A condução e o sentido da vida, na perspectiva do
maior bem para todos, e do cumprimento das normas que regem a boa convivência
entre os homens, pressupõem padrões de exigência e rigor éticos, incompatíveis
com a subjetividade de certos egoísmos e preconceitos individuais, ou de
grupos, que negam toda a objetividade do exercício dos valores universais.
O conjunto destes referenciais ético-morais e que
constituem a axiologia ou a filosofia dos valores, que integram toda uma cultura
tradicional, carateriza o homem civilizado, que vai sendo formado numa cultura
de sentido antropológico, independentemente do elitismo ou enciclopedismo que
se lhe possa associar.
A formação académica de nível superior, não sendo
um requisito indispensável na formação do cidadão culto, contribui para uma
melhor compreensão da vida e do mundo, se a ela se juntarem alguns atributos
que, sem serem inatos, podem adquirir-se ao longo da vida, destacando-se aqui,
entre outros e já mencionados, a cultura no sentido indicado, como sendo o
recetáculo e fonte de todos os valores universais, dos valores que caraterizam
o homem ocidental em particular, e o cidadão universal em geral.
Pode-se aceitar, sem quaisquer polémicas que: «Toda a cultura é acto e criação do homem.
(…) Pode dizer-se que o homem só consegue desenvolver-se espiritualmente por
meio da cultura e no seio dela. (…) e se a
cultura deve servir para o aperfeiçoamento do homem, é evidente que ela
também não será senão atuação e realização dos valores. De facto, toda a
cultura é a realização de valores. (…) Todo o acto cultural consiste na
realização de um valor.» (HESSEN, 1946:244).
O cidadão deste novo século será, porventura, o ser
mais rico de quantos habitam o nosso planeta, desde que seja formado nos
valores da solidariedade, da amizade, da lealdade, da liberdade, da educação,
da formação, da cultura e da religião. Na verdade a religião é como que o elo
de ligação entre uma vida espiritual dos valores imateriais e uma vida prática
onde predomina a técnica, a ciência e a arte, ou seja, a vida material.
O cidadão que se esboça nesta reflexão, será um ser
especial que, dotado de múltiplas faculdades, ultrapassará muitas das
vicissitudes da vida, na medida em que ele estará para além da vida terrena,
porque possui uma consciência que lhe indica o caminho a seguir, principalmente
os crentes que têm esperança numa outra vida.
Neste trabalho, e como primeira dimensão do homem
que, por opção, se identificou e analisou, como sendo a religiosa, também e a
título integrador na dimensão axiológica, se faz uma reflexão profunda,
justamente sobre a religião, aqui entendida como um valor indissociável da
condição humana, inseparável da dimensão e valores espirituais.
Com efeito:
«A religião está, assim, implicada no
mais íntimo da vida do espírito; mais ainda, é a plenitude da vida da pessoa,
colocada como está no termo mesmo das suas dimensões contemplativa e prática –
donde elas se conjugarem na atitude de reconhecimento, adoração e submissão à
Pessoa divina, Causa primeira e Fim último do ser da pessoa e de todo o ser
criado. A vida pessoal é, pois, essencialmente religiosa.» (DERISI,
1977:53).
O cidadão universal, que se intenta construir, será
o mais completo possível, num mundo em profundas transformações, onde se
contestam valores ecuménicos, se substituem os valores tradicionais, em que
alguns pretendem laicizar o homem e a sociedade, para culminar no mais absoluto
agnosticismo, o que, como ficou demonstrado, não é compatível com o perfil do
cidadão que se ambiciona para o espaço lusófono, como paradigma a ser adoptado
noutras áreas deste mesmo mundo. O homem: pessoa humana e cidadão de valores.
Conhece-se a importância que, em alguns setores da
vida comunitária, as pessoas atribuem a certos referenciais, para uma boa
prática social, quer em benefício da sociedade, quer para satisfação
individual.
A dimensão axiológica, que é intrínseca e, tanto
quanto se sabe, exclusiva do ser humano, constitui um dos maiores patrimónios
do homem-pessoa-cidadão. Sem princípios nem valores ético-morais, a humanidade
tornar-se-ia numa autêntica selva caótica, onde as capacidades dos mais fortes
se transformariam em lei de opressão, de humilhação e exploração dos mais
fracos.
