A segunda metade do século XX, logo no início dos
anos sessenta, começou para Portugal, no campo militar, com graves conflitos,
nos territórios ultramarinos, ocupados desde há vários séculos, pelos
exploradores e colonizadores portugueses, seguramente, com o incentivo e apoio
sistemático do governo de então.
Naturalmente que a História sobre a colonização
portuguesa, bem como todas as consequências que ela provocou, ainda não está
escrita, em toda a sua amplitude e verdade, nem esta reflexão pretende dar
qualquer versão sobre um período que, hoje, pensa-se, não dignificou Portugal,
nem honra os valores da democracia e da liberdade dos povos, poderem escolher
os seus destinos.
Para os jovens portugueses, a década de sessenta e
até quase metade da de setenta, do século passado, foi um período de imensa
preocupação, na medida em que, praticamente, só haveria duas alternativas: ou
se emigrava, então e em força para França, Luxemburgo e Alemanha; ou se
permanecia no país e se ficava sujeito à imposição do serviço militar
obrigatório e, praticamente, com “Guia de Marcha” para ir combater numa das
então colónias, sob jurisdição de Portugal, ninguém garantindo que se “livrava”
de uma guerra, imposta pelo Governo de então, aos autóctones daqueles
territórios.
As opções que cada jovem então tomou, não podem ser
objeto de crítica negativa, mesmo perante aquelas pessoas que, atualmente,
acusam que quem emigrou traiu a pátria, que foi para fugir à guerra; ou então,
na perspetiva de quem acusa os jovens que optaram por cumprir o serviço militar
e, invariavelmente, serem mobilizados para o então ultramar, designando-os de
estarem ao serviço de um governo “fascista” e, defenderem um regime ditatorial.
Ambas as críticas serão, porventura, injustas,
ilegítimas, no mínimo, e para usar um eufemismo, “inadequadas” porque cada jovem, tinha presente na sua consciência,
os seus valores, a “liberdade”, relativa, de decidir qual o destino que
gostaria de dar à sua vida: sujeitar-se a ser convocado para uma guerra; ou
emigrar para construir um futuro de trabalho, de família, e de envio de riqueza
para o seu próprio país e terem, posteriormente, uma velhice mais tranquila.
É, portanto, neste contexto que um jovem,
relativamente desconhecido, praticamente imberbe, ainda no início da sua
juventude, porém, com uma noção muito forte, do que deveria fazer, para cumprir
os valores que, já então, defendia, enquanto cidadão responsável, respeitador,
o melhor possível, dos usos, costumes, tradições e Leis do seu país, se
confrontava com uma situação da sua própria consciência cívica.
Este jovem minhoto, natural de uma aldeia do
concelho de Caminha, oriundo de família pobre, honesta e humilde, antes de
tomar a decisão final, aconselhou-se com pessoas que já estavam a cumprir o
serviço militar, nomeadamente, um primo seu que conhecia o teatro de guerra no
então ultramar, que na época se vivia, concretamente, na Guiné. Obviamente que
conversou com seus pais, de quem careceria da respetiva autorização, dado que aquele
jovem ainda era de menor idade, o que, apesar desta circunstância, não o
impediu de desenvolver todos os esforços, para concretizar os seus objetivos.
Finalmente, o mancebo teve uma conversa, sobre o
destino que deveria dar à sua vida, com seu avô paterno, à época bastante
doente, acamado, mas lúcido, que lhe disse o seguinte: “Gostava que fosses para a tropa e, se possível, para a Marinha”.
Este encontro ocorreu uns meses antes do falecimento daquele ancião, já quase
com noventa anos.
Reunidas informações, conselhos e a autorização dos
pais, o jovem tomou a decisão de cumprir o serviço militar, desejavelmente, na
Armada Portuguesa, sabendo, à partida, que seria muito difícil ser “apurado”
para servir num dos ramos das Forças Armadas muito prestigiado, não só em
Portugal, como em todo o mundo, desde há muitos séculos, principalmente, a
partir da época dos descobrimentos portugueses, no século XV.
Ingressar na Armada Portuguesa era, portanto, o
sonho, um objetivo a ser alcançado, por este indivíduo acabado de sair da
adolescência, mas já com vontade própria, determinação e orgulho pela escolha
que estava a fazer, porque ele sabia que teria de enfrentar muitas dificuldades
para conseguir vestir uma farda tão prestigiada quando maravilhosa.
