Quem passou pela experiência de viver num período
difícil, da História de Portugal, como foi o da ditadura do século XX, que se
prolongou por quase cinquenta anos, certamente que tem uma perspetiva muito
singular do regime político que então vigorou, e que decorridos mais de
quarenta anos, após o vinte e cinco de Abril de mil novecentos e setenta e
quatro, estará em condições de fazer uma reflexão pessoal, e realista, sobre
este acontecimento extraordinário.
A ditadura política que vigorou durante quase meio
século, em Portugal, constitui um período negro da nossa História, do qual não
nos devemos afastar e, muito menos, branquear, porque conforme nos podemos
orgulhar de um outro passado de glória, através da epopeia dos Descobrimentos,
da Evangelização, da Cultura e dos valores do humanismo, levados aos quatro
cantos do mundo, ainda que tal passado “glorioso” também tenha pingos de
manchas censuráveis, como a prática da escravatura, a inquisição e outros
flagelos, o saldo, apesar de tudo, será positivo, porque também é verdade que
muito foi investido nos povos autóctones, que ao longo dos séculos fomos
contactando, bem como nos seus territórios.
A História, não sendo uma ciência exata, ela tem um
objeto de estudo, que são os factos do passado, como, igualmente, utiliza uma
metodologia específica, com recurso à investigação, análise documental,
testemunhos e todo um conjunto de bens materiais e imateriais, que fundamenta as
suas conclusões. Ela, a História, é, também, uma ciência dinâmica, sempre em
busca da verdade.
A narrativa do período ditatorial, em Portugal,
ainda não está encerrada, e dificilmente algum dia se chegará a uma epílogo
definitivo, porque cada instituição, cada governante, cada individualidade terá
a sua versão dos factos, o conhecimento direto, ou não, a circunstância em que
os viveu, mas haverá alguma unanimidade quanto às atrocidades que se terão
cometido, com o recurso a meios de investigação, repressão e punição, contra aqueles
que ousavam manifestar-se contrários ao regime imposto pelos ditadores.
Qualquer que seja o Poder: político, militar,
religioso, empresarial, desportivo, cultural ou outro, ele, o Poder, nunca será
bem recebido e acatado, quando exercido com violência, despotismo, no
desrespeito pelos mais elementares direitos e valores humanos, atentando contra
a dignidade, a liberdade, a compreensão, a tolerância e a benevolência, em
relação aos governados.
O período ditatorial, em Portugal, conduziu o país
a guerras fratricidas com os povos africanos, já que no Brasil foi tudo bem
diferente e, a independência desta ex-colónia, foi relativamente pacifica. Os
governantes portugueses desse período negro da História de Portugal, obcecados
pelo domínio colonial, não quiseram aprender com os bons exemplos dados por
outros países colonizadores que, rapidamente, compreenderam a justeza das
reivindicações dos povos colonizados, materializadas no seu direito à
independência.
A perseguição, repressão e punição dos cidadãos
portugueses, que se assumiam contra o regime ditatorial, era permanente, a
polícia política, coadjuvada por um “batalhão” de colaboradores (então
denominados, na gíria popular, por bufos), não tinha “mãos a medir”, os
julgamentos sumários, as prisões arbitrárias e desterros eram o “pão-nosso” de
cada diaQuantas pessoas foram, severa e cruelmente,
torturadas por se oporem ao regime? Quantos jovens e adultos se viram obrigados
a abandonar o seu próprio país para se livrarem de uma guerra, que nada lhes
dizia e também para fugirem às perseguições policiais, respetivamente? Quantos
milhares de jovens morreram ou ficaram deficientes para o resto da vida?
Quantas mães ainda hoje choram a perda de seus filhos? Quantas viúvas continuam
a derramar lágrimas pelos seus maridos? Quantos órfãos não chegaram a conhecer
os seus pais?
Felizmente, como em tudo na vida, sempre há um
princípio, um meio e um fim e, paulatinamente, os ditadores vão caindo dos
pedestais em que se colocaram, ilegítima e ilegalmente, porque a paciência, a
dor, o sofrimento e a humilhação têm limites que não podem ser ultrapassados.
Os portugueses atingiram esse limite e, só lhes restava derrubar um regime que
não cumpria com a maior parte dos mais sagrados Direitos Humanos.
