domingo, 6 de janeiro de 2019

Políticas para a Dignificação e Intervenção do Idoso


Os preconceitos, estigmas, paradigmas e outros juízos de valor sobre os idosos, têm vindo a contribuir para uma certa institucionalização de uma sociedade desumanizada, que despreza as gerações mais velhas, excetuando-se, aqui, eventualmente, a única situação em que eles são considerados úteis: nos processos eleitorais, em que tudo se lhes promete e, no dia seguinte ao ato plebiscitário, tudo se lhe nega, incluindo o direito ao trabalho e os benefícios legalmente adquiridos.
Pactuar com estes comportamentos mesquinhos e hipócritas significa desenvolver uma sociedade de falsidades, de marginalização dos próprios concidadãos, grande parte dos quais, ainda com grande vigor físico, intelectual e dinamismo suficientes para continuarem a dar o seu melhor ao país.
Novas políticas para a dignificação, recuperação e intervenção dos idosos na sociedade de todos, podem significar a diferença entre um futuro de valores, de convicções, de ideais realizáveis e um futuro sem perspetivas, atípico, sem sentido de vida, um futuro de ostracismo e “morte lenta”.
O progresso material e a felicidade espiritual da pessoa integrada numa sociedade verdadeiramente humanista passa, imperativamente, pela consideração devida aos mais velhos, e a tudo o que eles representam, com sucessos e com fracassos, porque eles são a história, a língua, a cultura, as tradições, os valores, o trabalho feito que os mais novos estão a usufruir e, se possível, a melhorar.
Uma primeira abordagem poderá ser desenvolvida no sentido de atender às necessidades daqueles que, por incapacidade de qualquer natureza, ou por opção própria, não podem e/ou não querem continuar na vida ativa, preferindo os cuidados médico-sociais adequados, acompanhados de uma vida de reflexão, de tranquilidade e de recordações.
É certo que as famílias de hoje, por circunstâncias diversas, não têm condições materiais para: cuidarem condigna e adequadamente dos seus idosos; nem possuem os meios técnicos e os recursos financeiros para lhes proporcionarem a melhor qualidade de vida; aliás, muito objetivamente: «Os parentes já não dispõem de tempo para deles cuidarem. A filha ou a nora têm uma ocupação fora do lar. A família cada vez mais limita o número de filhos. Como se percebe, os casais já não têm tempo para os filhos, quanto mais para os velhos». (MELLO, 2000:307-8).
Nestas circunstâncias têm de ser criados os melhores equipamentos de acolhimento e acompanhamento dignos do idoso, independentemente de sentimentos de amor, carinho e afeto que, sendo importantes, não são suficientes para uma boa qualidade de vida.
Compete, então, à sociedade, através dos respetivos departamentos do Estado e Instituições Privadas, desenvolver as melhores condições para proporcionar a estes idosos um ambiente saudável, em todas as vertentes possíveis, designadamente, com o funcionamento competente de instituições apropriadas: centros de dia, lares, residenciais Clínicas de Cuidados Continuados e outros equipamentos afins, funcionando com pessoal especializado nas diversas abordagens geriátricas, mas também com um sistema de visitas para os familiares ajustado às disponibilidades destes e à comodidade do idoso.
Por outro lado, afigura-se grave que, por uma questão de preconceito, deixem os idosos em casa, sozinhos, durante mais de catorze horas, ou mesmo por dias consecutivos, sem meios de apoio às necessidades mais prementes, em vez de lhes proporcionar condições de convivência e entretenimento com os da mesma geração, em locais dotados com infraestruturas adequadas e de boa qualidade.
Quantos idosos não aparecem mortos, com aspeto de algum abandono, em suas próprias casas, sem que os parentes os tenham podido socorrer em tempo útil? (Ninguém deve ter qualquer preconceito a estas soluções, porque no outro extremo da vida, precisamente no início, quando a fragilidade é, ainda muito maior, também existem equipamentos apropriados às respetivas idades: creches, jardins-de-infância para os bebés e crianças, cujos pais também não têm condições para estar com eles, durante as vinte e quatro horas de cada dia).