Iniciado o processo de candidatura ao ingresso na
Armada Portuguesa, com toda a documentação necessária, veio a primeira vitória:
o jovem é convocado para prestar provas, nas unidades militares da Marinha, do
Alfeite, margem sul do Tejo. Nesse dia, uma imensa alegria se apoderou de um
jovem sonhador, que apenas desejava servir o seu país, através do serviço
militar na Armada Portuguesa.
As provas para admissão na Armada Portuguesa, fosse
para jovens voluntários, como era o caso, fosse para jovens já na idade de
cumprir o serviço militar, aos vinte/vinte e um anos, eram muito rigorosas,
compostas de um exame médico minucioso, em que todo o corpo em geral e,
particularmente, todos os órgãos dos sentidos eram avaliados ao pormenor,
seguia-se depois uma avaliação de conhecimentos literários e culturais, na
época, há cerca de cinquenta anos, ao nível da quarta classe e, finalmente, as
provas físicas com várias modalidades, sobressaindo a natação.
Paulatinamente, uma a uma, aquele jovem foi
vencendo todas as etapas para realizar o seu sonho, concretizar um projeto de
vida para a sua idade. Chegou ao fim com aprovação em todas as fases deste
itinerário, com boa nota, e a satisfação de que de ora em diante seria mais um
cidadão com responsabilidades acrescidas, no seu próprio pais.
Servir na Armada Portuguesa, de facto, não era para
qualquer pessoa. Esta circunstância alimentou e reforçou a autoestima de um
jovem humilde, pobre, mas que não virou as costas a um sonho, lutou, correu
atrás dele e venceu, sempre convicto de que seria capaz atingir este primeiro
desiderato na sua vida, foi um pouco como refere o adágio popular: “O homem sonha; Deus quer e a obra nasce”,
neste caso, o projeto, concretiza-se.
Um de Abril de mil novecentos e sessenta e seis,
data histórica que prevalece na memória de um cidadão, hoje, pai e avô, que
continua a orgulhar-se do privilégio de servir na Armada Portuguesa, com total
empenho, desvanecimento incontido e, acima de tudo, um grande respeito pelos
valores que continuam a orientar todas as pessoas que, nas diversas
especialidades, com as diferentes patentes e motivações, que excedem todas as
expetativas, continuam a “Amar” a nossa Armada.
Cinquenta anos se passaram, o lema que continua a
orientar a vida deste cidadão: “A Pátria
Honrae que a Pátria vos Contempla” tem, precisamente, aquela idade. A
escolha feita, há meio século, considera-a, ainda hoje, como sempre, a mais
acertada, isto é: “servir a Armada Portuguesa, foi a forma que considerou a
mais abnegada, de amar o seu país”, nada pedindo, então, em troca.
No dia um de Abril (que não foi nenhuma mentira)
aquele jovem sonhador apresentava-se no Corpo de Marinheiros no Alfeite, onde
adquiriria todo o fardamento necessário, para, de imediato, e ainda no mesmo
dia, receber a respetiva “Guia de Marcha”
e dirigir-se para o Grupo número Um de Escolas da Armada, em Vila Franca de
Xira, onde se processaria a preparação militar dos mancebos e também dos
recrutas, que se prolongou até quinze de Julho, data do “Juramento de
Bandeira”, a que correspondia o fim da recruta.
O contingente de Abril de mil novecentos e sessenta
e seis era composto por mais de mil homens: cerca de quinhentos e cinquenta,
mancebos voluntários, com dezasseis/dezassete anos; os restantes, jovens
recrutados na idade normal para o serviço militar, com vinte/vinte e um anos de
idade.
Cumprir o serviço militar na Armada Portuguesa,
como de resto, nos restantes ramos das Forças Armadas, era, naturalmente, uma
imposição que pendia sobre todos os jovens portugueses, todavia, existia a
outra alternativa, que já foi identificada: a emigração que, até ao vinte e
cinco de Abril de mil novecentos e setenta e quatro, era feita sob a “capa” da
clandestinidade, com imensos riscos, incluindo perigo de vida, para os
portugueses que optavam por sair do país.
