”, Madrid: Editorial Trotta
TAYLOR, Charles, (1998). Multiculturalismo, ed. Amy Guttman,
Tradução, Marta Machado. Lisboa: Instituto Piaget.
“NÃO, à violência das armas; SIM, ao diálogo criativo. As Regras
são simples, para se obter a PAZ”
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Venade/Caminha
– Portugal, 2023
Com
o protesto da minha permanente GRATIDÃO
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente
do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
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