domingo, 23 de fevereiro de 2020

A Ética do Poder

As solicitações que se colocam a cada pessoa, em todos os contextos em que ela se movimenta, são cada vez mais exigentes, pressupõem uma permanente atualização, nos domínios em que são necessários ao bom desempenho das tarefas inerentes aos diversos papéis, que cada uma é chamada a desempenhar.
E se, por um lado: a relação pessoa-máquina já é difícil, devido à tecnologia cada vez mais sofisticada e multifuncional, obrigando, inclusivamente, a uma formação específica e constantes aperfeiçoamentos, atualizações e especializações; por outro lado, o relacionamento interpessoal torna-se, extremamente, complexo, na medida em que a pessoa humana, para além da componente física, visível e relativamente conhecida, tem uma outra dimensão, inefável, que se pode designar, para uma compreensão simplificada, por psíquica, consciência, espírito ou alma.
A formação da pessoa humana é, portanto, muito exigente, postula uma aprendizagem ao longo da vida, e que nunca ficará concluída, no sentido de relacionar-se com os seus pares, de forma rigorosa e infalível, pela simples razão de que não há duas pessoas exatamente iguais. Por enquanto existem contrariedades que são difíceis de superar, desde logo, porque há uma grande diversidade de conceitos sobre uma hierarquia axiológica, a sua importância e necessidade.
Com efeito, cada pessoa tem uma noção diferente sobre determinados valores, que regem a sociedade nas suas múltiplas facetas e estruturas. O elevado grau de subjetividade que persiste, na avaliação de alguns cânones, dificulta: por um lado, o relacionamento interpessoal; mas também se pode considerar uma análise positiva, justamente, a partir da diferença de conceitos, que talvez conduza a uma perspectiva, eventualmente, mais adequada à sociedade contemporânea.
O ser humano, aliás, tal como muitos outros animais, busca, ao longo da vida, várias situações, designadamente, aquelas que de alguma forma lhe permitem exercer autoridade, poder, influência sobre os seus semelhantes e, até, sobre os restantes constituintes da natureza.
Mas poder significa, principalmente, liderança, porque só se exerce o poder sobre alguém que, voluntária, ou obrigatoriamente, obedece, deixa-se conduzir, aceita as ordens e sanções: positivas ou negativas. De facto, “quem lidera, pode”.
O poder desenvolve-se, com mais destaque, nas pessoas que, de alguma forma, exercem um cargo, seja de que natureza for que, como é sabido: «O mais conhecido poder de posição é o poder do cargo, outorgado a alguém assim que assume determinadas responsabilidades, numa organização. É o poder instituído, convencionado a um cargo específico, referendado diariamente em todos os atos formais na estrutura organizacional.» (ARAÚJO, 1999:94).
 É indiscutível que, para se exercer o poder, é necessária uma preparação muito específica e rigorosa, de resto, até se pode ter em atenção o que rezam alguns aforismos populares: “Nunca sirvas a quem serviu, nem peças a quem pediu”; “Quem não sabe obedecer, não sabe mandar”, “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Portanto, poder e obediência, ou vice-versa, são situações complementares, e não será benéfico que sejam entendidas como adversárias porque, estas sim, conduzem ao conflito.
Na relação interpessoal o poder, ainda que sob a forma tácita, está presente, ou então sob uma qualquer outra dimensão: moral, religiosa, política, técnica, científica, económica, empresarial, profissional, paternal, entre outras. Há sempre uma parte que tem mais poder, evidentemente, num contexto de estatutos: socioprofissional, político, religioso, cultural, ou qualquer outro, porque enquanto pessoas humanas, não poderá haver qualquer superioridade: «Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei» (CRP, 2004, Artº 13º, nº 1).
Qualquer líder que se preze de exercer o poder, seja qual for, por exemplo: democrático, político, militar, religioso, empresarial, docente, económico, entre outros, sempre que os seus liderados têm sucesso, numa determina ação, todo o mérito deverá ser atribuído a eles, que devem ser elogiados; todavia, em caso de fracasso, o líder deverá saber tomar a atitude correta, porque: «Assumir a responsabilidade é tomar para si o controlo de determinada situação, comprometendo-se com o seu resultado. É muito saudável e vital para relações que se pretendem produtivas.» (ARAÚJO, 1999:100).
O exercício do poder não envolve, apenas, determinadas caraterísticas, tais como liderança democrática, prudência, sabedoria, humildade e sentido de justiça. O poder também exerce influência nos sentimentos, quer do líder e, principalmente, dos liderados, na medida em que: «Os sentimentos e, em especial, o medo interferem muito na relação de poder e no desempenho. Sentimentos de frustração, vitória, incapacidade, confiança, humilhação ou reconhecimento estão profundamente conectados com a disposição de enfrentar obstáculos e desafios.» (Ibid.).
O exercício do poder democrático, em qualquer organização, deve obedecer a uma Ética própria, por forma a, em circunstância alguma, humilhar. É importante assumir uma Ética do poder, e para isso é preciso merecer o poder, e não o conquistar a qualquer preço, porque, realmente: «Poder, reconhecimento e respeito se conquistam por merecimento. Não vem de graça. São os comportamentos, as ações do dia-a-dia que demonstram quando somos confiáveis, quando merecemos – de facto – o poder que está nos sendo atribuído.» Ibid:173).
O exercício do poder, com Ética, implica, ainda, a exigência de cada pessoa se conhecer a si própria, saber escutar-se e ouvir atentamente o tribunal da sua consciência. As razões que cada pessoa apresenta para justificar as suas atitudes, têm de ser escutadas porque: «Ao escutarmos os outros, descobrimo-nos a nós mesmos como seres singulares, distintos, dotados de ideias próprias e capazes de delimitar fronteiras e espaços de convergência com o outro.» (TORRALBA, 2010:182).
A tentação do exercício do “poder-pelo-poder” é uma caraterística do ser humano, todavia, é essencial que também haja um esforço de grande humildade, de gratidão para com aquelas pessoas sobre quem se exerce algum tipo de poder, porque líderes e liderados são uma única dimensão do poder: uns não existem sem os outros. O apreço deve ser sempre recíproco.
A estima e consideração mútuas; a gratidão e a solidariedade; a amizade e a lealdade; a cumplicidade e a humildade; a reciprocidade e a entreajuda, serão, talvez, os melhores ingredientes para que desta relação, entre líder e liderado, frutifique bons e duradouros resultados, entre as pessoas que, realmente, se querem bem, independentemente dos estatutos que tenham na vida.
A amizade sincera e incondicional, quando for possível e desejável pelas partes, deverá ser o núcleo duro das relações entre as pessoas, independentemente dos cargos e situações que detenham na sociedade. Assumida uma amizade pura, entre duas pessoas, tudo o resto decorre com alegria e felicidade, com aceitação da crítica justa, amiga, corretora, sempre no sentido do aperfeiçoamento.

Bibliografia

ARAUJO, Ane (1999). Coach: Um parceiro para o seu sucesso. 6ª Ed. São Paulo: Editora Gente
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, (2004), Versão de 2004. Porto: Porto Editora.
TORRALBA, Francesc, (2010). A Arte de Saber Escutar. Trad. António Manuel Venda. Lisboa: Guerra e Paz, Editores S.A.


Venade/Caminha – Portugal, 2020

Com o protesto da minha perene GRATIDÃO

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

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