O cumprimento do serviço militar na Armada
Portuguesa constituía e, continua a ser, uma incomparável “Escola de Vida
Excecional”. Aqui se cultivavam os valores da solidariedade, da camaradagem, da
lealdade, do humanismo, do respeito, da tolerância, da compreensão e da
entre-ajuda; nela, na Armada, se cumprem: com rigor, profissionalismo e
atualização, as diversas funções que cabem a cada mulher e a cada homem; neste
ramo das Forças Armadas o “espírito de missão”, o altruísmo com que se realizam
as gratificantes tarefas, por mais “penosas” que possam parecer, é uma
constante.
“A Pátria
honrae que a Pátria vos Contempla”. E não há que ter complexos ao se
escrever e/ou pronunciar a palavra “Pátria”, porque ela significa o Território,
a Língua, a História, a Cultura com as suas tradições, usos e costumes, os
Objetivos, enfim um Destino comum. Tudo isto se defende no serviço militar, em
geral e na Armada em particular.
É muito importante, para a formação da pessoa,
verdadeiramente humana, que as/os jovens portugueses, cumpram um período, ainda
que de alguns meses, de serviço militar, mesmo que seja em regime de
voluntariado, sem prejuízo das suas atividades profissionais, pelo menos em
tempo de paz, porque não há melhor escola na vida do que tudo o que se aprende
na Escola Militar.
Há cinquenta anos, realmente, os jovens portugueses
eram mesmo obrigados ao serviço militar, em alguns casos, por longos anos, a
maioria daqueles com “Destino”
marcado para as ex-províncias ultramarinas, das quais não sabiam se voltavam
vivos, onde muitos realmente perderam a vida, outros regressaram com
deficiências, mais ou menos profundas, para o resto da vida e, também, muitas
mulheres portuguesas ficaram sem os seus filhos, milhares de viúvas, enfim, uma
autêntica tragédia humana, porque as lições da História, os exemplos de outros
países colonizadores, não foram bem estudados por quem, então, tinha a
obrigação e a responsabilidade de tudo fazer para evitar este holocausto
nacional.
Decorridos cinquenta anos, neste primeiro de Abril
de dois mil e dezasseis, poderemos, contudo, continuar a proclamar, em voz bem
alta, o lema de que tanto nos orgulhamos, nós, mulheres e homens de Portugal,
aquelas e aqueles que serviram a Armada Portuguesa: “A Pátria Honrae que a Pátria vos Contempla”. Não tenhamos vergonha,
nem complexos de sermos genuinamente portugueses, democraticamente patriotas,
sem ressentimentos nem vergonha do nosso passado cultural, humanista e
tolerante.
E para concluir, um pouco de História: «A exemplo do que sucede em muitos outros
países, também os navios da Marinha Portuguesa ostentam uma divisa patriótica.
Numa época em que os nacionalismos varriam a Europa, coube ao rei D. Luís
(1861-1889), por inspiração do seu Ministro da Marinha e Ultramar, a decisão de
colocar uma divisa a bordo dos navios da Marinha Real. José da Silva Mendes
Leal (1820-1886), Ministro da Marinha e Ultramar entre 1862 e 1864, assinou a
20 de março de 1863 a portaria que abaixo se transcreve, atribuindo aos navios
da Marinha o célebre lema:
«Manda Sua Majestade El-Rei declarar ao conselheiro inspector do arsenal
da marinha, que sendo muito conveniente estimular por todos os modos os brios
patrioticos e os nobres sentimentos, ha por bem ordenar que immediatamente faça
apromtar e assentar nos navios que tenham tombadilho no vau d’este, e nos
outros no ponto mais visível da tolda, a seguinte inscripção em letras de metal
bem visíveis A PATRIA HONRAE QUE A PATRIA VOS CONTEMPLA».
Muito embora todos os navios da Marinha Portuguesa ostentem este lema, o
NRP Sagres é o único que atualmente cumpre com a portaria de 1863, que
determina a sua colocação no tombadilho. (in: http://www.marinha.pt/pt-pt/historia-estrategia/simbolos-tradicoes/Paginas/Patria-Honrae-Patria-Contempla.aspx
consultado em 27.03.2016)
Diamantino Lourenço
Rodrigues de Bártolo
Telefone: 00351 936 400 689
Imprensa Escrita Local:
Jornal: “O Caminhense”
Jornal: “Terra e Mar”
Blog Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
Portugal: http://www.caminha2000.com
(Link’s Cidadania e Tribuna)
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