É importante iniciar esta reflexão, com um significado, entre
muitos outros, de Ética: «Ética, como um conceito, diferencia-se
da moral pois, enquanto esta se fundamenta na
obediência a costumes e hábitos recebidos, a ética, ao contrário, busca fundamentar as ações morais
exclusivamente pela razão.[ A
ética também não deve ser confundida com a lei, embora
com certa frequência a lei tenha como base princípios éticos. Ao contrário do
que ocorre com a lei, nenhum indivíduo pode ser compelido, pelo Estado ou por
outros indivíduos, a cumprir as normas éticas, nem sofrer qualquer sanção pela
desobediência a estas; por outro lado, a lei pode ser omissa quanto a questões
abrangidas no escopo da ética.» (in: https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89tica )
Exprime, ainda, modo
habitual de agir, caráter. Ética e moral são, então, depois da etimologia, de
aceção equivalente, e isto porque sob a sua forma substantiva feminina, estas
palavras são, muitas vezes, tomadas uma pela outra.
Diz-se, indiferentemente,
a Ética ou a Moral para designar o que nós podemos, provisoriamente, definir
como: “Ciência ou Filosofia da Ação
Humana”. Nos nossos dias, no entanto, nós vemos muito, sobretudo no mundo
anglo-saxónico, introduzirem entre os dois termos uma distinção.
Pode-se crer que,
falando-se de Ética, subentende-se o substantivo - Ciência ou Filosofia -.
Historicamente, isto será falso, porque Ética através do latim Éthica, liga-se
ao plural neutro, o que concerne os costumes que Aristóteles (ou o seu editor)
deu como título às suas duas grandes obras morais: “Ética a Eudeme” e “Ética a Nicómaco”.
O equivalente em latim
seria “Morália” (título dado por S. Gregório, o Grande, aos seus célebres
comentários sobre o livro de Job). Transcrita em latim, a palavra Ética, como
as palavras física, metafísica, política, têm primeiro conservado o seu valor
de plural, para, depois, ter sido analisada como um feminino e é como feminino
que deu o francês “Éthique”.
Igualmente, pode-se tomar
que: Ciência ou Filosofia da Ação Humana, a palavra ação deve tomar-se no seu
sentido estrito correspondente ao aristoteliano, enquanto que distinto, por sua
vez da especulação e do fazer (atividade artística e técnica, produção do
objeto, transformação do meio).
O que compete do ponto de
vista da arte, ou da técnica, é que a obra seja bem executada: que a estátua
seja bela, que a mesa tenha por baixo os pés, que o avião voe -. O agente e o
seu ato não têm interesse relativamente à obra. É a eles, ao contrário e mais
precisamente ao agente, considerado através do seu ato, que a Ética se
interessa em primeiro lugar.
Apoiando-nos na
etimologia, poderíamos, então, e desde já, chamar (ciência) Ética ou Moral, à
simples descrição dos modos ou hábitos de agir: seja de homens em geral; seja
de uma sociedade determinada. E, de fato, naqueles que nós olhamos como os
grandes moralistas, Aristóteles, seu discípulo Teofrasto e o moderno imitador
deste último, La Bruyére – esta descrição tem um grande lugar.
(Jean de La BRUYÈRE, 1645-1696. É um moralista francês. É famoso por
uma única obra, dos personagens ou
costumes do século - Les Caractères ou les Mœurs de ce
siècle.1688).
Com o auxílio de métodos
mais aperfeiçoados, e numa atitude de neutralidade, que exclui todo o
julgamento de valor, ele prosseguiu nos nossos dias sobre o plano da
fenomenologia, da caraterologia, da sociologia, entre outros.
Mas a Ética deve
apoiar-se assim? Certamente o pensam, mas exatamente à velha Ética, teórica e
normativa, que segundo aqueles não pode trazer uma certeza cientifica, eles
queriam substituir uma ciência de hábitos, que considerava o fato moral, à
maneira dos outros fatos sociais, descrevia os costumes, os julgamentos e
sentimentos morais próprios, às diferentes sociedades e determinava as leis da
sua aparição, do seu desenvolvimento, da sua evolução, o seu desaparecimento,
como a ciência o faz para os fenómenos físicos, tal é a posição de LEVY-BRUL
na: “A Moral e a Ciência dos Hábitos”,
Paris:1903. (Lucien LÉVY-BRÜHL, 1857-1939 foi um estudioso francês formado em Filosofia, que fez contribuições para os campos de brotamento da sociologia e da etnologia).
Segundo
este autor, falar de ciência normativa é contradizer-se. A ciência enuncia o
que é, não o que deve ser. A ciência, por definição, não tem outra função que
não seja conhecer o que é. Ela não é, e não pode ser o resultado da aplicação
metódica do espírito humano, a uma porção, ou aspetos da realidade dada.