Uma outra perspetiva solucionadora para os que preferem continuar uma vida ativa, qualquer que seja a atividade e vínculo, face a uma possível entidade patronal, condições de trabalho e remuneração, situa-se ao nível do exercício de funções que contribuam: não só para a manutenção da autoestima ou até melhorá-la; como também no sentido do idoso realizar tarefas que lhe garantam uma maior autonomia económico-financeira, do que a que lhe é proporcionada pela reforma, repondo, assim, as perdas resultantes da aposentação, que sempre se verificam, na maioria dos casos; e ainda para o manter integrado na sociedade e sentir-se útil, como qualquer outro cidadão, fruindo do direito de cidadania como é o trabalho, aliás, aos sessenta e cinco anos, grande parte das pessoas sofreriam danos irreparáveis, não só para elas, como para os familiares e, em geral, para a sociedade, se tivessem que ficar inativas.
Compete ao Estado social e às empresas, criarem condições para manter ocupados, com dignidade e sem quaisquer preconceitos caritativos, os cidadãos que manifestem vontade de prosseguir uma atividade produtiva, razoavelmente compensadora em termos remuneratórios, cumulativamente com o valor da reforma que possam auferir, (como de resto já se verifica em certas elites da sociedade), naturalmente, sujeitando-se a todos os impostos devidos, como qualquer outro trabalhador, no período ativo e normal de trabalho.
A recolocação dos cidadãos idosos reformados é um ato de boa gestão do Estado e das Empresas; constitui uma medida social do maior alcance que dignifica as partes envolvidas.
Muito embora se tenha conhecimento da existência de programas sociais de apoio aos idosos, o que na prática se verifica, em Portugal, ao nível do setor privado, é que as pessoas, por exemplo, aos quarenta e cinco anos de idade, são velhas para obterem novo emprego e demasiado novas para passarem a uma situação de aposentação.
No setor público do Estado, a situação não é melhor porque um funcionário da Administração Pública, Forças Armadas, de Segurança e outros Corpos Especiais, que passe à situação de reforma, fica legalmente impedido de continuar a trabalhar no setor público, com todos os deveres e direitos, podendo fazê-lo na condição coerciva de lhe serem retirados dois terços ao valor da reforma ou da remuneração das novas funções, conforme então disposto no Decreto-lei 179/2005 de 2 de Novembro, o que está em contradição com os programas sociais que tem por objecto: «(…) Fomentar a autonomia do idoso incentivando a sua participação na vida da comunidade, (…) valorizar o idoso como detentor de experiências, saberes e culturas que a sociedade deve aproveitar e que deve preservar.» (CORREIA, 2003:306).
A terceira possibilidade, da utilização dos idosos, relaciona-se com os serviços de voluntariado, aqui balizado por condições estimulantes para o idoso, porque atualmente não será suficiente um voluntariado sustentado apenas em sentimentos de solidariedade, em virtudes de Caridade e Compaixão.
Hoje, tal como acontece em muitas instituições de solidariedade social, exige-se um mínimo de competências que o voluntário deve possuir, sob pena de o seu trabalho não ser valorizado como merecido, ou tornar-se prejudicial, podendo-se invocar, a título de exemplo, o trabalho desenvolvido pelos Bombeiros Voluntários, Cruz Vermelha, Associações dos Amigos dos Hospitais, felizmente, entre muitos outros, sendo desejável e exigível que o voluntário seja competente, o que pressupõe conhecimentos, técnicas, experiências, formação permanente e atualização.
Nesta perspetiva, o mínimo que as Instituições, que têm ao seu serviço voluntários, devem fazer é compensá-los pelo seu trabalho, não necessariamente, sob a forma de um salário, um vencimento fixo e respetivas obrigações fiscais, mas, outro sim, uma gratificação que cubra, pelo menos, as despesas que o voluntário tem e lhe permita, inclusivamente, adquirir mais formação, meios para o exercício da atividade voluntária e algum outro benefício/regalia fiscal/social e/ou ao nível da própria instituição, por exemplo, no âmbito dos serviços que ela presta, nomeadamente descontos nos seus produtos, serviços e prioridade em relação aos utentes em geral.
O voluntariado continuará a ser sempre uma atividade excecional, altruísta, merecedora de maior respeito e consideração, reconhecida e estimulada, materialmente recompensada, até porque ninguém é obrigado a ser voluntário em coisa alguma, portanto, mais uma razão para não lhe serem recusados os apoios necessários.
 As políticas de proteção social, a nível europeu, deixam em aberto a possibilidade de medidas nesse sentido: «Assim, o contributo útil do idoso tenderá a ser reconhecido, não só como um imperativo financeiro, mas também como uma necessidade social, por contrariar a constituição duma sociedade inclusiva e a promoção dum envelhecimento activo, mas também como uma necessidade económica face à diminuição da população activa.» (Ibid.:313).