A ditadura portuguesa também viria a ter o seu fim
com a “Revolução dos Cravos”, em vinte e cinco de Abril de mil novecentos e
setenta e quatro, na qual as Forças Armadas e o Povo saíram à rua para abater
um regime desumano, quer para os cidadãos portugueses, quer para os povos
colonizados, muito embora nos territórios ocupados se tenha verificado um
grande desenvolvimento, porém, sem os valores da democracia: liberdade em todas
as suas vertentes; solidariedade, igualdade, fraternidade, entre outros.
É claro que a “Revolução dos Cravos” não foi apenas
de “flores”, também houve alguns “espinhos”, principalmente para os cerca de
meio milhão de portugueses que tiveram de abandonar, à pressa, as então
colónias: a maior parte dos quais, perdendo tudo o que tinham conseguido, ao
longo de uma vida de trabalho, de sacrifícios, de riscos; outros,
inclusivamente, incentivados pelo governo ditatorial, venderam os seus bens em
Portugal continental, para investirem nos territórios ultramarinos.
A descolonização que se seguiu à “Revolução dos
Cravos”, com a justa independência dos territórios ocupados, não acautelou a
integridade física, os bens materiais imóveis e financeiros dos empresários e
colonos portugueses, pese, embora, o esforço realizado com as “pontes aéreas”
para transportar, em segurança, para a então denominada “metrópole”, os
milhares de portugueses que, em certos círculos, foram apelidados,
pejorativamente, de “Retornados”, adjetivação que nunca foi utilizada, por
exemplo, em relação aos restantes portugueses emigrados, quando regressavam
definitivamente a Portugal.
Centenas de jovens, muitos colonos e autóctones,
que desejavam continuar a ser portugueses, morreram vítimas de uma guerra sem
sentido, cujos corpos foram enterrados em “cemitérios” improvisados, no meio do
mato e abandonado às ervas daninhas e animais selvagens, sem o mínimo de
respeito pela dignidade da pessoa humana, independentemente da sua etnia,
convicção política, religiosa e cultural.
É claro que o espírito e capacidade de adaptação
dos portugueses acabaram por resolver este drama da descolonização. O Estado-Governo
que se seguiu à “Revolução dos Cravos”, enquadrou e integrou nos seus quadros,
milhares de funcionários, assim como as grandes empresas e bancos, entre
outras. Resta, passados mais de quarenta anos, indemnizar os portugueses que
perderam os seus bens: imobiliários, financeiros, empresariais e empregos.
Apesar de todas as dificuldades, Portugal pode
orgulhar-se da sua “Revolução dos Cravos”, da implementação de um regime
democrático com amplos direitos, liberdades e garantias, que fez inveja a muitos
outros países. Não há dúvida que somos um “povo de brandos costumes”, pacífico,
hospitaleiro e humanista.
A “Revolução dos Cravos” proporcionou aos
portugueses uma vida nova, com esperança num futuro de desenvolvimento, emprego
e justiça social, porque Democracia é isto mesmo: igualdade de oportunidades,
redistribuição justa da riqueza nacional, cuidar de todos os cidadãos de igual
modo, sem discriminações negativas, nem marginalização dos mais fracos.
A “Revolução dos Cravos”, ainda não terminou todos
os projetos então prometidos, mas possibilitou retirar o país do isolamento
internacional em que já se encontrava. Abriu as portas para a integração na
União Europeia, com todos os deveres e direitos que tal implica,
reconhecendo-se, hoje, segunda década do século XXI, que valeu a pena correr os
riscos que uma revolução provoca para aqueles que nela se envolvem.
Naturalmente que é justo e sempre pertinente que se
faça um rasgado elogio às Forças Armadas Portuguesas e ao Povo, porque sem a
conjugação das sinergias, talvez a “Revolução dos Cravos” se tornasse num banho
de sangue. O sentido patriótico, e de Estado, dos nossos militares, foi, é e,
seguramente, continuará a ser uma garantia de estabilidade democrática para
Portugal.
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Telefone:
00351 936 400 689
Imprensa
Escrita Local:
Jornal:
“O Caminhense”
Jornal:
“Terra e Mar”
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