domingo, 21 de junho de 2020

Ensino para a Renovação, com Poder e Obrigação

Neste primeiro quarto do século XXI tem-se verificado algumas evidências que podem explicar, em parte, a situação mundial de permanente conflitualidade, possivelmente, a um exacerbar dos diversos individualismos e egoísmos que, por sua vez, não serão alheios aos sistemas político-educativos vigentes, nos últimos 30/40 anos, fundados em alguns novos valores materiais e esquecimento, preconceituoso, daqueles que, secularmente, vinham sendo ensinados e transmitidos.
 Uma educação, com objetivos técnico-científicos, justificada pela necessidade do saber-fazer que não foi, equitativamente, acompanhada pelos desígnios axiológicos, ético-morais do Saber-ser e do Saber-estar. Optou-se por uma educação para a mudança tecnológica, para uma sociedade do conhecimento, da informação e do consumo, certamente, muito importante, mas relativamente empobrecida pela pouca insistência e relevância dos domínios humanísticos e clássicos.
A educação e formação profissional que hoje for ministrada às crianças, adolescentes e jovens, serão responsáveis pelo que no futuro venha a acontecer, quando estas gerações ocuparem os diversos poderes de decisão, porque: «A cultura de individualismo é uma fonte de preocupações para a experiência escolar dos alunos, para a sua satisfação com a mesma e para a vontade de continuar. É, também, uma preocupação a longo prazo, antecipando-se o tipo de adultos em que se podem tornar estes estudantes isolados e individualistas. Farão parte de uma “geração eu” futura – individualista, materialista, hedonista e autocentrada.» (HARGREAVES, EARL & RYAN, 2001:48).
E se por um lado, a educação para a mudança, que se deseja e se considera inadiável, deverá incluir a família, como o primeiro e grande agente socializador da criança, porque é na família que ela vai adquirir os primeiros hábitos, regras, valores, comportamentos e, desejavelmente, um Saber-estar e um Saber-ser, na vida;
 Por outro lado, coloca-se, entretanto, a grave situação em que a instituição familiar vem mergulhando, desde há várias décadas. Por razões várias, a família nuclear – pai, mãe, filhos – cada vez se dissolve mais rapidamente, ou nem sequer chega a constituir-se, sendo substituída pelas famílias monoparentais e pelas uniões de facto.
As famílias nucleares, que ainda se mantêm completas e coesas, comungando objetivos comuns de segurança, afetividade, alimentação, parentesco, solidariedade e união amorosa, por sua vez, muitas delas, não estão suficientemente preparadas para darem uma educação compatível com a mudança que se preconiza.
Igualmente se deve considerar, ainda, o exercício da autoridade no seio da família, a qual também terá sido bastante enfraquecida, não tanto pela partilha de tarefas entre os cônjuges, talvez mais porque a ocupação dos pais e encarregados de educação os obrigam a longas ausências perante os filhos, procurando, depois, compensá-los com um conjunto de facilidades e objetos do gosto das crianças, reduzindo, muito, até por uma questão moral, a imposição de determinados valores, princípios e regras, o que prejudica o exercício da autoridade.
A alegada infalibilidade da ciência e da técnica; a tão propalada insubstituabilidade destes domínios; um certo preconceito de superioridade reinante em algumas comunidades, dificultam a urgente interdisciplinaridade entre ciência, técnica, conhecimentos abstratos, subjetividade de análises e posições, quando, em boa verdade, não parece existir incompatibilidade entre aqueles domínios.
O princípio a partir do qual todos devem trabalhar é considerar que a pessoa humana é um todo, indivisível, único, irrepetível e não uma qualquer máquina, composta por várias peças, comandadas à distância e programada para determinadas tarefas, num tempo previamente fixado. É esta mudança que urge introduzir na educação das crianças, dos adolescentes, dos jovens, dos adultos e até dos mais idosos.
Uma educação para a mudança, em termos de valores que jamais deveriam ter sido esquecidos, como a Autoridade. O exercício da Autoridade permite criar e manter um clima de segurança, de confiança e de proteção.
Autoridade também na execução de funções profissionais, enquanto sinónimo de competência, de conhecimento, de eficácia na obtenção de resultados. Autoridade, ainda, como cidadãos, membros de instituições, a começar na instituição mais antiga e importante: a família, mesmo com todas as dificuldades que ela atravessa.
O exercício da autoridade dos pais não anula a autoridade dos filhos, porque o cumprimento dos deveres de uns equivale à fruição dos direitos dos outros. Com efeito: «Para poderem cumprir dignamente esta difícil tarefa, os pais têm de fazer sentir a sua autoridade amorosa, obrigando os filhos a comportarem-se de certa maneira, impondo-lhes determinados princípios de actuação ou submetendo-os a uma vida disciplinada. Todavia, se se deve fazer sentir a autoridade paterna e materna, esta não se pode considerar como um peso que esmaga ou abafa a personalidade infantil ou que estrangula o espírito de iniciativa e a confiança em si mesmo.» (ALVES, 1991:9).