Uma quarta hipótese viável prende-se com as atividades cognitivas, físicas e habilidades diversas, destacando-se, talvez, a informática, lúdicas, incluindo outras similares. Consideram-se louváveis e bem-vindas todas as iniciativas, que proporcionem aos idosos uma melhor qualidade de vida, nesta se incluindo as atividades que contribuam para o manter ativo no seu todo: intelectual, física e ludicamente.
As Universidades Seniores, como generosamente são denominadas, os ginásios desportivos, as viagens e passatempos diversos, são meios extremamente eficazes para manter os idosos, mental e fisicamente jovens, proporcionalmente às respetivas idades.
Instruir a pessoa, ainda na sua fase de vida ativa obrigatória, com a antecedência possível, sempre antes da passagem à reforma, para, logo que esta aconteça, estar preparada para, dentro das possibilidade que lhe são oferecidas, optar por um novo e último ciclo da sua vida, ocupando-o com a (s) atividade (s) que mais são do seu agrado, poderia muito bem ser uma responsabilidade do Estado, das empresas e da sociedade, até porque o investimento assim realizado seria reembolsável no futuro, pela manutenção da autoestima, boa condição intelectual e física do idoso, que não necessitaria tanto do apoio médico-medicamentoso.
A educação e formação do idoso, para nesta fase da sua vida ter as melhores condições, não só para viver com melhor qualidade de vida, como também para estar à altura de transmitir às gerações mais novas, que se lhe vão seguir, todos os conhecimentos, experiências e sabedoria, constitui uma estratégia muito interessante e de grande visão político-social, porque se acredita na sua eficácia, justamente para o bem-estar e felicidade espiritual do idoso.
Se o Estado e algumas instituições investem nos jovens, em pelo menos duas vertentes: Educação e Formação, versus, Conhecimentos e Experiências, sem que primeiro se possam avaliar os resultados, o investimento nos idosos, que dentro de poucas décadas serão a maioria, torna-se uma possibilidade com futuro garantido, no sentido de prepararem os mais novos.
Vão ser estes jovens que terão de assumir responsabilidades em muitos setores das atividades de um país, de uma empresa e até de uma família, pelo que devem estar bem preparados a todos os níveis: científico, técnico e humano, porque: «Uma educação que se preze deve abranger toda a personalidade tendo como objectivo uma educação holística ou global, visando o bem-estar ou a felicidade do educando, no caso vertente, do idoso, e ainda que ele atinja a sabedoria.
Por outras palavras, deve ser uma educação com valores e para os valores ou uma educação axiológica. (…) Em todo o caso, é lícito falar de uma educação para a reforma, tendo em conta as diversas situações do indivíduo e do meio, em geral fornecendo informações antecipadas sobre a situação e ajudando a superar as dificuldades. Os próprios reformados já há vários anos, estão em condições de ajudar, melhor que ninguém, os seus colegas, dada a experiência por que passaram.» (OLIVEIRA, 2006:280).
Fica-se, todavia, com uma primeira reflexão sobre a importância dos idosos e a riqueza que eles representam para o bem-estar e felicidade da humanidade, porque o património que eles carregam, fruto da educação e formação que foram adquirindo ao longo da vida, das experiências vividas e sabedoria acumulada, não se pode perder.
Jogar fora, por absurdos preconceitos etários, um património tão valioso quanto inimitável, significa uma visão redutora, receosa da perda de um qualquer poder, ou de não o vir a alcançar mais cedo, porque, alegada e eventualmente, haverá um idoso no caminho da progressão de um jovem.
O resultado, infelizmente, está à vista, um pouco por todo o mundo, por decisões tomadas por pessoas imaturas, inexperientes e imprudentes, a maior parte das quais com muito menos dos tais sessenta e cinco anos de vida. Reflita-se primeiro e decida-se depois.


Bibliografia

CORREIA, J. Martins, (2003). Introdução à Gerontologia, Lisboa: Universidade Aberta.
MELLO Luiz Gonzaga de, (1980) Antropologia Cultural: Iniciação, Teoria e Temas, 7ª Ed. Petrópolis: Vozes
OLIVEIRA, José Barros, (2006). “Educação das Pessoas Idosas”, in: Psicologia, Educação e Cultura. Carvalhos: Colégio Internato dos Carvalhos. Vol. X (2), dezembro-2006, Págs. 267-309


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo


Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal


Portugal: http://www.caminha2000.com (Link Tribuna)
http://www.sitedoescritor.com.br/sitedoescritor_escritores_d0045_dbartolo.html

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