Os valores assumem assim uma dimensão
insubstituível no homem e, independentemente da existência, em cada um em
particular e na sociedade em geral, de uma certa hierarquia dos valores, a
verdade é que a vida é pautada pela realização do maior número possível e, não
raramente, se elabora a lista com valores abstratos e subjetivos como: a
solidariedade, a perfeição, o amor, a lealdade, a amizade, a felicidade, a
cumplicidade, a Graça Divina, entre muitos outros igualmente possíveis de
elencar e desejáveis pela maioria das pessoas.
Tais valores, sendo abstratos, subjetivos e não
quantificáveis em termos de unidade de medida objetiva e exata, colocam a
grande dificuldade de poderem ser concetualizados, definidos e,
correlativamente, padronizáveis. É claro que não se defende um relativismo
total dos valores.
Com a maior abertura e humildade para as críticas,
ainda assim um dos valores que mais se pronuncia, como sendo muito desejado, é
a felicidade. Este valor que sob a forma de sentimento, estado de espírito,
tranquilidade e paz interiores, poderá ser vivenciado: mais por uns; do que por
outros, que possibilita ao cidadão que o desfruta, uma predisposição para o
bem, na medida em que, a ausência de sofrimento, torna-o recetivo a acolher
novas situações que os outros, seus semelhantes, lhe apresentam e, neste estado
de alma, ter as melhores condições no sentido de dar o seu contributo para as
resolver, fazendo outras pessoas felizes e, simultaneamente, gratas e
disponíveis para retribuir.
Em boa verdade: «Assim, posto que nenhum homem conheçamos, cuja vida tenha sido uma
série não interrompida de gostos sem dores de mistura; conhecemos alguns, que
contam uma soma de gostos consideravelmente maior que a das dores: e a isto
chamamos felicidade; dizendo que tais homens são felizes; e que pelo contrário
são infelizes aqueles, em cuja vida a soma das dores é consideravelmente maior
que a dos gostos.» (FERREIRA, 1813a:279, §-982).
A felicidade assim entendida, acrescida da sensação dos deveres
cumpridos, será um dos valores supremos a que o cidadão que se vem formando
aspirará e, obtida que seja num grau de satisfação, o mais elevado possível,
então este cidadão terá boas razões para se considerar uma pessoa privilegiada,
com condições para desenvolver um trabalho profícuo, porque se a pessoa não
está bem consigo própria, será muito mais difícil harmonizar-se com os seus
semelhantes.
E se a felicidade contém, em si mesma, sentimentos resultantes da
presença de Graças Divinas, então o cidadão tem todas as condições para
contribuir na construção de uma sociedade mais justa, mais coesa, mais
solidária, mais feliz.
Este cidadão que já se aproxima do ideal não será,
no médio prazo, uma utopia, mas para isso é necessário que todos comecem a
trabalhar, com espírito de autêntica felicidade, transmitindo aos seus
concidadãos um sentimento de confiança, de tranquilidade e alegria.
O valor felicidade tornar-se-á num farol de forte
referência, que iluminará o caminho de todos quantos desejam uma sociedade
livre, ou onde possam reinar a concórdia, o bem-estar material e espiritual,
uma sociedade de verdadeira felicidade, ao alcance de cada um e com o
contributo de todos.
Bibliografia
DERISI, Octávio Nicolás, (1977). Valores Básicos para a Construção de uma
Sociedade Realmente Humana, Trad. Alfredo Augusto Rabello Leite, São Paulo:
Mundo Cultural.
FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1813a) Prelecções Filosóficas. Introdução de António Paim, (1970) 2a
Ed., São Paulo: Editorial Grijalbo Ltda./USP
HESSEN, Johannes, (Prof.), (1946). Filosofia dos Valores, Trad. e Prefácio
do Prof. Luís Cabral de Moncada, S. Paulo: Livraria Académica Saraiva –
Editores.
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Telefone:
00351 936 400 689
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