Educar crianças com autoridade significa incutir-lhes, simultaneamente, um outro valor que é o Respeito. A autoridade dos pais, exercida com tolerância e firmeza, amor e disciplina, liberdade e obediência, contribuirá para, no futuro, aquela criança saber exercer, quando adulta, este valor superior, com idênticos parâmetros, em quaisquer papéis que vier a desempenhar, sabendo sempre colocar-se na posição que lhe compete, sem usurpar os direitos dos seus semelhantes.
A criança que hoje se construir será o adulto que amanhã governará o mundo, por isso, todo o investimento será pouco para a mudança que se impõe, para uma nova família, uma nova escola, uma nova sociedade.
Tudo passará pela educação integral, assumindo-se a pessoa como a entidade mais importante entre todos os seres existentes neste planeta. Aos educadores das crianças de hoje pede-se-lhes que as preparem para a mudança, com autoridade nas técnicas, nas estratégias e nas avaliações, com responsabilidade, moderação e generosidade
No futuro exigir-se-á, não só uma especialização, mas o desenvolvimento de muitas outras capacidades e competências, que completam a pessoa em toda a sua dignidade, de resto, uma preocupação que não é de hoje, mas que, na prática, parece não ter, ainda, produzido resultados que ajudem a construir um mundo melhor.
As crianças e também os educadores, devem ser orientados para: «Princípios, técnicas, conhecimentos, métodos de análise e de solução de problemas, interpretação dos resultados e enunciado correcto das respostas com projecto de colocá-las em aplicação implicando, por sua vez, em reflexão, tais as capacidades gerais a particularizar de acordo com os imperativos da mudança.» (BONBOIR, 1977:188).
A responsabilidade de educadores, professores e formadores é imensa e não há mais tempo a perder. Naturalmente que as primeiras medidas ao nível legislativo, recursos humanos, financeiros e infraestruturas competem aos poderes constituídos ao nível do aparelho do Estado, em cuja composição devem ter lugar, e voz ativa, todos os representantes do sistema educativo-formativo.
Educar para a mudança, com responsabilidade, significa inclusão de toda a sociedade, cabendo, porém, aos decisores e aos executores, promoverem uma política que, estrategicamente, prepare as crianças atuais (e também adolescentes e jovens), para, quando assumirem a cidadania plena, estarem dotadas de todas as capacidades e competências que as tornem melhores profissionais, governantes e cidadãos do que as gerações que as precederam e que têm vindo a ocupar os vários poderes, nas diversas estruturas políticas, empresariais, governamentais e até religiosas.
Indiscutivelmente que compete aos adultos darem o exemplo, na circunstância o bom-exemplo, aquele que leva a criança a querer imitar, portanto, um modelo que possa trazer algo de melhor em relação ao que existe, porque, independentemente da subjetividade dos valores e dos gostos, sempre haverá um conjunto de procedimentos que servem o interesse do maior número possível, logo, da sociedade em geral. É pelo exemplo responsável e generoso que as crianças de hoje poderão ser os adultos que as gerações dos diversos poderes atuais não o foram.
A reflexão efetuada há mais de quarenta anos, mantém-se, incomodamente, atual: «O espectáculo constante de adultos que se impõem deveres e os cumprem; não fogem às obrigações, por menores e aparentemente insignificantes, pois sabem o quanto é misterioso e fugidio o momento da influência; não procuram inocentar suas faltas com razões fúteis; não mentem aos outros nem a si mesmos; não gracejam com as coisas sérias; em suma, são exigentes consigo próprios e obedecem com amor a certas leis que lhes são superiores; esse espectáculo é o instrumento por excelência e infalível de formação do senso de responsabilidade.» (SCHMIDT, 1967:296).
Se a situação em que nesta segunda década deste novo século vive a humanidade é da responsabilidade de gerações anteriores, que não educaram convenientemente as atuais, a questão que aqui fica para reflexão é a seguinte: Então por que esperam os responsáveis, diretos e indiretos para, de imediato, desenvolverem os projetos que visem a mudança para uma nova educação com autoridade e responsabilidade?
Uma educação para a preparação de cidadãos, capazes de proporcionarem o bem-estar geral, quando no exercício de funções politico-governativas? Para a assunção dos deveres e direitos de cidadania? Para o exercício da autoridade democrática partilhada entre educadores e educandos? Enfim, por uma nova sociedade dos valores altruístas, do pluralismo a todos os níveis, do multiculturalismo e da livre circulação das pessoas. Pela tolerância e pela solidariedade

Bibliografia

ALVES, A. Martins, (1991). Autoridade Educativa na Família, Porto: Editorial Perpétuo Socorro.
BONBOIR, Anna, (Dir.). (1977). Uma Pedagogia para Amanhã. Tradução, Frederico Pessoa de Barros. São Paulo: Cultrix.
HARGREAVES, Andy; EARL, Lorna; RYAN, Jim, (2001) Educação para a Mudança: Reinventar a escola para os jovens adolescentes, Tradução, Inês Simões. Porto: Porto Editora
SCHMIDT, Maria Junqueira, (1967). Educar para a Responsabilidade, 4ª edição, Rio de Janeiro RJ: Livraria Agir Editora

Venade/Caminha – Portugal, 2020
Com o protesto da minha perene GRATIDÃO
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
NALAP.ORG

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