Constitui um dever de qualquer cidadão, a defesa
intransigente de um regime de liberdades pessoais e cívicas, em consonância com
outras liberdades democráticas: liberdade económica, liberdade de ensinar e
aprender, liberdade de religião, liberdade profissional, porque só as
liberdades, contribuem para a realização do homem e para a autonomia da
sociedade perante um Estado que, por vezes, se torna inútil e até
inconveniente, imiscuindo-se na privacidade das pessoas, de forma autoritária,
abusiva e, em certas circunstâncias, eventualmente, ilegais, conforme se
comprova pela atitude dos cidadãos e dos grupos quando processam esse mesmo
Estado.
Seguramente muito haverá para reflectir neste
domínio e ao assunto se dedicará, neste capítulo, um estudo mais desenvolvido,
sempre na convicção profunda de que uma forte sensibilização e preparação no
âmbito dos valores, enquanto referenciais de conduta, constituem uma base muito
sólida, a par de outros requisitos, para que o cidadão do futuro seja de facto, e de direito, um agente
dinamizador de uma sociedade de esperança, de felicidade, de paz. O cidadão
cujo protótipo se tenta construir será multifacetado, atual, moderno, um amigo
e companheiro, um cidadão entre cidadãos, inicialmente mais direcionado
axiologicamente.
A partir do momento em que o homem avançou para
além do pensamento mítico- religioso, acentuou-se mais a sua posição no mundo,
porque novas questões se lhe colocaram, perante as quais ele sentiu, com mais
acuidade, a importância de elencar um conjunto de referenciais que lhe
permitissem uma melhor condução da sua vida, contra o determinismo a que os
restantes animais estavam submetidos. A Civilização Ocidental, bem cedo se
estruturou no sentido de dar corpo ao modo de vida, que por tudo e em tudo
teria de ser diferente daquela que as comunidades primitivas desfrutavam.
Três grandes factos influenciariam o destino
ocidental: a Democracia Grega, o Cristianismo e o Direito Romano. Estes novos
factos, que hoje se consideram como valores essenciais e referências
estruturantes da nova dignidade humana, cada vez mais interiorizados no homem,
pelo menos numa bem determinada sociedade ocidental, podem, e devem, ser
aprofundados na formação do cidadão moderno, no respeito pelas opções
ideológicas que livre e responsavelmente cada um assume, pratica e defende,
considerando que assiste o direito à liberdade política, religiosa, filosófica
e de pensamento.
Acrescentar-se-ia àqueles valores, uma base que os
suporte, e que esta deve ser universal e não exclusiva da civilização
ocidental, ou de qualquer outra: a Liberdade, porque: «O homem pode ser realmente livre para tomar quaisquer decisões
importantes para a sua vida: ele pode opinar na escolha do seu trabalho, seu
cônjuge, seus amigos, ou o tipo de vida que deseja. Mas existe uma escolha que
ele não pode fazer: não pode deixar de escolher. Ele não pode fugir de sua
liberdade; ele é forçado a ser livre. Quer ele goste ou não, quer ele acredite
ou não, ele tem de viver tomar decisões constantes e inevitáveis.» (FORELL,
1980: 23).
A dimensão sobre as liberdades e decisões é
complexa, na medida em que é possível defender-se que, em quaisquer
circunstâncias, o homem é sempre livre para decidir, mesmo que tome decisões
contra ele próprio. A tomada de decisão sob coação seria a situação limite, que
o cidadão atual encontraria, para a qual seria necessário que ele estivesse
dotado de faculdades extra-humanas.
A complexidade agrava-se, na medida em que se possa
introduzir um valor ético na decisão e aqui, a ética entendida como o que é
certo ou errado, justo ou injusto, pode levar à tentação de se enveredar por um
relativismo negativista, porquanto o que é certo e justo para uns, pode ser
errado e injusto para outros.
A posição, eventualmente mais equilibrada, seria a
adoção de valores existenciais da vida humana na tomada de decisões que afetem,
no presente e no futuro, vidas, sistemas, situações, tendo sempre presente a
máxima prudência que também significa experiência, conhecimentos, maturidade e
sabedoria.
Estimular no novo
cidadão, a prática da prudência, parece uma boa estratégia se se considerar
que: «um sistema ético pode ser dito
prudencial se os seus cânones são selecionados prevendo possibilidades futuras.