Ela
aspira e tende para a descoberta das leis que regulam os fenómenos. Tais são as
matemáticas, a astronomia, a física, a biologia, a filologia, entre outras. A
moral teórica propõe-se um objeto, essencialmente diferente. Ela é, por
essência, legislativa. Ela não tem por função o conhecer, mas o prescrever. A
Ética, assim compreendida, não pode, então, segundo Levy-Bruhl, ser uma
ciência.
Por
outro lado, muitos, hoje, entre as contínuas análises linguísticas, não querem
ver na Ética, ou na Filosofia Moral, se não uma lógica do discurso moral. São
listas a reduzir, a definir os termos ou conceitos morais (bem, mal, justo,
direito, dever), a determinar as suas relações, seja entre aqueles, seja com os
termos ou conceitos não morais, a codificar as regras do seu uso correto,
distinguindo os casos onde eles conservam a sua significação, propriamente moral,
daqueles onde eles não têm se não uma significação não moral, ou nenhuma
significação do todo.
Uma
Ética, assim entendida, nada pode prescrever dum modo absoluto, mas somente
mostrar que tal prescrição particular é coerente, ou não, com os princípios ou valores
de base, reconhecidos pelo indivíduo. Mas depende de cada um escolher tal
sistema de valores, de preferência a tal outro e, sobre esta escolha, a
Filosofia Moral nada tem a dizer.
O
caráter normativo, prático, no pleno sentido da palavra, de suas conclusões. A
Ética é normativa, não como a lógica pelo que olha de bom pelo funcionamento do
pensamento, mas pelo que olha de bom andamento da vida, a orientação direita da
existência.
Ela é
uma ciência prática, não somente porque ela trata da praxis humana, mas porque
ela visa a dirigi-la. Não basta aos moralistas descrever os hábitos, ou
costumes: Entendem-os, julgam-os e retificam-os. Eles propõem as regras, os
avisos, os conselhos, os preceitos para mostrar aos homens o caminho do “Bem
Viver” e os comprometer. Mas isto pode-se entender de dois modos:
a)
Pode-se pensar numa arte de viver, numa técnica da felicidade (individual ou
social). Tal é, “grosso modo”, a
conceção antiga da Filosofia Moral, toda orientada para o soberano bem, cuja
possessão conduza o homem à felicidade.
Que seja
uma técnica da felicidade, é admitido por ela mesma, que definissem de outra
maneira a Filosofia Moral. Assim Levy-Bruhl vai na ciência dos costumes, o
fundamento sobre o qual poderá, um dia, constituir-se uma arte moral, capaz de
indicar o que é preciso fazer para assegurar a saúde, e o melhor ser da
sociedade. E estes, que não vêm na Ética se não, uma espécie de lógica, são os
primeiros a proclamarem a sua utilidade, para a solução dos problemas da vida;
b) Mas a
ciência do “Bem Viver”, pode ser, igualmente, compreendida como a ciência que
convém ao Homem: “Bem Viver”, neste caso, não significa, viver feliz, mas,
viver como é preciso. Vivendo bem, o Homem merece a estima, o louvor, a
aprovação; vivendo mal, fazendo o que não convém, ele merece a censura.
Uma tal
Ética não dirá: “Age de tal modo se queres ser feliz (ou, pois que tu podes ser
feliz), mas age de tal maneira se queres viver como homem (e tu deves viver
como homem).
Esta
conceção da moral não era desconhecida dos antigos: Platão, Aristóteles, os
estoicos, falavam várias vezes do que convinha, ou não convinha, ao homem, das
condutas conformes ou contrárias à razão, do que é preciso fazer ou evitar.
Devemos reconhecer sempre que a necessidade objetiva do bem, o dever de o
realizar, interessam menos aos pensadores, que são caráter amável e desejável
ao ponto que a Ética deles parece, muitas vezes, tornar a uma estética da vida
moral, confusão favorecida pela estreita afinidade, para a mentalidade
helénica, noções de bom e de belo.
Pode
dizer-se que no tempo dos antigos, a obrigação é antes vivida como um dado da
experiência ético-religiosa, que cientificamente desenvolvida. Ela fica, em
geral, sob o plano da expressão popular, ou da interpretação mítica, e não
intervém muito na sistematização racional da moral. Esta ideia, ao contrário,
tem um grande lugar nas teorias elaboradas sobre a influência, direta ou não,
do cristianismo e, em particular, na Ética Kantiana, donde é a noção-chave.
Estas
duas conceções da moral não se excluem nem anulam. À priori, nada impede que
uma vida conforme o ideal do homem seja, também, para ele, o caminho e o único
caminho da felicidade, e de fato nos mostremos – reencontrando nesta afirmação
espontânea a consciência comum – que isso é bem, assim de forma que um dos dois
aspetos da Ética, não pode ser adequadamente do outro.