(…) Este sistema avalia todas as decisões pelas consequências que podem ser
esperadas como resultantes.» (Ibid.:40).
Na defesa do valor ético das decisões, o cidadão
que se vai desenhando ao longo do presente trabalho consciencializar-se-á para
esta dimensão humana, até pela importância que tem quanto às consequências que
aquelas podem assumir na vida de quem sobre elas recaem, de forma a serem
evitados, ou minimizados, quaisquer tipos de sofrimentos, isto é: «Em sua origem, toda a ética existe realmente
antes da reflexão ou da teoria ética, de modo que constitui-se como um impulso
prático de reduzir e afastar o sofrimento.». (THIELEN, 1998:63).
Um cidadão moderno que tome decisões livres e
éticas, no sentido que lhes vem sendo dado, revela uma formação axiológica que,
no mundo atual, tão carenciado de valores imateriais, não se pode descurar.
O homem-cidadão do mundo atual, qualquer que seja a
sociedade em que se movimente, tem a missão importante de não só conhecer, como
praticar os valores com os quais conviverá diariamente, e pelos quais se
afirmará como o cidadão moderno, de um novo século, pleno de desafios, para
cujas respostas ele será preparado, porque: «todo aquele que conhecer os verdadeiros valores e, acima de tudo, os do
bem, e que possuir uma clara consciência valorativa, não só realizará o sentido
da vida em geral, como saberá ainda achar sempre a melhor decisão a tomar em
todas as suas situações concretas.» (HESSEN, 1946:21).
Ao longo deste trabalho a dimensão axiológica do
homem, com esta ou outras designações, como por exemplo, uma teoria dos
valores, estará presente, porquanto se considera vital que este cidadão se
mantenha desperto para as questões axiológicas, para as quais nem sempre tem
havido a sensibilidade adequada.
A violação de valores cruciais para a dignidade
humana, estará na origem de alguns dos conflitos mundiais, nacionais e até
locais, porque se radicalizam posições devido não só a interesses, nem sempre
os mais claros, mas também porque nem todos os cidadãos dominam uma teoria dos
valores.
Certamente que ninguém defende que este cidadão,
que se ambiciona generalizado em todo mundo, seja um especialista em axiologia,
um filósofo ou um pedagogo dos direitos humanos, que possua uma forte e
inabalável predisposição para esta temática, fundamental à coexistência
pacífica entre os povos: «A teoria dos
valores dará pois à consciência do Homem, em qualquer caso, uma claridade
maior, tornando-a mais firme e mais rica.» (Id. Ibid.).
Há toda uma longa história, que vem da antiguidade
clássica com Sócrates até aos dias de hoje, sobre a relevância que tem para a
humanidade o acolhimento dos valores, como elemento formador da sociedade em
geral, da personalidade, do caráter e da dignidade do homem, em particular.
Bibliografia
FORELL, George W., (1980). Ética da Decisão, Introdução ao Estudo da
Ética Cristã, Trad. Walter
Muller, 2ª Ed. São Leopoldo/RS: Editora Sinodal.
HESSEN, Johannes, (Prof.), (1946). Filosofia dos Valores, Trad. e Prefácio
do Prof. Luís Cabral de Moncada, S. Paulo: Livraria Académica Saraiva –
Editores.
THIELEN, Helmut, (1998). “Crítica e Subversão como
Ética”, in STEIN, Sofia Inês Albornoz (Org), Ética e Política, Goiânia: Curso de Pós-Graduação em Filosofia da
UFG - Universidade Federal de Minas Gerais, 2 (1), pp. 53-62
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Telefone:
00351 936 400 689
1 comentário:
É SEMPRE UM GRANDE PRAZER LER E RELER OS TEXTOS DO BÁRTOLO, SOBRETUDO PELO FATO DO APRENDIZADO QUE FAÇO COM O MESMO, USUFRUINDO DE SUA VASTA CULTURA, SEUS VALORES, QUE NUNCA SE ISENTAM DA RELIGIOSIDADE INERENTE AO SER HUMANO. OBRIGADO MEU AMIGO.
Assinado: FERNANDO ROSEMBERG PATROCÍNIO
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