Verificaríamos,
comodamente, isso considerando as grandes doutrinas morais. A dos escolásticos,
por exemplo, e nomeadamente a de S. Tomás que se apresenta de ordinariamente
como uma Ética da beatitude, mas ela inclui uma Ética de obrigação. E, por seu
lado, a Ética Kantiana acaba por reintroduzir, como elemento de soberano bem, a
ideia de felicidade.
Vemos
que a definição de Ética, por pouco que ela queira sair das generalidades
vagas, depende, parcialmente, menos da maneira como são abordados e resolvidos
os problemas morais. Isto é dizer que a nossa própria definição não se
justificará, plenamente, se não no desenvolvimento do nosso tratado.
De saída
ela está de qualquer maneira postulada. Admitamos, então, que a Ética é uma
ciência normativa das ações, e para lá da existência humana – normativa no
segundo sentido, não do modo de uma arte de viver feliz, mas contanto que ela
comporte uma regra válida para si, um dever propriamente dito, uma obrigação
absoluta ou categórica (sem pretender, todavia, que esta obrigação seja
elemento essencial da moralidade).
Numa Ética assim entendida, a matéria é mais
determinada, mais restrita do que se procedesse simplesmente de uma descrição
dos costumes, ou de uma técnica da vida feliz, segundo a nossa definição. Com
efeito a ação é considerada sob um aspeto mais subjetivo, ou melhor, pessoal.
Como procedendo da vontade livre.
Este caráter não teria tanta importância, no caso,
por exemplo, duma arte de viver feliz, porque ele não está excluído dum ato
posto sem advertência, sem decisão livre, colhido pelo seu conteúdo material,
favorecer a felicidade e colocar obstáculos. Um sonâmbulo pode mordiscar-se,
como pode também, por uma sugestão oportuna, executar uma ginástica salutar,
para a qual a coragem lhe faltou no estado de velho, ou se desfez de um hábito
nocivo à sua saúde.
Uma Ética da felicidade parece, então, à primeira
vista, menos conciliável com a negação da liberdade, a história nos diz que
este acordo verificou-se muitas vezes. Pela mesma razão uma Ética da felicidade
se mostrará, por vezes, pouco suscetível, sob o respeito da autonomia pessoal.
Ela crera entregar aos homens um bom ofício,
determinando-lhes o lugar nos caminhos da felicidade, e neles impelirem a força
se eles são bastante tolos para, de modo algum, se comprometerem eles mesmos.
Lá, ao contrário, onde colocamos a obrigação, é preciso pousar, também, a
liberdade, sem a qual aquela não tem sentido.
Por outras palavras, a Ética, tal como nós a
entendemos, não considera os atos postos pelos homens, no entanto eles procedem
deles, lhes pertencem, que eles são sentidos dum modo qualquer, mas, todavia,
que são postos por eles, segundo o modo de agir, próprio ao homem e que o
distingue de todos os outros seres da nossa experiência, isto é, o mesmo que
dizer, com advertência e liberdade, como vamos ver, no entanto eles são, no
pleno sentido da palavra, atos humanos.
A nossa
definição da filosofia moral, para ser completa, requere uma última precisão.
Na maior parte dos homens as prescrições morais revestem, também, um caráter
religioso. Elas são consideradas como intimações da divindade. O seu
conhecimento é, muitas vezes, atribuído a uma revelação divina.
No que
respeita a filósofos, nós admitimos, sem hesitar, que uma tal comunicação é
possível, muito mais, que ela é altamente desejável. No que respeita aos
cristãos, nós sabemos e cremos que ela se realizou.
Portanto,
a Ética Filosófica, precisamente no que respeita à Filosofia, não considera a
realidade moral tal que a revelação nos fá-la conhecer, mas tal que ela se
apresente pela razão, usando a sua luz natural, tal que a razão pode
escrevê-la, interpretá-la, reconhecer, e em justificar as exigências. Isso
cria, algures, um problema do qual nos vamos ocupar, entretanto.
Nós
diremos, então, para ser completos, que a Ética é a ciência categoricamente
normativa dos atos humanos, segundo a luz natural da razão. O caráter racional
da Ética não significa, de modo nenhum, que ela deve proceder de um modo
racional e laico, ignorando, sistematicamente, o fato religioso e nada mais,
que ela seja sem interesse para a formação do espírito cristão.
Pelo
contrário, a Ética como as outras disciplinas filosóficas, é assumida na
síntese da fé, contanto que ela estude estruturas, e exigências essenciais ao
homem que, porque fundamentais, moram na ordem cristã, e funda a possibilidade
de um reencontro e um diálogo com os de fora. A Filosofia entregará tanto mais
serviços à fé que ela seria mais autêntica, racional, mais recíproca, todas as
coisas iguais algures, a filosofia perceberá tanto melhor as exigências
profundas da razão que ela será mais cristã.
Venade/Caminha/Portugal,
2019
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente
do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
Blog
Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
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